Não demorou mais do que 24 horas após a certificação da vitória de Trump pelo Congresso americano para que Mark Zuckerberg anunciasse mudanças nas políticas da Meta.
Em um vídeo publicado na manhã desta terça-feira 7, ele afirmou que a Meta vai “restaurar a liberdade de expressão” e “acabar com a escalada de censura” que vinha sendo imposta por governos na Europa, Ásia, América e até mesmo pelo governo estadunidense.
Zuckerberg foi explícito ao afirmar que o apoio do governo Trump será decisivo para que sua companhia corrija a rota de suas políticas, de modo que a missão messiânica de suas criações seja cumprida – dar “voz” às pessoas. “Vamos trabalhar com o presidente Trump para pressionar os governos ao redor do mundo que estão impondo mais censura às plataformas”, declarou.
Mais uma vez, o argumento da liberdade de expressão é usado como cortina de fumaça para defender o modelo de negócios das plataformas e uma visão ultraliberal que protege discursos de ódio, misoginia, racismo e negacionismos – fatores que têm impulsionado a ascensão da extrema-direita no mundo.
Zuckerberg assume explicitamente sua posição política no novo contexto internacional, elevando o tom ao atacar a soberania de países e se sentindo “protegido” pela nova política do governo estadunidense, que fortalece Elon Musk e outros expoentes da extrema-direita mais agressiva.
Tudo isso em nome da liberdade de expressão. Mas será mesmo?
Zuckerberg anunciou cinco medidas que serão implementadas primeiro nos Estados Unidos e, em seguida, em outros países. Abaixo, cada medida é detalhada com uma breve análise.
1) Acabar com a política de checagem de fatos e instaurar notificações da comunidade
Para Zuckerberg, as checagens de fatos possuem viés político e restringem a pluralidade de visões nas plataformas. Ele ataca explicitamente os meios de comunicação, mostrando que a Meta inicia uma nova fase de contra-ataque diante das críticas sobre a circulação de desinformação, fake news e discurso de ódio.
Esse argumento é grave porque reforça uma visão de deslegitimação da atividade jornalística, atacando veículos de comunicação e empobrecendo a circulação de informações minimamente verificadas e tratadas profissionalmente – práticas que, mesmo passíveis de questionamento, têm bases justificadas e públicas.
No lugar disso, Zuckerberg pretende empoderar as vozes da comunidade, que poderão notificar a plataforma sobre quaisquer conteúdos, movidas por interesses políticos e econômicos pouco transparentes, sem supervisão social.
2) Simplificação da política de conteúdos e fim das restrições para temas como imigração e gênero
Embora o argumento possa parecer correto, é fundamental lembrar que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e não se sobrepõe a outros direitos. Moderar conteúdos que exaltam genocídios, celebram mortes de mulheres e crianças, ou promovem supremacia racial e homofobia é essencial. O mesmo se aplica a conteúdos que atentam contra a saúde pública, como tratamentos “alternativos” para a Covid-19.
A proposta de simplificação das políticas de conteúdo é uma cortina de fumaça para frear conquistas legislativas que buscam limitar a circulação desse tipo de conteúdo.
Na prática, isso representa um ataque às iniciativas nacionais de regulação, como as tentativas de aprovação do PL 2630/2020 no Brasil.
3) Nova abordagem para reduzir os erros dos sistemas complexos de moderação
Zuckerberg argumenta que filtros automatizados estão removendo conteúdos legítimos e propõe acabar com a censura. Contudo, o problema não reside na existência dos filtros, mas na falta de transparência sobre a moderação. Não há clareza sobre as intervenções feitas, os parâmetros dos algoritmos ou mecanismos de contestação. Além disso, a ausência de repositórios públicos dificulta a auditoria e apaga partes importantes do debate público.
4) Retomar “conteúdos cívicos” na plataforma
Zuckerberg anunciou o retorno de conteúdos políticos à plataforma, exemplificando com o processo eleitoral norte-americano. “Estamos entrando em uma nova era”, disse.
Essa nova era, alinhada aos valores ultraliberais e autoritários da extrema-direita, reforça que as plataformas não são politicamente neutras. A mensagem de Zuckerberg, menos de 24 horas após a confirmação da eleição de Trump, explicita essa posição.
5) Mudança da sede de trabalho dos times de conteúdo e moderação
Zuckerberg justificou que, ao ampliar a liberdade de expressão, o ideal é que sua equipe esteja em locais menos suscetíveis a vieses. Não é coincidência que a equipe migre da Califórnia, governada por democratas, para o Texas, de governança republicana.
Essa decisão marca o início de uma contra-ofensiva das Big Techs contra regulações e tentativas de ampliar a agência da sociedade sobre o debate público fragmentado pela arquitetura e design das plataformas, cuja moderação do fluxo informacional é cada vez mais dependente de modelos de inteligência artificial.
Estamos vivenciando uma fase do capitalismo em que a democracia e suas instituições são vistas como entraves ao acúmulo de capital. Trump, Musk e Zuckerberg são os três cavaleiros deste apocalipse informacional.