Por que os economistas “do mercado” mentem? 

por Daniel Negreiros Conceição*

Para a elite rentista, que ganha dinheiro com operações financeiras, estabilidade econômica e desenvolvimento com inclusão não são objetivos — são ameaças. Sabotar o desenvolvimento nacional soberano é uma estratégia coerente com os interesses de quem lucra com a manutenção artificial da escassez. É ingenuidade acreditar que os Faria Limers estejam genuinamente interessados em contribuir para o crescimento econômico sob a lógica de que “quando o bolo cresce, todos podem comer mais”. Para quem está interessado apenas em manter — ou ampliar — a própria “fatia de bolo” através do parasitismo rentista, sabotar o desenvolvimento nacional soberano acaba sendo uma estratégia muito mais coerente. 

Quando a economia vai mal, famílias e empresas recorrem mais desesperadamente ao crédito, garantindo que os bancos lucrem com seus endividamentos. Ao mesmo tempo, a estabilização de preços estratégicos e a redução da volatilidade financeira trazidos pela boa gestão macroeconômica minam os rendimentos dos especuladores. A redução no valor do prêmio da liquidez incentivaria aplicações de mais longo prazo — como o investimento produtivo —, mas a redução da volatilidade financeira minaria os ganhos dos especuladores profissionais, suspeita e estranhamente quase sempre capazes de “prever o futuro” e ganhar dinheiro comprando ativos “na baixa” e vendendo “na alta”. 

Como todo bom parasita, a elite rentista não quer “matar” seu hospedeiro. Uma economia saudavelmente em expansão é inconveniente porque se torna forte o bastante para combater a infecção rentista. Mas uma economia completamente moribunda tampouco serve ao rentismo, pois não resta nela renda nem riqueza suficiente de onde o rentismo possa extrair seus rendimentos vampiros. Para os rentistas, o equilíbrio ideal é a estagnação lucrativa: uma economia fraca demais para reagir, mas ainda viva o suficiente para ser explorada. 

Tarcísio não é um moderado. Sua participação nos atos golpistas e sua defesa da anistia aos criminosos do 8 de janeiro evidenciam seu descompromisso com a democracia. Ainda assim, ele é o novo rosto escolhido pelo rentismo para dar continuidade ao seu caro projeto ultraliberal, antes conduzido por Temer/Meirelles e Bolsonaro/Guedes. 

E assim como os anteriores, Tarcísio depende do fracasso de um governo petista para vencer. Com fala mansa e imagem de bom gestor, herdará o apoio integral do sistema financeiro, de seus lacaios na grande mídia e das viúvas do bolsonarismo. Mas somente esses apoios não serão suficientes para derrotar um sucessor do governo petista, se este for capaz de entregar ao povo brasileiro a reconstrução do país prometida na campanha de 2022. Assim, para eliminar de vez o risco de retorno do fascismo ultraliberal em 2026, ou em 2030 sem Lula, oferecemos as seguintes sugestões ao presidente. 

(1) Primeira sugestão: Pare de tentar agradar o mercado financeiro e, principalmente, pare de seguir seus conselhos. 

Erro semelhante foi cometido por Dilma Rousseff em novembro de 2014, quando confiou a Joaquim Levy a missão de implementar uma agenda de austeridade fiscal tão ou até mais radical do que a proposta por seu adversário Aécio Neves. Foi uma tentativa desesperada de conquistar algum apoio — ou, ao menos, de neutralizar parte dos ataques — da elite rentista e de seus aliados na grande mídia.

O resultado foi desastroso. Uma crise recessiva já em curso, provocada pelo desaquecimento da economia global e pela queda das exportações brasileiras, acabou brutalmente agravada pelo mega-ajuste fiscal de Levy. O governo não só não conquistou o apoio do mercado e da mídia — que seguiram culpando, de forma mentirosa, a “gastança” dos governos petistas pela crise —, como ainda perdeu o que lhe restava de apoio popular. Tornou-se, assim, presa fácil para a orquestração golpista conduzida por Eduardo Cunha no Congresso. 

(2) Segunda sugestão: Não tenha tanto medo do mercado financeiro. Ele já faz quase tudo o que pode para desestabilizar o seu governo. Enfrente suas mentiras! 

Esta lição já deveria ter sido aprendida! Porém, “antes tarde do que nunca”. Qualquer governo minimamente comprometido com a promoção do desenvolvimento econômico soberano será tratado como inimigo pelo rentismo e todos os seus aliados e lacaios midiáticos. Não se trata de maldade ou imoralidade. Como explicamos acima, a saúde macroeconômica que melhora a vida da população não é conveniente aos interesses do rentismo. 

