A temperatura global média atingiu um novo recorde histórico em 2024. Pela primeira vez em séculos, superou 1.5°C de aquecimento. Assim, os eventos climáticos extremos são cada vez mais frequentes mundo afora. Secas devastadoras. Enchentes catastróficas. Derretimento acelerado das geleiras. Aumento do nível do mar. Ondas de calor insuportáveis. Ecossistemas inteiros em risco de colapso.

No Brasil, as inundações avassaladoras no Rio Grande do Sul e a seca severa em boa parte do país, no ano passado, foram efeitos dolorosos da emergência climática. O encarecimento dos alimentos tem como uma de suas causas esse processo. As consequências terríveis da crise climática já estão sendo vividas aqui e agora. Não é mais, apenas, uma projeção ao futuro distante.

A humanidade precisa reduzir aceleradamente a emissão de gases de efeito estufa, além de recuperar ambientalmente amplas áreas terrestres, fluviais e marítimas. Essa é a condição inescapável para mitigação e início de reversão dos efeitos do aquecimento global.

Porém, o sistema capitalista funciona para garantir o lucro dos bilionários, mesmo ao custo da devastação impiedosa da natureza. E, dentro desse sistema, os países mais ricos são os principais responsáveis pelo processo de destruição ambiental, tanto historicamente, quanto na atualidade.

Esse cenário se agrava considerando a ascensão da extrema-direita no mundo. Especialmente, agora, com o novo governo nos EUA. À frente da maior potência global, Trump aposta na expansão desenfreada da produção de combustíveis fósseis, além de romper com os poucos e insuficientes acordos mundiais voltados ao combate à emergência climática em nosso planeta.

Tendo em conta esse contexto global, o Brasil necessita, com urgência, de um robusto projeto de de soberania energética baseado na descarbonização da economia e de novas rotas de tecnológicas. Um programa que possa garantir a transição energética e ecológica, assim como a superação das profundas desigualdades sociais e regionais do país e de sua posição subalterna na divisão internacional do trabalho, centrada na exportação de commodities. A possível exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas vai na contra-mão dessa necessidade estratégica.

O lugar do Brasil no combate à crise climática e a defesa da Amazônia

O Brasil, a décima maior economia do mundo e possuidor de enormes riquezas naturais e reservas florestais, não pode fugir das suas responsabilidades. Estamos sempre entre os 10 países que mais emitem gases de efeito estufa, sendo que a maior parte dessa emissão está relacionada à expansão agrícola sobre nossas florestas e à indústria agropecuária.

Sendo assim, ainda que a Petrobras cumpra as condições exigidas pelo Ibama para a exploração na Foz do Amazonas, seria desastroso ao país anunciar a prospecção de petróleo e gás nessa região a poucos meses da COP-30, que ocorrerá em Belém, no Pará.

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, representando um conjunto de ecossistemas que abrigam uma biodiversidade vasta e única no planeta. Além da riquíssima fauna e flora, vivem na Amazônia Legal mais de 400 mil indígenas pertencentes a 180 povos. A proteção e a recuperação desse território deve ser uma prioridade do Estado e da sociedade brasileira.

A vida na Amazônia está seriamente ameaçada pelo avanço da fronteira agrícola e da pecuária, pela destruição causada pelo garimpo e também pelas atividades ligadas à mineração. A permissão para exploração petrolífera nas reservas existentes na Bacia da Foz do Amazonas, que ficam cerca de 150km do litoral, coloca em risco, em caso de vazamento de óleo, um ecossistema costeiro sensível e precioso que é formado pelo desague do maior rio do planeta.

Além da importância de uma rígida proteção ambiental desse patrimônio estratégico para o futuro do país e da humanidade, não há nenhum estudo que evidencie a real necessidade dessa nova fronteira petrolífera para garantir a soberania energética do país nas próximas décadas. Ainda mais considerando que o país já explora e produz em larga escala na Margem Atlântica, como no Pré-Sal.

Ademais, não há sequer garantia da utilização da renda gerada por esses recursos para investimento massivo em novas rotas tecnológicas para a transição energética, ou mesmo para redução das desigualdades sociais e econômicas na região Amazônica e proteção dos povos originários. Por todos fatores elencados acima, a exploração de petróleo e gás na Bacia da Foz do Amazonas não se justifica.

Ao mesmo tempo, tendo em vista a necessidade de justiça ambiental em termos internacionais, opinamos que o Brasil deve cobrar compensação financeira dos países mais ricos pela renúncia à exploração na Bacia da Foz do Amazonas. O palco ideal para apresentar essa exigência é a COP-30.

Os países ricos devem pagar pela transição energética global

Os países do Sul Global não têm a mesma responsabilidade que os países ricos na resolução do problema da crise climática. Justiça ambiental deve significar, desse modo, que as nações imperialistas devem arcar com o custo principal da transição energética nos países periféricos. A Europa, os Estados Unidos e o Japão foram, ao longo dos últimos séculos, os principais promotores da destruição ambiental e emissores de CO2 no planeta.

São esses países que detém o controle de parte significativa das indústrias ligadas aos combustíveis fósseis, da extração à manufatura. Mas é ainda pior nesse momento. Donald Trump é um entusiasta da perfuração irrestrita de novos poços de petróleo e gás, dentro e fora dos EUA. A extrema direita é negacionista do clima e quer pisar no acelerador da destruição ambiental, como bem vimos no governo Bolsonaro.

