A cobertura jornalística da COP 30, marcada para novembro em Belém (PA), pode ser um caso emblemático de como grandes empresas com histórico de violações socioambientais tentam moldar o que é publicado na imprensa.
A Folha de S. Paulo montará o “Espaço Folha”, um centro de cobertura instalado a apenas 450 metros do Hangar, ponto principal da conferência. O projeto inclui uma redação dedicada com mais de uma dezena de profissionais, produção contínua de conteúdo e eventos paralelos. Tudo isso patrocinado por JBS, Vale e outras empresas.
O Grupo Globo, com O Globo, Valor Econômico e CBN, segue a mesma linha: seu projeto “COP30 Amazônia” também conta com patrocínio da JBS e Vale. No Pará, o jornal O Liberal não fica atrás. Sua cobertura da COP 30, amplamente destacada em seu site, é patrocinada pela Hydro, Agropalma e outras empresas do setor agro e energético, com apoio adicional da Vale.
O apoio destes patrocinadores é, no mínimo, controverso. A Vale foi recentemente apontada pelo Ministério Público Federal como responsável pela contaminação de rios utilizados pelo povo Xikrin, no Pará. A siderúrgica finlandesa Outokumpu chegou a cortar relações comerciais com a mineradora após denúncias sobre poluição do rio Cateté. A empresa também segue marcada pelos desastres que provocou em Mariana e Brumadinho, deixando 291 pessoas mortas soterradas pela lama de rejeitos de mineração.
A JBS, por sua vez, enfrenta críticas recorrentes por sua ligação com o desmatamento e falhas de rastreabilidade. Produtores rurais afirmam que a promessa da companhia de eliminar o desmatamento da sua cadeia produtiva até o fim deste ano está distante do que realmente acontece no campo, segundo investigação conduzida pela Repórter Brasil, The Guardian e Unearthed, da qual fiz parte como um dos repórteres. Ouvimos mais de 35 fazendeiros e profissionais do setor em três viagens pelas principais regiões onde a JBS compra bois na Amazônia. Eles expuseram as fragilidades das promessas de sustentabilidade da companhia, desmentindo a ideia de uma “revolução verde”.
A Hydro, patrocinadora do jornal paraense O Liberal, foi condenada em 2024 pela Justiça Federal a pagar R$ 100 milhões após o desastre ambiental em Barcarena, no Pará, quando a refinaria Alunorte contaminou o rio Murucupi com lama tóxica. Estudos da Fiocruz e do Ministério Público detectaram níveis elevados de metais pesados na água e em amostras humanas. A população relatou doenças de pele, estomacais, além da insegurança alimentar.
Outra patrocinadora do jornal, a Agropalma, é acusada de grilagem no Pará, envolvendo títulos fraudulentos e sobreposição de terras quilombolas e indígenas, incluindo cemitérios sagrados. Comunidades relatam expulsões e contaminação de rios com resíduos de óleo de palma, afetando a saúde local, segundo reportagem publicada pela Mongabay.
A Folha não esconde o caráter híbrido de seu projeto: além da cobertura jornalística, o Espaço Folha abrigará eventos, painéis e happy hours, criando um ponto de encontro entre jornalistas, políticos, empresas e organizações do terceiro setor. O Estúdio Folha, especializado em conteúdo patrocinado, também estará in loco produzindo podcasts e videocasts.
No Liberal, a proposta segue o mesmo modelo. O banner oficial da cobertura estampa os logos de patrocinadores. A programação inclui reportagens, entrevistas e eventos sob o guarda-chuva de “sustentabilidade”, mas com financiamento das mesmas empresas frequentemente associadas a desastres ambientais e violações sociais.
Essa aproximação não é um acaso. A ideia de um agronegócio moderno, inclusivo e herói da economia nacional é cuidadosamente moldada por campanhas milionárias, como a que lançou o slogan Agro é tech, agro é pop, agro é tudo, amplificada pela Globo e patrocinada por gigantes como JBS e Bradesco.
Longe de ser “pop”, o agro é um mau negócio para o Brasil. Um estudo dos pesquisadores Marco Antonio Mitidiero Junior Yamila Goldfarb contesta esse discurso com dados, e mostra: o setor depende de tecnologia estrangeira, emprega pouco e mal, arrecada menos do que parece, concentra lucros, e lidera a destruição ambiental no país.
Ailton Krenak, com a lucidez que lhe é característica, resumiu a situação: a COP 30 está se transformando em ‘um evento de empresários’. A declaração, ironicamente, foi publicada pela Folha ao lado das logos da JBS e da Vale.
O Código de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas é claro: o compromisso do jornalista é com a verdade e o interesse público, livre de influências comerciais ou políticas que possam distorcer a informação. Alberto Dines (1932-2018), em O papel do jornal e a profissão de jornalista, também já advertia que a independência editorial não é um luxo, mas uma necessidade vital para a credibilidade da imprensa.
A pergunta aos veículos é: quem paga o baile vai escolher a música?