No último domingo, 18, ocorreram as segundas eleições legislativas de Portugal em pouco mais de um ano, dando origem ao parlamento mais à direita desde a conquista da democracia. Embora não pareça que a repetição antecipada de eleições trará cenários estáveis de governabilidade à crise que, em novembro de 2023, tomou de assalto António Costa e seu governo, um dos poucos em que os socialistas ainda governavam com maioria absoluta. Desde então, Portugal entrou em uma espiral de instabilidade política que teve seu último episódio no domingo passado, com as eleições antecipadas desencadeadas pela controvérsia em torno do primeiro-ministro, Luís Montenegro, sobre sua decisão de manter ativa a empresa de sua família, a Spinumviva, após assumir o cargo em abril do ano passado.

O resultado das eleições aprofunda as tendências que já eram evidentes há um ano, quando os socialistas perderam o poder para a Aliança Democrática (AD), de direita conservadora. Apesar das eleições antecipadas e do escândalo que afetou Montenegro, a AD melhora seus resultados às custas do Partido Socialista, que pode perder o segundo lugar em número de assentos e a liderança da oposição à extrema direita, após a contagem do voto externo. A esquerda está caindo para quase nenhuma representação, enquanto a extrema direita de Chega, apesar de suas muitas controvérsias, emerge como a grande beneficiária da crescente crise de legitimidade do sistema político português.

De fato, pode-se dizer que, mais uma vez, o grande vencedor das eleições antecipadas foi André Ventura, líder do partido de extrema direita Chega, que obteve 22,56% dos votos, tornando-se a terceira força política e alcançando seus melhores resultados desde que entrou no Parlamento em 2019, quando mal conseguiu 1,3%. E pode melhorar ainda mais depois que o voto externo for contado: se a tendência das eleições do ano passado continuar, ele se tornaria a segunda força parlamentar e Ventura o líder da oposição, como ele mesmo proclamou na noite da eleição. Uma ascensão meteórica para um partido de extrema-direita que, desde a Revolução dos Cravos de 1974 – que pôs fim à ditadura militar de António de Oliveira Salazar -, quase não esteve presente na vida pública portuguesa. Uma situação que, sem dúvida, mudará a partir de agora: o Chega está em condições de desempenhar um papel mais do que relevante nos próximos anos.

No início da década de 1970, a maioria dos europeus achava que o renascimento das organizações de extrema direita viria dos remanescentes das ditaduras mediterrâneas (Portugal, Grécia e Espanha). O tempo provou o contrário. Exceto no caso específico da Grécia, tanto em Portugal quanto na Espanha, as opções partidárias de extrema direita tiveram até agora alguns dos piores resultados no continente. Foi somente em 2019 que, em ambos os países, a extrema direita ganhou representação autônoma em seus respectivos parlamentos. O reacionarismo internacional que está sacudindo metade do mundo, especialmente a Europa, finalmente chegou à península Ibérica com alguns anos de atraso em relação a seus pares continentais.

O Chega foi fundado em 2019 sob a liderança de André Ventura, um político ultraconservador que ficou conhecido como comentarista esportivo na televisão. Um projeto personalista, cuja base ideológica combina referências religiosas com posições políticas extremas: Ventura chegou a afirmar que Deus lhe confiou a missão de transformar Portugal. “Acredito que Deus me colocou neste lugar, neste momento1”. Ele alcançou notoriedade política como candidato do Partido Social Democrata (PSD) à Câmara Municipal de Loures (subúrbios de Lisboa), onde concentrou sua campanha nos ataques xenófobos e na estigmatização da comunidade cigana da cidade.

Assim como seu homólogo espanhol Vox, o Chega nasceu como uma cisão da direita tradicional – nesse caso, do PSD. Seu nome vem do movimento interno que Ventura liderou dentro do partido, em oposição ao seu então líder, Rui Rio, a quem acusava de ser moderado (“Chega de Rui Rio”). Seu sucesso, o mais vertiginoso da história democrática portuguesa, consolidou-se como uma expressão local da onda reacionária global, sustentada por propostas e declarações abertamente racistas e controversas (como a castração química para agressores sexuais, o confinamento específico da população cigana durante a pandemia, ataques aos beneficiários da previdência social e discursos anti-imigração, antifeministas e anti-LGBTQIA+, bem como a disseminação de teorias da conspiração, como a “grande substituição”).

Um dos pilares centrais de seu discurso é a luta contra a corrupção. O programa de Chega contempla uma bateria de propostas que incluem a criminalização do enriquecimento ilícito, reformas no sistema de apreensão e confisco de bens derivados de crimes econômicos e financeiros e modificações para agilizar a justiça. Seu slogan de campanha em 2024 – “Limpar Portugal” – não deixou margem para dúvidas, com cartazes apontando os políticos socialistas como o inimigo a ser erradicado. A sucessão de escândalos de corrupção, desde o que envolveu o ex-presidente José Sócrates até o que levou à queda de António Costa, alimentou o voto de protesto que impulsionou a ascensão de Chega.

Apesar das constantes disputas internas – típicas de um partido de um homem só, com pouca estrutura, fraca implantação territorial e frequentes escândalos entre seus líderes (de roubos em aeroportos e condução sob efeito de álcool, a casos de abuso sexual de menores) -, seu discurso radical conseguiu resistir ao desgaste. A guinada trumpista de Ventura, intensificando seus ataques à migração, especialmente da Índia e do Paquistão, e defendendo deportações em massa, permitiu que ele redirecionasse a indignação popular para baixo, protegendo assim sua marca eleitoral de sucessivos escândalos.

Na realidade, o combustível eleitoral de Chega é o profundo mal-estar de um cidadão abatido pela perda do poder de compra, pela alta dos preços – especialmente dos alimentos – e por uma crise imobiliária galopante. É uma expressão política de protesto contra as promessas não cumpridas de sucessivos governos, especialmente desde a crise de 2008, e a deterioração progressiva do já precário estado de bem-estar social português. Pela primeira vez, nessas eleições, a combinação de centro-esquerda e centro-direita não alcançou dois terços do Parlamento. Esse é mais um reflexo da erosão da democracia portuguesa nascida dos cravos.

Nesse contexto, Chega intensificou seu ataque à “classe política parasitária” que – de acordo com Ventura – governa o país há meio século, “enriquecendo-se enquanto empobrece o povo, que não consegue mais pagar eletricidade, gás, combustível ou moradia”. Assim, o ultra-líder transformou o slogan anticorrupção “Limpar Portugal” em “Salvar Portugal”, com ressonâncias tanto trumpistas quanto salazaristas, apelando aos temores de uma classe média empobrecida. Ventura se apresenta como o porta-voz desse “Portugal de baixo” que não consegue mais pagar as contas.

Ainda não está claro se Luís Montenegro manterá sua promessa de não fazer um pacto com Chega ou se finalmente seguirá o caminho de seu colega espanhol (PP) e fará acordos com a extrema direita em troca de estabilidade. O que parece não haver dúvidas é que o Chega, quer entre ou não no governo, condicionará grande parte da agenda pública portuguesa nos próximos tempos.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 20/05/2025