Mesmo com o mercado de trabalho aquecido, a indústria enfrenta obstáculos crescentes para contratar. Levantamento da Fiesp e do Senai-SP, realizado pelo Instituto Locomotiva, mostra que 77,1% das empresas industriais em São Paulo tiveram dificuldade para preencher vagas entre 2024 e 2025.

Do outro lado, trabalhadores – especialmente os mais jovens – demonstram crescente distanciamento do setor, buscando alternativas que ofereçam mais autonomia, flexibilidade e potencial de renda.

Jovens sonham com o empreendedorismo

A pesquisa revela uma mudança de comportamento importante: 58% dos entrevistados desejam trabalhar por conta própria, enquanto apenas 11% preferem atuar na indústria. Na geração anterior, a indústria era o sonho de 24% dos profissionais.

Esse deslocamento está ligado à percepção de que o trabalho formal deixou de oferecer estabilidade e qualidade de vida. Segundo o estudo, 67% acreditam que a carteira assinada não garante mais segurança no futuro, e 64% afirmam que o modelo formal tem pouca flexibilidade para equilibrar vida pessoal e profissional.

Mudanças nas aspirações

A ascensão de influenciadores digitais e a popularização de ocupações como motoristas e entregadores de aplicativo também afetam a imagem da indústria. Para muitos jovens, o ambiente industrial é visto como rígido, com remuneração pouco atrativa e menos liberdade de escolha.

Segundo Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, “o trabalho formal perdeu o simbolismo de estabilidade. Para a nova geração, segurança virou sinônimo de autonomia, e não de vínculo fixo”.

Satisfação é maior entre autônomos

A pesquisa mostra que 41% dos trabalhadores por conta própria se dizem satisfeitos com sua ocupação, o maior índice entre os setores analisados. No entanto, 27% dos autônomos também se dizem insatisfeitos, revelando que a liberdade vem acompanhada de incertezas e instabilidade.

Na indústria, o índice de satisfação é de 27% — ainda assim, o mais alto dentro do setor privado formal.

Gargalo na contratação

Do ponto de vista das empresas, o estudo Rumos da Indústria Paulista: Mercado de Trabalho, da Fiesp, aponta que as principais dificuldades estão na faixa etária entre 21 e 30 anos, que concentra 61% dos entraves nas contratações.

Os setores mais afetados são aqueles que dependem de profissionais qualificados, mas que enfrentam concorrência com formas de trabalho mais flexíveis e menos convencionais.

Segundo Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp, a saída está no aumento da produtividade e em mais investimentos em educação e tecnologia. “Produtividade se faz com educação de qualidade e bens de capital. É preciso valorizar a indústria e torná-la mais atrativa para as novas gerações”, declarou.

Mudança demográfica e migração

O diretor regional do Senai-SP, Ricardo Terra, aponta fatores demográficos e migratórios como parte do problema. Nos últimos anos, o saldo migratório no estado de São Paulo foi negativo em quase 170 mil pessoas.

Além disso, a inversão da pirâmide demográfica indica que, até 2050, haverá ainda menos pessoas disponíveis no mercado. Segundo ele, a saída passa por qualificação, inclusão de mulheres, jovens, idosos e imigrantes, além da digitalização e ganho de produtividade.

Para o economista Rodrigo Soares, do Insper, programas sociais e envelhecimento populacional não explicam sozinhos a escassez de trabalhadores.

“A melhora da força de trabalho nos últimos 30 anos fez com que o profissional qualificado se tornasse mais raro. O problema é estrutural e passa também pela forma como o emprego formal é percebido pelas novas gerações”, explicou.

Insegurança jurídica

Durante o evento “A Força que Move a Indústria”, também foram debatidos os aspectos jurídicos da relação de trabalho. Luciano Timm, advogado e sócio da CMT, criticou a insegurança jurídica e o excesso de litigância na Justiça do Trabalho.

Segundo ele, decisões que não ponderam impactos econômicos afastam investimentos e dificultam contratações. Luciana Yeung, professora do Insper, reforçou que o Judiciário não acompanhou a velocidade das transformações do mundo do trabalho, mantendo práticas que incentivam o conflito e dificultam a adaptação das empresas.

Caminhos para reverter o cenário

A Fiesp e o Senai-SP propõem ações que incluem:

  • Requalificação de trabalhadores via educação técnica
  • Modernização da imagem da indústria para atrair jovens
  • Ampliação de programas como a Jornada de Transformação Digital
  • Inclusão de novos públicos no mercado formal

A meta é retomar a atratividade da indústria como um setor com oportunidades reais de crescimento, estabilidade e inovação.

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Last Update: 04/06/2025