O Brasil abriga a maior biodiversidade do planeta, com mais de 116 mil espécies animais e 46 mil vegetais, distribuídas em seis biomas terrestres e três grandes ecossistemas marinhos. Apesar da exuberância, seus parques naturais ainda são pouco conhecidos pela população. Em 2023, receberam 15,9 milhões de visitas, menos de 0,5% do total registrado pelo Serviço de Parques Nacionais dos EUA. A boa notícia é que a visitação cresce, e o potencial de expansão do ecoturismo é gigantesco.

O número de visitas registradas aumentou 160% em relação a 2012, segundo um estudo divulgado pelo Instituto Semeia na segunda-feira 17. Pela primeira vez, a ONG dedicada à promoção do desenvolvimento sustentável das unidades de conservação incluiu, em seu “visitômetro”, dados dos parques estaduais, que receberam 4,1 milhões de turistas em 2023, perto de 26% do total. A pesquisa também permitiu atualizar a lista dos dez parques mais visitados do Brasil: Tijuca (RJ), Iguaçu (PR), Jericoacoara (CE), Serra da Bocaina (RJ, SP), Noronha (PE), Cocó (CE), Jaraguá (SP) e outros. Desses, quatro são estaduais: Cocó, Jaraguá, Utinga e Dunas.

Os parques brasileiros poderiam receber até quatro vezes mais turistas de forma sustentável. Atualmente, apenas três unidades – Tijuca, Iguaçu e Jericoacoara – concentram metade da visitação registrada nos 165 parques monitorados. “Há muito espaço para crescer”, afirma Mariana Haddad, gerente de Políticas Públicas do Semeia. “Em um estudo de 2021, estimamos que o número de visitas poderia chegar a 56 milhões ao ano, com a geração de 1 milhão de empregos e a incorporação de 44 bilhões de reais ao PIB.”

A expansão do turismo de natureza esbarra, porém, na deficiente infraestrutura. Outra pesquisa do Semeia, divulgada em 2023, revelou que grande parte dos parques carece de itens básicos, como banheiros (46%), bebedouros (56%) e centros de visitantes (56%). Além disso, seis em cada dez não tinham estrutura adequada para atender os frequentadores.

“A Embratur e o governo têm feito esforços para melhorar o acolhimento, mas ainda não temos uma política de Estado que, de fato, valorize o turismo sustentável nas unidades de conservação”, diz ­Haddad. “O Poder Público enfrenta dificuldades para gerir essas áreas, devido à escassez de recursos humanos e financeiros. Por isso, as parcerias com a iniciativa privada são fundamentais. É possível estabelecer bons contratos de concessão, que levem em conta questões locais e políticas de gratuidade, além de firmar acordos com o terceiro setor ou comunidades tradicionais. No Pico da Neblina, por exemplo, o ecoturismo tornou-se uma importante fonte de renda para povos indígenas. Seja qual for a solução, ela precisa ser construída em diálogo com a população local.”

Um exemplo destacado pelo Instituto Semeia é o Parque Estadual de Vila Velha, a primeira unidade de conservação criada no Paraná, em 1953. Segundo Rafael ­Andreguetto, diretor do Patrimônio Natural do Instituto Água e Terra, vinculado ao governo estadual, o parque passou por três fases distintas. A primeira foi marcada por um turismo predatório. Com pista de kart, piscina construída a partir do desvio de um curso d’água e centenas de vendedores ambulantes, a unidade chegou a receber 240 mil visitantes por ano e até abrigar shows de grande porte, mas sofreu com a degradação ambiental. Nem mesmo os arenitos de 300 milhões de anos foram poupados de pichações. Em 2002, o governo precisou fechar o parque para recuperar as áreas deterioradas e assumiu a gestão de todos os serviços aos turistas.

O maior desafio não foi tanto a redução no número de visitantes, que despencou para 60 mil ao ano, mas sim a sobrecarga imposta aos servidores. “Em vez de cuidar da gestão ambiental da unidade de conservação, havia técnicos conduzindo ônibus e se ocupando de atividades turísticas”, comenta Andreguetto. Diante do impasse, o governo do Paraná decidiu conceder, em 2020, uma área de 111 hectares – de um total superior a 3 mil – à empresa Soul Parques, que assumiu a gestão dessas atividades com o compromisso de investir 15 milhões de reais em infraestrutura e repassar 15,2% da receita obtida com bilheteria e novos serviços. Assim, os servidores ambientais puderam dedicar-se a tarefas compatíveis com suas funções, como implementar o plano de manejo e monitorar as espécies existentes no parque.

Fonte: Instituto Semeia

Os turistas se beneficiaram com as novas atrações, como voo em balão estacionário, tirolesa sobre a abertura da Furna dos Lambaris e atividades de arvorismo em meio às araucárias. O centro de visitantes foi reformado e passou a contar com opções gastronômicas. A Soul Parques também obteve licença ambiental para restaurar o elevador da Furna dos Andorinhões, que permitia o acesso dos visitantes ao interior de uma caverna vertical de 50 metros de profundidade, mas está desativado há mais de 20 anos.

“Mesmo com as restrições da pandemia, conseguimos concluir essas melhorias e, no ano passado, registramos 80 mil visitantes, um aumento de 25% em relação ao início da concessão. Até 2030, devemos chegar a 150 mil visitantes por ano”, projeta Leonardo Ribas, gestor do Parque Vila Velha. “O mais importante é que tudo isso vem acompanhado de um sólido trabalho de preservação. Nossas câmeras de monitoramento já identificaram a presença de lobos-guará e sussuaranas, espécies ameaçadas de extinção que voltaram a circular pelo parque. Além disso, somos a primeira unidade de conservação do País a receber o selo ‘Aterro Zero’: todo resíduo produzido é reciclado ou reaproveitado.”

Andreguetto destaca ainda o impacto econômico na região. “Ponta Grossa tem uma economia baseada na indústria e agropecuária. Antes, os hotéis da cidade recebiam hóspedes apenas de segunda a sexta-feira. Agora, a taxa de ocupação supera 80% nos fins de semana. Houve ainda um expressivo aumento no número de restaurantes e agências de turismo.” Para Mariana Haddad, do Semeia, ampliar a visitação dos parques também é uma maneira de engajar os brasileiros na missão de preservar as unidades de conservação. “É aquele velho jargão que continua válido: a gente só cuida do que conhece.” •

Publicado na edição n° 1354 de CartaCapital, em 26 de março de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Potencial inexplorado’

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Last Update: 20/03/2025