Sabemos, porém, que os EUA e os países europeus não vão querer ressarcir devidamente o Brasil. Podem, talvez, oferecer valores simbólicos para aparecer “bem na foto”. O fato é que as nações ricas não pretendem compensar financeiramente os países periféricos pela destruição ambiental causada pela dominação colonialista ao longo de séculos. O que somente reforça a urgência de articulação do Sul Global para que o que países imperialistas paguem custos da transição energética. A COP-30 pode ser o primeiro momento desse embate estratégico.

A importância de um projeto de soberania energética para a transição ecológica

Dadas as inevitáveis demandas para um período de transição, a Petrobras precisa conservar reservas petrolíferas estratégicas sob seu controle, a fim de assegurar a soberania energética do país no médio e longo prazo. Nesse sentido, é fundamental que o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) classifique toda a Margem Equatorial (não só a Foz do Amazonas) como estratégica, e que seja retomado o fortalecimento das legislações que garantam maior presença e controle do Estado, sob operação exclusiva da Petrobras.

Opinamos que todas as reservas da Margem Equatorial, da qual a Bacia do Amazonas compõe apenas uma parte menor, devem permanecer sob rígido controle do Estado brasileiro. Portanto, somos contra os leilões de blocos na Margem Equatorial, que vão entregar reservas para empresas privadas e estrangeiras, com consequências desastrosas do ponto de vista ambiental e da soberania nacional.

O Brasil precisa de uma Petrobras que utilize parte considerável dos seus lucros bilionários para financiar a transição energética, a pesquisa tecnológica e a recuperação ambiental, gerando dezenas de milhares empregos qualificados nessas áreas em diversas regiões do país, sobretudo naquelas menos desenvolvidas economicamente.

Atualmente, a empresa entrega a maior parte de seus lucros para acionistas privados, boa parte deles residentes no exterior. Isso porque 63,6% do capital social da companhia é privado. Além disso, a atual política de dividendos da Petrobras foi responsável por um triste recorde: em 2024, a companhia pagou 207% do seu lucro líquido, mais de R$ 75 Bilhões, em forma de dividendos, ao invés de investir esse recurso. Apenas uma Petrobras 100% estatal poderá atuar plena e estrategicamente para o combate às mudanças climáticas e o desenvolvimento econômico-social soberano do Brasil.

É preciso respeitar o Ibama

A Bacia do Foz do Amazonas fica numa região ambientalmente sensível, por diversas razões. Seja por abrigar um ecossistema costeiro único e delicado, seja por estar atravessada por correntes marítimas muito fortes, que amplificariam os efeitos de um eventual derramamento de óleo. Mesmo com toda a capacidade de segurança da Petrobras nas operações, acidentes podem acontecer.

Por isso, consideramos essencial que o governo Lula respeite os estudos e pareceres do Ibama sobre a questão. É preciso cessar os ataques ao órgão, que até aqui tem negado à Petrobras a licença para a exploração da Bacia da Foz do Amazonas. A autonomia e o fortalecimento do Ibama são fundamentais para garantir o compromisso do país em relação à preservação ambiental e ao combate às mudanças climáticas.

Sobre o futuro que queremos construir

A soberania energética do país nas próximas décadas não pode depender da produção de combustíveis fósseis. É preciso haver uma transição efetiva que diminua progressivamente nossa dependência do consumo de petróleo. Para tanto, o Brasil precisa concentrar esforços no desenvolvimento de novas matrizes energéticas e de tecnologia que acelerem esse processo.

É fundamental, ao mesmo tempo, romper com o padrão de inserção dependente no sistema capitalista, baseado na exportação de bens primários — agrícolas, minerais e energéticos. Atualmente, o Brasil é o sétimo maior exportador de petróleo cru do mundo, mas não é sequer autossuficiente em refino, sendo obrigado a importar óleo diesel e gasolina para abastecer o mercado interno. Um completo absurdo, que revela o caráter semi-colonial da nossa condição econômica.

Ao final deste editorial, reafirmamos a principal proposta: nesse momento, aproveitando a COP-30, o presidente Lula pode fazer um gesto global de enorme impacto político: o Brasil recusa a exploração na Foz do Amazonas, para a ajudar o mundo no combate à crise climática, mas exige que os países mais ricos compensem financeiramente o país por essa renúncia.

Essa decisão certamente animaria diversos outros países do Sul Global a assumirem posições semelhantes. Só será possível evitar o avanço da catástrofe ambiental e climática no mundo derrotando o imperialismo e a extrema direita, que sustentam o sistema capitalista predatório. O Brasil pode e deve contribuir para essa luta decisiva.

Importa registrar que um país isoladamente, por mais que cumpra exemplarmente seu papel, não conseguirá reverter o quadro global de avanço da crise climática. A humanidade precisa conquistar uma transição mundial para um modelo não-capitalista, no qual a economia esteja voltada para a satisfação das necessidades humanas em equilíbrio com a natureza, e não mais para a acumulação de lucros nas mãos de poucos grandes proprietários. O nome desse novo sistema é o ecossocialismo. E ele só poderá se tornar realidade com a luta mundial da classe trabalhadora, dos povos oprimidos e da juventude por um futuro em que a justiça social e a ambiental sejam inseparáveis.

 

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Last Update: 14/05/2025