O atentado contra Donald Trump causará, nas eleições dos EUA, o mesmo efeito que o atentado contra Bolsonaro causou em 2018 no Brasil?
Como é sabido, o ataque à faca ao então candidato provocou um momento de comoção em torno de Bolsonaro, que vinha sendo fortemente criticado pelos adversários. Além da cobertura diária em todo tipo de mídia, Bolsonaro ganhou um motivo legítimo para não ir aos debates, o que foi decisivo. Poucos dias antes da facada, seu desempenho no primeiro debate televisivo havia sido desastroso.
A situação dos EUA em 2024, contudo, é muito diferente, e pelo menos três elementos nos permitem traçar uma perspectiva diferente para o pleito estadunidense.
Primeiro, o tempo político. O atentado contra Bolsonaro ocorreu a menos de um mês da votação no primeiro turno. Em todo processo desse tipo, a tendência é que a comoção nacional se normalize com o tempo. Em se tratando de eleições, isso é decisivo, porque os adversários podem voltar à carga contra o candidato vítima do ataque. No Brasil, entretanto, restou pouco tempo para isso. Bolsonaro, inclusive, esperava ganhar a eleição no primeiro turno, mas o contra-ataque da campanha de Haddad fez com que ele perdesse alguns milhões de votos, garantindo o segundo turno — e abrindo margem para as primeiras acusações de fraude do sistema eleitoral por parte do bolsonarismo.
O ataque a Trump, por sua vez, ocorre mais de três meses antes do pleito. Ou seja, há tempo suficiente para a comoção inicial se dissipar. E Trump, com sua postura, deve ajudar nisso.
À época, Bolsonaro era um desconhecido de boa parte da população. Seu discurso de outsider tinha lastro em uma trajetória de parlamentar obscuro, que sempre falou o que quis. Sua narrativa vazia antissistema não era confrontada com contradições práticas, uma vez que ele era um candidato a presidente sem qualquer experiência administrativa.
Trump, por sua vez, é um ex-presidente derrotado em sua tentativa de reeleição. Rejeitado, portanto, pela maioria do eleitorado estadunidense. Embora seja um candidato competitivo e tenha chances reais de se tornar presidente, isso afasta a hipótese de uma comoção nacional que unifique o país em torno dele.
Trump, na verdade, sequer tentará qualquer movimento de unidade nacional. Imediatamente após o atentado, republicanos expressivos, inclusive alguns dos postulantes à vaga de vice de Trump, foram a público acusar os democratas de incitar o ataque. O trumpismo fará exatamente aquilo que fez nos últimos oito anos: atacar pessoas e instituições, prometer vingança e encorajar sua horda a reações mais violentas. Esse movimento dará a legitimidade necessária para que os democratas voltem a criticá-lo rapidamente, e deve diminuir sua margem de vitimização. Trump será mártir, mas provavelmente só para os seus.
O terceiro elemento está na diferença entre o polo que enfrenta Trump agora e o que enfrentou Bolsonaro em 2018. No Brasil, o antipetismo da direita abriu uma avenida para a extrema-direita. O golpe parlamentar contra Dilma e a prisão ilegal de Lula desorganizaram o sistema político brasileiro a ponto de atingir mais os partidos da direita tradicional do que a própria esquerda — que perdeu tamanho, mas sobreviveu e se recompôs.
Já Trump enfrenta um Partido Democrata comandando a máquina, e que já demonstrou capacidade de mobilização e reversão de cenários adversos — tanto na eleição de Biden, em 2020, quando na última eleição do Congresso, contrariando as pesquisas que previam uma derrota acachapante.
O nó dessa disputa está na dúvida se o Partido Democrata terá condições de substituir Biden como candidato à Presidência. O péssimo desempenho do atual presidente em debates e suas constantes gafes geraram dúvidas sobre sua capacidade de derrotar Trump — o que é crucial em uma eleição polarizada e com eventos radicalizados, como mostra esse atentado.
Se substituírem Biden, os democratas podem retomar o controle narrativa, criar um fato novo e enfrentar um Trump martirizado só para os seus. Se mantiverem Biden, Trump jogará sozinho rumo à vitória.