Com apenas uma semana de campanha oficial, Pablo Marçal (PRTB) já desponta como o maior fenômeno político deste pleito em todo o país. No entanto, à luz das pesquisas eleitorais divulgadas nesta primeira semana, seria um erro grave para Guilherme Boulos (PSOL), candidato de esquerda que lidera a corrida paulistana, partir para um ataque direto contra o rival.
Primeiro, porque o principal efeito do crescimento de Marçal até agora é intensificar a polarização nacional na dinâmica local paulistana, algo que favorece Boulos, apoiado pelo presidente Lula – e que Nunes, apoiado por Bolsonaro, tentava evitar a todo custo.
Segundo, a pesquisa Atlas entre o eleitorado bolsonarista, Marçal passou de 25,3% no início de agosto para 41,8% agora, enquanto Ricardo Nunes caiu de 55,2% para 38,6%. Já pelo Datafolha, Marçal saltou de 29% no início de agosto para 44% entre os que preferem o ex-presidente, enquanto o atual prefeito recuou de 36% para 25%. Trata-se de um avanço significativo, que ameaça a ida de Nunes no 2º turno e força a alinhar sua campanha a Bolsonaro já no 1º turno, algo que ele evitava fazer devido à grande rejeição que o ex-capitão enfrenta na capital paulista.
As disputas públicas entre Bolsonaro e Marçal pela preferência do eleitorado bolsonarista evidenciam o tamanho do problema que o coach representa para a campanha do atual prefeito em 2024 e para os planos do clã Bolsonaro em 2026. Como reagirá o eleitor da extrema-direita? Permanecerá fiel ao ex-presidente, que até conseguiu acabar com a carreira política dos “traidores”? Ou aceitará novas lideranças?
Nesse contexto, para Boulos, a melhor estratégia é continuar apresentando suas propostas para a cidade e reforçando a conexão entre a disputa em São Paulo e o debate nacional.
Essa é a segunda razão pela qual Boulos não deve entrar no jogo de Marçal agora. As pesquisas mostram que sua candidatura está consolidada entre eleitores com ensino superior e maior renda, mas ainda há muito a ser conquistado entre os eleitores de baixa renda, que formam a base sólida do ex-presidente Lula.
Segundo o Datafolha, apenas 44% dos eleitores que preferem Lula declaram voto em Boulos até o momento. No quesito renda, ele atinge 18% entre os que recebem de 0 a 2 salários mínimos e 25% entre os que recebem de 2 a 5 salários mínimos, indicando espaço para crescimento junto a esse eleitorado que ajudou Lula a vencer as eleições de 2022. A pesquisa Atlas apresenta números muito semelhantes: 17,3% dos que recebem até 2.000 reais e 24,7% dos que recebem entre 2.000 e 3.000 reais declaram voto em Boulos.
Nos cruzamentos das duas pesquisas, fica evidente que o eleitorado de baixa renda lulista que ainda não optou por Boulos está com Nunes, Tabata ou Datena, e não com Marçal. Nessa faixa, quem escolhe o “coach” é o mesmo eleitor que votou em Bolsonaro – e que jamais migraria para uma candidatura de esquerda.
A terceira razão é a própria exposição que Marçal enfrentará. A excelente peça publicitária de Tabata Amaral apontando os vínculos entre o “coach” e a principal facção criminosa de São Paulo é um exemplo, embora seja pouco provável que tenha circulado fora das bolhas da esquerda e liberal. Além disso, Nunes, que terá o maior tempo de TV, será forçado a gastar parte desse espaço para desconstruir o “coach”. Há ainda a dinâmica da investigação jornalística, que vem revelando os muitos problemas com a justiça e os potenciais crimes que Marçal cometeu ao longo de sua trajetória. Aqui sim, há um potencial para aumentar a rejeição ao candidato bolsonarista radical.
Por fim, o quarto elemento é a comparação com as eleições de 2018. Boa parte do ecossistema da esquerda foi às redes sociais alarmada com uma possível reedição da vitória de Bolsonaro, que, sem estrutura, pegou muitos de surpresa e acabou como presidente. De fato, Marçal demonstra que a tecnologia política do bolsonarismo permanece forte, o que não surpreende, já que, desde o final das eleições de 2022, estamos alertando que a derrota do bolsonarismo nas urnas não significava o fim de sua força social. No máximo, surpreende quem acreditava que este pleito municipal não teria questões nacionais, algo que estamos destacando desde o final de 2023.
Contudo, não faz sentido pensar em Marçal apenas com a referência de 2018, como se não tivéssemos passado por quatro anos de governo Bolsonaro e pelas eleições de 2022, que rejeitaram o bolsonarismo, e como se não existissem dois anos de governo do presidente Lula. O que esses dois pleitos mostram, analisados em conjunto, é que a tecnologia tradicional da política brasileira também continua forte. As realizações de governo ainda têm peso significativo, e, neste caso, ter o apoio de Lula ou de Bolsonaro será decisivo: 63% dos eleitores afirmam não votar em um candidato apoiado por Bolsonaro, contra 48% que dizem o mesmo de Lula, o que demonstra a força do atual presidente como cabo eleitoral e a rejeição ao ex-presidente.
Além disso, é um erro subestimar o peso da TV, do rádio e da territorialização e capilarização das campanhas nas ruas com a militância e os cabos eleitorais. O próprio Bolsonaro sabe disso, como demonstrou sua estratégia quase vitoriosa em 2022.
Em suma, Marçal é, sim, um perigo para a democracia e pode vencer as eleições, e é justamente por isso que não se deve subestimá-lo, mas tampouco colocá-lo no centro da estratégia de campanha de Boulos, que, aliás, é tudo o que o “coach” quer. É preciso enfrentar esse fenômeno com os elementos que marcam a disputa eleitoral, que agora entra em uma segunda fase, caracterizada por duas peculiaridades. Uma é o reforço da polarização nacional, com a presença de Lula em dois comícios na periferia de São Paulo ao lado de Boulos, e a presença de Bolsonaro nas redes sociais de Nunes pela primeira vez desde março. A outra é o início da propaganda eleitoral na TV e no rádio, que começa no dia 30 de agosto. É fundamental medir o impacto dessa segunda fase no eleitorado, que começará a se envolver cada vez mais com a eleição, para então avaliar as estratégias de enfrentamento ao crescimento da extrema-direita com Marçal.