O que faz a China se sentir segura mesmo diante das políticas linha-dura e retórica agressiva de Trump? A resposta pode surpreender
Por anos, Donald Trump tem atacado a China, descrevendo-a como a causa de uma série de problemas nos Estados Unidos. Ele lamentou o enorme déficit comercial de Washington com Pequim e culpa a China por desindustrializar o coração industrial americano. Trump também insistiu que a pandemia de COVID-19 foi culpa da China. Mais recentemente, ele atribuiu a crise de opioides nos EUA a Pequim, acusando a China de “atacar” os Estados Unidos com fentanil. Em comícios e coletivas de imprensa, a China aparece como um adversário monstruoso, um inimigo que apenas Trump pode subjugar. Durante seu primeiro mandato, ele desafiou décadas de política dos EUA ao iniciar uma guerra comercial com a China. Enquanto se prepara para iniciar seu segundo mandato, sua retórica e nomeações para o gabinete sugerem que ele dobrará a aposta nessa abordagem linha-dura. O relacionamento já conturbado entre os dois países está prestes a se tornar ainda mais difícil.
No entanto, os líderes da China não veem Trump com temor. Eles aprenderam muito durante seu primeiro mandato. Sua inclinação para o protecionismo econômico levará a novas disputas e tensões crescentes, mas Pequim acredita que pode navegar por esses confrontos. Além disso, o compromisso questionável de Trump com os aliados dos EUA encorajará outros países a diversificar suas alianças, construindo laços com Pequim para compensar a imprevisibilidade de Washington. A probabilidade de conflitos militares com os Estados Unidos também é baixa. Como a política externa de Trump nunca demonstrou compromissos ideológicos profundos, é improvável que a competição entre os dois países assuma dimensões tão destrutivas quanto as da Guerra Fria.
IMPASSÍVEIS COM TRUMP
Pequim não acredita que o resultado das eleições presidenciais de 2024 nos Estados Unidos tenha muito impacto na trajetória geral da política dos EUA em relação à China. Independentemente de quem assuma a Casa Branca, o próximo presidente será respaldado por um consenso bipartidário que vê a China como uma ameaça à dominância global dos EUA e continuará tentando conter o país asiático.
Essa abordagem linha-dura pode não funcionar tão bem em um contexto geopolítico que mudou significativamente desde o primeiro mandato de Trump. Quando ele assumiu o cargo em 2017, a maioria dos países acreditava que ele se comportaria como um líder convencional, um tomador de decisões ideologicamente neutro e economicamente racional. Grandes aliados dos EUA esperavam que Trump se comprometesse com sua segurança. Pequim convidou Trump para visitar a China no primeiro ano de seu mandato. Apesar da oposição dos EUA à anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, o Kremlin convidou Trump para Moscou em 2017 para a celebração anual da vitória na Segunda Guerra Mundial.
TURBULÊNCIA À FRENTE
Trump parece decidido a adotar uma postura protecionista econômica em seu segundo mandato, especialmente no que diz respeito à China. Ele já indicou que pode impor novas tarifas sobre produtos chineses, aumentar as restrições aos investimentos norte-americanos na China e ao capital chinês no mercado de ações dos EUA, impor mais limites à cooperação tecnológica e reduzir o número de estudantes chineses estudando nos Estados Unidos. Essas decisões inevitavelmente levarão a mais atritos entre Pequim e Washington.
O segundo mandato de Trump quase certamente terá um efeito paralisante sobre os diálogos oficiais entre Pequim e Washington. Sob o governo Obama, havia mais de 90 canais oficiais de diálogo entre os dois governos. Ao final do primeiro mandato de Trump, nenhum restava. Trump provavelmente suspenderá os quase 20 canais com a China que a administração Biden estabeleceu e pode substituí-los por novos canais sob sua supervisão direta, em vez de deixá-los nas mãos de altos funcionários burocráticos.
FIQUE ATENTO
O isolacionismo político de Trump—o equivalente diplomático de seu protecionismo econômico—pode levar os Estados Unidos a reduzir seus investimentos na proteção de aliados tradicionais. O presidente eleito há muito tempo critica os aliados dos EUA por se beneficiarem do poder e da generosidade americana. Essas reclamações podem levar os aliados dos EUA, tanto na Europa quanto na Ásia Oriental, a enxergarem vantagens em equilibrar relações entre China e Estados Unidos.
Mandato de Trump pode beneficiar a China de várias maneiras.
Aqueles que preveem um agravamento da guerra fria entre China e os Estados Unidos sob Trump estão equivocados. A competição entre os EUA e a China não é ideológica, como era com a União Soviética, mas tecnológica. Na era digital, segurança e prosperidade dependem enormemente do progresso tecnológico. China e EUA competirão por inovação em campos como inteligência artificial e disputarão mercados e cadeias de suprimentos de alta tecnologia. Não buscarão—e certamente não sob Trump—converter outros países à sua ideologia de governança preferida.