Assim, é perda de tempo e recursos buscar alianças com a elite rentista e seus porta-vozes na grande imprensa. Não importa o quanto um governo “progressista” corte os gastos públicos primários, o quanto asfixie o serviço público com o subfinanciamento, ou o quanto autossabote a capacidade de um Estado soberano promover o crescimento econômico inflacionariamente sustentável. O mercado e seus porta-vozes sempre acharão um jeito de acusar o governo “progressistas” de “fiscalmente irresponsável”. Sempre afirmarão que a falência financeira do governo é iminente, que a sua agenda de “gastança pública” quebrou, está quebrando ou quebrará o Brasil. Então, ignore-os. Melhor ainda, denuncie suas mentiras e os motivos pelos quais são mentirosos. O povo brasileiro precisa aprender quem são seus verdadeiros inimigos. A verdade sempre será a arma mais poderosa de quem está ao lado do povo. 

A principal mentira usada como arma para manter o governo refém dos representantes do mercado financeiro é o mito de que o “Estado vai quebrar”. É uma mentira convincente porque é apoiada na falsa, mas popular, analogia entre o Estado soberano e um agente usuário de moeda (como a “dona de casa”, ou a empresa bem administrada). Não, as lições de Dona Lindu não podem ser aplicadas ao governo federal. O motivo é simples. Para Dona Lindu, as receitas precisavam necessariamente ser recebidas ANTES dos gastos. Gastar demais poderia significar o esgotamento de todas as suas fontes de financiamento: carteira vazia, conta no banco zerada, e nenhum acesso a empréstimos. Mas isso é o contrário do que ocorre para Estados monetariamente soberanos. 

É simplesmente impossível que o Estado receba impostos da população ou que tome empréstimos em reais de agentes privados ANTES de ter realizado algum pagamento. Afinal, veja que coisa óbvia é inaceitavelmente ignorada pelos economistas respeitados pelo mercado financeiro e pela mídia: somente o Estado pode criar o dinheiro com que contribuintes pagam impostos e/ou com que agentes privados compram títulos públicos. E a forma de criar esse dinheiro (moeda estatal ou base monetária) é através da realização de pagamentos estatais: sejam compras de bem e serviços feitas pelo Tesouro Nacional ou de ativos financeiros pelo Banco Central. 

Caso os economistas de mercado insistam na mentira, chamando desesperadamente de “terraplanismo” a nossa descrição da REALIDADE FACTUAL E SEMANTICAMENTE INQUESTIONÁVEL, desafie-os a explicarem como é possível que, na ausência de falsificadores de dinheiro, o governo receba dinheiro de agentes privados sem que antes tenha feito algum tipo de pagamento criador de moeda. Sim, TODOS os pagamentos que o governo brasileiro faz são, POR DEFINIÇÃO, criadores de moeda. Se os economistas de mercado têm problemas com essa afirmação, que reclamem com nossas convenções para a contabilização de agregados monetários. 

Mas temos muito mais argumentos para desmontar as mentiras dos economistas de mercado. Por exemplo, exija que expliquem de onde veio o dinheiro com que combatemos a pandemia da COVID-19. Se eles negam que o governo cria dinheiro sempre que faz pagamentos, não conseguirão explicar como o governo brasileiro financiou um déficit primário quase trilionário ao mesmo tempo em que TODOS os agentes privados brasileiros estavam desesperadamente ameaçados de esgotamento financeiro: famílias precisaram de auxílios emergenciais, empresas precisaram de ajuda para pagar até mesmo os salários de seus funcionários, e bancos recorreram ao Estado para não quebrarem. Se todos os agentes privados brasileiros estavam gravemente empobrecidos pela pandemia, É ÓBVIO que o financiamento do MAIOR DÉFICT PRIMÁRIO da nossa história não pode ter vindo do dinheiro disponível em carteiras privadas. 

Pois os gastos excepcionalmente elevados durante a pandemia foram possíveis sem nenhuma alteração nos mecanismos de financiamento do governo brasileiro. Nenhum imposto novo foi criado, nenhum instrumento de captação financeira foi inventado, nenhuma operação extraordinária foi necessária. Os gastos do governo brasileiro durante a pandemia foram pagos exatamente como sempre: através da criação de dinheiro pelo Estado. Somente DEPOIS que o dinheiro foi criado e integrado a carteiras privadas é que pode ser trocado por títulos públicos, dando a FALSA impressão de que o governo se financiou com empréstimos do setor privado. Ou seja, a moeda criada pelos gastos deficitários desapareceu porque “se transformou” em títulos públicos. 

