
Romeu Zema entende que, dependendo do ponto de vista, houve ou não ditadura no Brasil. Dedicado ao projeto de ser o novo Bolsonaro, o mineiro reativa a falsa dúvida do fascismo e assim passa a sua convicção: não houve ditadura no Brasil.
Zema requenta o dilema cretino sobre o que possa ter acontecido depois de 64, enquanto certos humoristas, principalmente os de palco, à esquerda e à direita, passam a certeza de que podem fazer piadas com negros, gays, autistas. Ambos são das mesmas turmas.
É a arte e seus relativismos, que acabam oferecendo munição à tese da ditadura relativa de Zema. Por isso o humorismo de palco e de vídeos se revolta com o que aconteceu agora com a condenação do piadista Léo Lins por suas falas preconceituosas e criminosas.
O humorista defendido com ardor por colegas e celebridades, em nome da liberdade absoluta de expressão e criação, é um caso exemplar do lixo espalhado pelos palcos do Brasil como stand-up. São palhaços de tempos sombrios fazendo piadas velhas sobre pessoas cercadas pelo bolsonarismo.
Stand-up é um sujeito em pé repetindo bobagens para um público que se contenta até com as carências do humor político. E se consola com a incapacidade de resgate do atrevimento que os artistas já tiveram no enfrentamento de poderosos.
Léo Lins foi condenado pela Justiça a oito anos de cadeia (não rende piada) por achar que pode ser engraçado e ganhar dinheiro debochando de portadores de HIV, pessoas com deficiências, nordestinos. Lins é do tempo da piada de índio.
Essa é a sua valentia. Não ouvi dizer que já tenha divertido suas plateias com piadas sobre, por exemplo, deputados da bala, da bíblia e dos bois. Lins faria piada sobre a fuga de Carla Zambelli?
Não tenho notícia de nenhuma piada do humorista sobre figuras da extrema direita brasileira. Seus personagens preferenciais são os alvos da eugenia bolsonarista. Lins é o Nikolas Ferreira do humor profissional.
É mais do que um artista preconceituoso. É o cara que amplifica as vozes de grupos dedicados a desqualificar os diferentes e as pessoas que tenham, sob o ponto de vista dos brancos de uma classe média ressentida, alguma deficiência.
Humor livre é o que passava a mão na bunda dos milicos e ainda enfia, pela bravura de alguns, o dedo na cara do bolsonarismo. É o humor gráfico que sobrevive aqui nas páginas da imprensa progressista, que Lins não frequentaria.
Espero que me informem do dia em que esse racista subiu ao palco, não para fazer piadas de pretos e das vítimas da tragédia da Boate Kiss, mas para debochar dos que o inspiram.
Esperemos que os discordantes de Lins reabilitem o humor nacional, para que o público órfão de novos humoristas valentes de palco e internet não tenha que assistir porcarias transfóbicas com o nome de stand-up. Eu já embarquei nessa fria.
Não falem, por favor, das exceções em meio ao covarde humor nacional, incapaz de levar para o palco até hoje algo que nos coloque, pelo escracho, dentro do que foi o fascismo de quatro anos de Bolsonaro e, agora, da tentativa de rearticulação dessa gente.
Claro que a condenação a oito anos de cadeia não faz sentido. Nem seus piores inimigos conseguiriam rir dessa desgraça. A sentença, que deverá ser revogada, pelo menos oferece pauta sobre a covardia de piadistas dos tempos bolsonaristas.
Eu trocaria por outra pena. Como reparação, os que pagam para vê-lo e patrocinam esse humor raso e precário deveriam ser condenados a custear, por PIX, a permanência de Carla Zambelli na Itália.
O autor do texto acima sobre Léo Lins foi condenado no ano passado, pela Justiça de primeira instância de Brusque, por ter escrito que o véio da Havan, defensor das liberdades, deveria inaugurar uma loja da sua rede com uma réplica grotesca da estátua da liberdade em Cabul. O texto foi considerado ofensivo e propagador de ódio. Por quê? Porque talvez o véio passasse a ser perseguido pelos talibãs. Então, vão parar com essa conversinha fiada de liberdade de expressão. Que no Brasil só vale para reaças e para a extrema direita.