“E se eu disser que a polícia tá matando quem acorda cinco da manhã/Pra trabalhar tentando ser alguém? E se eu disser que, na verdade, o sistema é mó covarde? Vê o povo passar fome e não ajuda ninguém/Favelado tem que juntar com favelado pra fazer acontecer/Porque eles nunca vai fechar com nós/O papo é que nós incomoda e nós é Pitbull de raça/Pode tentar, mas vocês nunca vai calar minha voz” (MC Poze do Rodo)

No dia 29 de maio, por volta das seis da manhã, o MC Poze do Rodo foi preso em sua residência. Foi levado algemado, sem camisa, descalço, com a cabeça forçada para baixo por policiais civis do Rio de Janeiro. Um tratamento diametralmente oposto ao que recebeu, por exemplo, o ex-deputado Roberto Jefferson — que resistiu à prisão com tiros e granadas, e mesmo assim foi poupado da humilhação pública, com direito a bolo e chá.

A acusação contra Poze é de apologia ao crime e envolvimento com o tráfico por cantar em bailes de áreas sob influência do Comando Vermelho. Mas o que se vê, na prática, é a velha criminalização da arte popular, da juventude negra e da favela. A perseguição ao funk não é nova — é uma extensão da guerra às drogas que, na prática, virou guerra aos pobres.

O fracasso de Cláudio Castro: Segurança como guerra

A prisão de Poze expõe o fracasso brutal do governo Cláudio Castro, que se vangloria de intensificar operações policiais em comunidades — operações que matam mais do que protegem. Em 2022, a Polícia Militar foi responsável por 1.327 mortes no estado, segundo o Instituto de Segurança Pública. Ao invés de reduzir a letalidade policial, o governo dobrou o número de incursões em favelas.

A ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) das Favelas, que tramitou por seis anos no Supremo Tribunal Federal (STF), buscava limitar justamente esse tipo de operação — proibindo helicópteros como plataformas de tiro e o uso de escolas e postos de saúde como bases militares. Cláudio Castro foi contra, argumentando que a medida “engessaria” a polícia. Hoje, o resultado está aí: 16 policiais mortos só em 2025 e milhares de moradores aterrorizados por uma política de confronto que beneficia apenas quem lucra com o caos.

A hipocrisia se aprofunda: os bailes que o Estado burguês quer criminalizar ocorrem com o “arrego” da própria PM, e 78% das armas apreendidas no país são de fabricação nacional, segundo CPI de 2006. Ou seja, enquanto a favela dança e sobrevive, o sistema finge combater um inimigo que ele mesmo alimenta.

Tratamento desigual: Ex-deputado Roberto Jefferson conversa com policiais após ter disparado com fuzil e granadas contra a própria polícia

Sucateamento e censura: Quem eles querem calar?

O projeto do Estado burguês é evidente: reprimir, calar e invisibilizar. Em vez de investir em educação e cultura, o governo libera a contratação de professores temporários, precarizando ainda mais a rede pública — abrindo caminho para até 15 mil educadores sem estabilidade e sem concurso público.

Na saúde, greves de médicos municipais e federais evidenciam o desmonte do setor público. Falta reajuste, falta estrutura, falta respeito. Enquanto isso, cresce o apoio institucional a políticas de censura cultural, como a “Lei Anti-Oruam”, que proíbe a contratação de artistas que supostamente fazem “apologia ao crime”.

Mas o que é apologia ao crime? Versos como esses?

“Presente do Dia da Mãe é ter o filho morto pela esquina/ Político safado protegido pela lei […] Quem mandou matar Marielle? Até agora eu não sei.”

É apologia ou denúncia? Criminalizar Poze é censurar a realidade.

A guerra não é contra as drogas: É contra o povo

A hipocrisia da guerra às drogas se escancara: a repressão recai sobre a favela, mas o tráfico transnacional envolve bancos, armas, elites e políticos. O povo negro segue morrendo: mais de 35 mil assassinatos de pretos e pardos em 2023 — 76% do total. São os dados da Agência Brasil.

E a violência é múltipla. Cresce o número de células neonazistas no país — 270% de aumento entre 2019 e 2021. Cresce a violência contra mulheres: uma morta a cada 10 minutos por parceiro ou familiar. Meninas sendo obrigadas a parir: mais de 11 mil partos de menores de 14 anos por ano. Cresce também a violência contra a população LGBTQIAPN+: 291 assassinatos só em 2024, segundo o GGB (Grupo Gay da Bahia).

E qual a resposta do Governo Federal? Corte no orçamento da Igualdade Racial e do Ministério das Mulheres. O Ministério da Igualdade Racial foi o mais afetado: perdeu R$ 18,64 milhões — quase 10% de sua dotação.

A prisão de Poze do Rodo é só mais um capítulo de um enredo que se repete: o Estado burguês criminaliza quem ousa narrar sua própria história. O funk, o rap, a favela, o preto pobre — tudo isso é visto como ameaça, nunca como cultura. O que incomoda não é a letra, é a existência.

Enquanto isso, o tráfico de drogas segue firme, alimentado não pelos pobres, mas pela hipocrisia das elites e do próprio aparato estatal. A política de proibição das drogas, ao invés de reduzir o tráfico, só fortalece milícias, corporações e facções. A única saída coerente é a legalização das drogas, sob controle público do povo e com políticas de redução de danos — única forma de desmontar a economia clandestina que sustenta o tráfico e, com ele, o genocídio da juventude negra.

Legalizar não é liberar o uso sem critério, mas retirar das mãos das facções e milícias o controle da cadeia produtiva e comercial das substâncias, colocando o tema sob responsabilidade pública, com foco na saúde e na educação, e não na repressão e na bala. O proibicionismo é um fracasso que só serve para manter a máquina de moer corpos em funcionamento.

A prisão de Poze deve ser denunciada por aquilo que ela é: um ataque político, uma perseguição contra quem ousa cantar verdades incômodas. A favela não precisa de mais polícia. Precisa de dignidade, de oportunidade, de vida. Eles não ligam pra gente. E por isso, a luta segue.

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Last Update: 30/05/2025