O PIB de 2024 fechou com um crescimento vigoroso de 3,4%, segundo o IBGE. O desempenho foi especialmente positivo em função de alguns fundamentos por trás desse número, como o crescimento de 7,3% no investimento e de 4,8% no consumo das famílias.

Uma comparação internacional organizada pelo Ministério da Fazenda colocou o país em quarto lugar dentre os países do G20 que mais cresceram no ano passado, atrás apenas da Índia (6,7%), Indonésia (5%) e China (5%).

A saudosa Maria da Conceição Tavares imortalizou o dito de que “o povo não come PIB”, mas essa é apenas uma frase de efeito. Genial, mas imprecisa. Tinha mais sentido no tempo em que foi pronunciada, quando o Brasil emergia de um longo período autoritário, durante os quais experimentamos anos de forte crescimento econômico associados ao declínio dos salários, e do avanço da pobreza e da desnutrição infantil. Era um tempo em que não havia os grandes programas sociais que foram implementados após a redemocratização, especialmente a partir da eleição de Lula em 2002.

Hoje o povo come PIB, sim. Não todo, mas uma parte expressiva, como se podem constatar pelo aumento na massa salarial, na renda média real, nos números do consumo e na diminuição do desemprego.

Além disso, o crescimento do PIB gerou mais receita para o governo, o que por sua vez permitiu um crescimento vigoroso nas despesas com saúde, educação e assistência social.

Outro ponto muito positivo nos relatórios sobre o PIB foi a recuperação da produção industrial brasileira, especialmente o setor de transformação, ou seja, aquele que mais propriamente chamamos de “manufatureiro”, e que exclui a chamada indústria extrativa, muito inflada no Brasil por causa da nossa riqueza em minérios.

Esses números me parecem tão ou mais importantes, para a análise política, do que números de pesquisa de aprovação, porque eles nos permitem olhar a floresta, e não a árvore. Se o país estivesse num processo de forte crise econômica, aumento no desemprego e desindustrialização, a interpretação sobre uma queda nas pesquisas, seria inteiramente distinta. Como não é isso que vem ocorrendo, mas exatamente o oposto, temos que abordar a conjuntura por outro ângulo.

Em certo sentido, a tirada da professora Conceição também vale para essa situação, porque é um fato que a melhora no emprego e na economia em geral não elimina os problemas de segurança pública e mobilidade urbana. Muitas vezes, agrava-os. O cidadão que obtém um emprego formal muitas vezes precisa fazer um deslocamento diário que antes não fazia, e por isso irá experimentar problemas de mobilidade que antes não tinha. A mesma coisa vale para a sensação de segurança. O cidadão que não possui nada tem menos preocupação com segurança do que aquele que melhora de condição e consege adquirir um celular novo, por exemplo.

Aliás, por essas mesmas razões é tão comum, apesar de contra-intuitivo, que se note aumento da insatisfação em momentos de bonança. O cidadão, menos pressionado por aquele desespero primevo de não ter como se alimentar ou sustentar a família, terá mais condições psicológicas de prestar atenção a outros problemas da cidade e do país.

De qualquer forma, o crescimento econômico registrado em 2024 tem um valor político infinitamente superior a uma pesquisa de aprovação, ainda mais considerando que o presidente Lula ainda mantém, mesmo tendo perdido alguns pontos, aprovação pessoal igual ou superior a 40% em quase todas as sondagens. Refiro-me, naturalmente, as pesquisas que oferecem pontuação binária de aprovação versus rejeição, e não àquelas que dividem a avaliação em três grandes tipos ótimo/bom, regular e ruim/péssimo. A grosso modo, a nota de regular tende a se converter metade em aprovação e metade em rejeição.

Uma economia em recuperação, quando associada ao emprego e oferta crescente de programas sociais, cria um ambiente de estabilidade política que torna muito mais fácil, para  o governo, construir uma campanha de recuperação da confiança popular. Isso é óbvio.

Além disso, agora já está mais claro, por exemplo, que a inflação dos alimentos não é um problema estrutural. Não está havendo nada de excepcional nessa esfera, e tudo indica – embora isso seja o tipo de coisa que a gente só poderá cravar quando se materializar – que este índice deverá ceder ao longo de 2025, especialmente no segundo semestre, quando a nova supersafra de grãos entrar no mercado.

A estabilização do câmbio também me parece um fator a ser levado em conta nos prognósticos para inflação. Eu sempre defendi, por aqui, um ponto básico: um país com a capacidade de exportar quase US$ 350 bilhões em 12 meses dificilmente terá problema de “desvalorização” cambial por muito tempo. Somos vulneráveis à especulação cambial, isso sim, até por nossa instabilidade política. Mas elas tendem a durar pouco. Não estamos mais nos anos 90, quando nossa exportação era ridícula. Os ataques especulativos vistos no segundo semestre de 2024 serviram pelo menos para gerar anticorpos: será mais difícil, ao menos durante o resto do mandato do presidente Lula, que isso volte a acontecer.

Enfim, o governo Lula continua firme, e favorito para a reeleição em 2026, como inclusive mostram pesquisas. Mas não será fácil, naturalmente, até porque a população ficará, a cada dia, mais exigente. Não é esse, afinal, o grande trunfo do regime democrático?

Alguns analistas lembram que o governo Biden também registrou bons números econômicos, mas isso não foi suficiente para reelegê-lo. Ora, hoje me parece mais forte a hipótese de que o governo Biden foi devorado por sua obsessão por guerras. Uma administração que havia iniciado com grandes expectativas de transformação econômica terminou melancolicamente, associada a anúncios pomposos e frequentes, de que o governo estaria assinando um novo cheque multiblionário para novas guerras no exterior. Isso tirou completamente o brilho de Biden. O presidente Lula jamais terá esse problema. Muito pelo contrário. O desdobramento dos problemas internacionais tendem a dar razão a Lula, pois agora está mais claro para todos que a guerra na Ucrânia precisa ser encerrada através de ações diplomáticas, e que a tragédia em curso na Palestina é um genocídio abominável.

Abaixo, alguns gráficos que considero interessante para o internauta ter uma ideia melhor do que aconteceu na economia brasileira em 2024.

Chamo atenção para alguntos pontos.

O avanço da indústria brasileira de transformação tem sido impressionante. Ela foi a grande responsável pelo desempenho do PIB no ano passado.

O investimento também chamado pomposamente de Formação Bruta de Capital Fixo, e que corresponde ao investimento de empresas na construção de novas instalações industriais, aquisição de máquinas e equipamentos, além da contratação do pessoal necessário para geri-los, experimentou um crescimento extremamente forte em 2024. A construção civil, sempre um termômetro importante para o nível de atividade econômica, também vem crescendo com força nos últimos meses.

As exportações da indústria de transformação, por sua vez, alcançaram, nos últimos 12 meses, até fevereiro, o segundo maior resltado da história, na verdade particamente repetindo o recorde histórico registrado nos 12 meses até fevereiro de 2023.

Enfim, quem precisa estar bem é a população, não o governo. Se a economia vai bem, tudo ficará mais fácil, desde que o governo também faça a sua parte, de oferecer mais infra-estrutura e logística, para que este crescimento possa prosseguir e melhorar em qualidade.

  

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Last Update: 11/03/2025