Quando compreendemos que não há nada de excepcional na criação de moeda pelo Estado, os gastos com a pandemia se tornam extremamente fáceis de explicar. A única diferença entre os gastos criadores de moeda antes da pandemia (sob o teto de Temer) e hoje (sob o teto de Haddad), é o seu tamanho. Como durante a pandemia deixaram de valer as estúpidas regras que restringem nossos gastos primários, os gastos puderam aumentar o quanto foi necessário para evitar o colapso da sociedade brasileira. Hoje, como sob o teto de Temer, não podem sequer acompanhar as necessidades mínimar da população brasileira. 

E sabe quem muito provavelmente entende o que eu acabei de explicar? Os economistas do mercado financeiro mais competentes intelectualmente. Enquanto fanáticos austericidas defendiam que a solução para a crise pandêmica exigia redobrar os esforços de cortes de gastos através de uma reforma administrativa destruidora do Estado brasileiro, os mais pragmáticos avisavam: “Não é hora de basear nossas políticas em nossas mentiras!” Afinal, antes a austeridade era conveniente para os seus interesses e de seus patrões, ainda que produzissem sofrimento (pobreza e desemprego) para a maioria trabalhadora. Na pandemia, no entanto, o risco de colapso civilizacional seria inaceitável para todos: rentistas e trabalhadores. Foi então que economistas famosos como Armínio Fraga e Henrique Meirelles admitiram apenas excepcionalmente que o governo podia sim “imprimir” moeda para pagar pelo combate à pandemia. Até o Ministro Paulo Guedes, maior defensor da tese de que o dinheiro do governo brasileiro havia acabado, esqueceu-se da agenda de austeridade para anunciar pacotes fiscais expansionistas cada vez mais generosos para lidar com a crise – sem sequer ser perguntado por jornalistas até então preocupadíssimos com a falência do Estado brasileiro sobre a fonte de financiamento para tais gastos.

Naturalmente, os “intervencionistas de pandemia” precisavam preparar uma desculpa para retomar o discurso mentiroso quando a crise pandêmica estivesse superada. Então disseram, num exercício impressionante de ginástica retórica: “Vejam. Pode-se criar moeda para combater a crise pandêmica apenas porque a situação é excepcional. Não há risco inflacionário e os juros estão especialmente baixos…”. Porém, vejam o absurdo desse argumento. Claro que havia risco inflacionário. Era até maior do que antes. Sim, a crise pandêmica havia derrubado gastos privados, mas havia criado diversas dificuldades para que a recuperação da demanda ocasionada pelos gastos públicos fosse acompanhada de aumento na oferta. Produzir se tornou mais difícil e mais caro, mercados se tornaram mais concentrados. Tudo isso tornou a oferta de bens e serviços muito menos preço elástica do que antes. Se antes da pandemia os economistas de mercado se opunham ao expansionismo fiscal para recuperar e manter a demanda agregada no nível compatível com o pleno emprego, durante a pandemia essa oposição deveria ter sido ainda mais forte. Não foi, provavelmente porque a oposição nunca foi sincera.  

Finalmente, aceite de uma vez por todas: Haddad e seus seguidores nunca serão enxergados como gestores macroeconômicos confiáveis pelos agentes do mercado financeiro. E se fossem não deveriam ser confiáveis para um governo comprometido com o crescimento econômico inflacionariamente sustentável. Mesmo que hoje o Ministro da Fazenda e sua equipe recebam elogios (contidos) de alguns representantes do rentismo por seus esforços austeros, tais elogios servem apenas para criar no governo a falsa esperança de que o caminho da austeridade fiscal poderá levar ao apoio do grande capital para um sucessor moderado de Lula, como Fernando Haddad. Não sejamos bobos. Quando o rentismo bate palmas para o austericídio de Haddad, como se o Ministro fosse o melhor aluno progressista dos ensinamentos ultraliberais dos grandes sabotadores econômicos da história, como Reagan e Thatcher, estão apenas garantindo que Lula siga abraçado à autossabotagem austericida até que possa ser vencido eleitoralmente. Um governo autossabotador, incapaz de satisfazer expectativas populares, será sempre muito mais fácil de derrotar (ou derrubar). 

(3) Terceira sugestão: nunca nomeie para cargos de gestão macroeconômica economistas que possuam qualquer ligação com o mercado financeiro

Esta sugestão segue dos argumentos acima. Não faz sentido chamar “lobos famintos” para cuidarem do seu “galinheiro. Uma das coisas mais estúpidas que se pode fazer é perguntar a um porta-voz do mercado financeiro o que o governo deve fazer para o bem da população. Não é que sejam incompetentes ou burros. É justamente porque são muito competentes que os economistas a serviço do rentismo oferecerão péssimos conselhos ao governo. Afinal, os interesses de seus patrões dependem disso. 

Assim, poucas coisas são tão inacreditavelmente estúpidas quanto permitir que persista a completa dominação dos espaços de decisão sobre política monetária por economistas alinhados ao mercado financeiro. Mesmo com toda a disfuncional autonomia dada ao Banco Central, o poder executivo ainda tem oportunidade de escolher seus gestores durante o mandato presidencial. Quando os diretores e presidente do Banco Central são, sem exceção, economistas que trabalharam e/ou trabalharão em empresas vendedoras de serviços financeiros, perde-se completamente o controle da principal arma para o enfrentamento da sabotagem rentista contra o governo. Seria como se, em plena Segunda Guerra, os EUA tivessem dado aos nazistas o controle de suas bombas nucleares. 

Por exemplo, o que deve fazer a autoridade monetária para impedir que os grandes operadores financeiros se organizem para confirmar suas previsões pessimistas de que a “gastança” do governo elevará, inevitavelmente, a taxa de juros? Basta mostrar sua força PROVANDO, sem qualquer sombra de dúvidas, que discursos alarmistas e movimentos especulativos organizados de venda em manada de títulos públicos SERÃO SEMPRE INCAPAZES de mover a taxa de juros administrada pelo Banco Central. 

Para isso, basta que o Banco Central mantenha estável a taxa referencial sob o seu controle (a Selic). Como a oferta de operações pagadoras da taxa Selic (operações compromissadas com títulos públicos) é infinitamente juro-elástica graças à atuação do Banco Central, pouco importa que os portadores de títulos públicos coloquem à venda TODOS os seus títulos remunerados acima da Selic. Simplesmente, não conseguirão do Estado uma taxa de juros maior que a Selic, por mais que os preços de títulos públicos caiam no mercado secundário. Tal situação seria como se o Bacen dissesse “Tudo bem! Se vocês não querem mais receber juros acima da taxa Selic, troquem todos os seus títulos por aplicações com remunerações indexadas à taxa Selic. Estou aqui para satisfazer suas vontades, por mais estranhas e autodestrutivas que elas sejam.” 

E por que isso não criaria uma crise deflacionária duradoura no mercado secundário de títulos públicos? Porque quanto menor fosse a demanda por títulos remunerados acima da Selic (i.e. quanto maior fosse o juro oferecido a quem se dispusesse a comprar títulos desatrelados da taxa Selic), maior seria o incentivo para que gestores financeiros competentes desfizessem suas aplicações remuneradas pela Selic em nome das remunerações cada vez maiores oferecidas aos compradores dos demais títulos públicos. Deixar de comprar aplicações remuneradas por taxas muito maiores do que a Selic, emitidas pelo mesmíssimo devedor (o Estado brasileiro), significaria perder cada vez mais dinheiro! E os rentistas podem até odiar governos progressistas, como os de Lula, mas odeiam muito mais perder dinheiro. 

Infelizmente, hoje o Bacen controlado por “lobos famintos” faz o exato contrário da política ideal de combate a ataques contra os preços de títulos públicos (que fazem “empinar” a “tal” curva de juros, o que os economistas de mercado adoram apontar como evidência de problemas fiscais). Ao invés de manter estável a taxa Selic quando as demais taxas de juros estão subindo, para que a Selic funcione como atratora para as demais taxas, o Bacen aumenta a taxa Selic quando as demais taxas estão subindo. O que é pior, o Bacen pergunta, semanalmente, que taxa de juros referencial os representantes financeiros “gostariam” que fosse praticada pela autoridade monetária. Imaginem, se ao invés de avaliar criteriosamente a prova, um professor perguntasse e desse a um aluno desonesto a nota que ele gostaria de obter. É o que faz o Bacen. 

O que é ainda pior, sempre que eleva a taxa de juros referencial porque assim foi aconselhado pelo mercado financeiro, o Bacen acaba confirmando o discurso mentiroso de que a taxa de juros subiu PORQUE a situação fiscal do governo brasileiro se agravou. Imagine um planeta gigantesco atraindo pra si todos os cometas e asteroides próximos. É óbvio que o planeta de massa maior é que está atraindo para si os corpos celestes menores. No entanto, se fôssemos capazes de mover o planeta de massa maior até onde se encontram os corpos menores (por exemplo, através de um inconcebível foguete), faríamos PARECER que os corpos pequenos é que puxam pra si o planeta gigantesco. 

E a taxa de câmbio? Será que um Bacen descomprometido com o mercado financeiro poderia evitar que vendas coordenadas pressionassem indesejavelmente o preço de moedas estrangeiras? Sim! Com tanta eficácia quanto poderia estabilizar a curva de juros. Bastaria oferecer aos especuladores em moeda estrangeira aplicações mais do que pagadoras da desvalorização cambial. Ou seja, o Bacen anunciaria “Se você está comprando dólares para lucrar com a valorização da moeda estrangeira, eu tenho uma proposta ainda mais interessante. Compre meus “dólares brasileiros” (ou swaps cambiais anabolizados) para receber ainda mais do que você receberia numa aplicação em dólares.” Naturalmente, tal operação só seria disponibilizada para compradores de dólares que já estivessem prontos para comprar dólares especulativamente, não sendo disponíveis para quem desejasse se proteger do risco cambial para contrair NOVAS dívidas em dólares. 

Assim, o economista ideal para o governo não é aquele que ficou rico especulando, ou que é reconhecido como um grande operador do mercado financeiro. Mesmo que fosse verdadeira a hipótese de que o sucesso financeiro de um economista fosse indício de sua competência, o risco de incorporar um sabotador ao governo é grande demais. Economistas de governo devem pensar soluções para o bem comum. Idealmente, seus interesses financeiros devem estar completamente descolados das consequências de suas decisões de política econômica, exceto pelo fato de que a manutenção de seus empregos dependerá do resultado funcional (para a população) de suas escolhas. Quando o “mau desempenho” de um gestor macroeconômico piora a vida do povo, mas é recompensado pela oferta de cargos muitíssimo bem remunerados do mercado financeiro, temos um grande problema! Assim, é fundamental não apenas que os economistas de governo não venham do mercado financeiro, mas, principalmente, que sejam proibidos de ingressar no mercado financeiro depois de deixarem seus cargos. 

(4) Quarta sugestão: implemente um plano funcional de crescimento com estabilidade. 

O governo brasileiro JÁ se financia através da criação de moeda. O que lhe impede de gastar mais em nome do crescimento inflacionariamente sustentável são as restrições legais, nunca a falta de dinheiro. Assim, superadas as restrições legais, o poder de se autofinanciar através da criação de moeda permite ao seu governo não apenas satisfazer demandas populares, mas blindar a economia contra ataques do mercado financeiro. 

(1) Um programa habitacional com cartas de crédito imobiliário garantidas pelo governo federal para os compradores em fila de espera, com óbvio efeito desinflacionário sobre preços de habitações e aluguéis. 

(2) Passe livre nacional com apoio federal a prefeituras. Novamente, o efeito desinflacionário desta política mais do que compensaria qualquer disrupção que o mercado financeiro tentasse impor à economia brasileira. Imediatamente, trabalhadores de todo o país deixariam de arcar com os custos de transporte para o local de trabalho, gerando imediato aumento em suas rendas reais disponíveis e aliviando pressões inflacionárias geradas por pedidos de reajustes salariais.  

(3) Estímulo agressivo à agricultura familiar, e reativação plena das políticas de estoques reguladores. Mais uma vez, nada que o mercado financeiro fizesse em retaliação poderia desfazer o impacto desinflacionário sobre os preços de alimentos. 

(4) Nova política de preços da Petrobras: custo médio + mark-up. Já está mais do que na hora de o governo aproveitar a capacidade de sua maior empresa de oferecer combustíveis a preços menores do que praticados internacionalmente em benefício da população, e não de pouquíssimos acionistas recebedores de dividendos da Petrobrás. 

(5) Como dissemos, o uso muito mais agressivo de swaps cambiais tornaria inviavelmente custosa a especulação contra o real.

(6) Finalmente, a utilização competente do juro referencial como atrator dos demais juros da economia, respeitando sempre o nível compatível com estabilidade cambial (juros em países com moedas internacionalmente mais líquidas + a medida de risco cambial específica para o Brasil); 

(7) Além disso, abrace causas justas e populares como o fim da escala 6×1 como medida de dignidade laboral. 

Essas ações, além de populares, são desinflacionárias e estabilizadoras. Reduzem o espaço de sabotagem do mercado e aumentam a chance de reeleição de governos progressistas, sem ceder ao terror fiscalista. 

Presidente Lula, governe como se fosse a última chance de impedir o retorno do fascismo — porque talvez seja. Que seu mandato não seja o tempo da conciliação impossível, mas o da luta inevitável. Derrote o mercado. E reconquiste o Brasil.

*Daniel Negreiros Conceição é professor de economia política, macroeconomia e economia do setor público na UFRJ 

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Last Update: 17/05/2025