Caso sejam condenadas, as associações poderão pagar multas que variam de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões
A Moratória da Soja, pacto que garante a preservação da Floresta Amazônica, deverá ser suspensa, com risco de multa para as empresas e associações participantes. A determinação veio da Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que abriu um processo administrativo contra empresas e associações signatárias, sob a justificativa de avaliar os impactos no mercado nacional de commodities.
“A decisão do Cade inicia o processo administrativo que vai avaliar se a Moratória da Soja infringe alguma lei concorrencial no Brasil”, explica Maurício Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, organização que trabalha pela preservação ambiental desde a década de 70.
A investigação do conselho teve início com uma representação encaminhada pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, formada majoritariamente por parlamentares vinculados ao agronegócio. Um deles, o deputado bolsonarista Rodolfo Nogueira (PL-MS), presidente da comissão, é produtor de soja.
Com a determinação do Cade, publicada nesta segunda-feira (18), as empresas produtoras devem suspender o acordo dentro de dez dias, sob pena de multas. Voivodic ressalta que a ordem não é definitiva, mas representa uma pressão sobre os signatários do pacto.
“É uma medida para iniciar um processo de avaliação e, aí sim, ter uma decisão sobre o mérito da questão”, pondera. Contudo, as medidas preventivas apresentadas pela entidade reguladora já impactam nas ações do acordo. “O superintendente que assinou a decisão de ontem incluiu medidas preventivas que suspendem o dia a dia da moratória”, ressalta.
Uma dessas atividades cotidianas é o monitoramento do mercado, medida que busca detectar se a soja comprada pelas empresas signatárias não tem origem em áreas desmatadas depois de 2008 na Floresta Amazônica.
Em nota publicada no site oficial, o Cade informa que a Moratória da Soja constitui um acordo anticompetitivo entre concorrentes que prejudicam a exportação de soja.
“A medida preventiva é um instrumento previsto na legislação que pode ser adotado quando houver indício ou fundado receio de que as condutas investigadas causem ou possam causar ao mercado lesão irreparável ou de difícil reparação, ou que torne ineficaz o resultado final do processo”, informa a nota publicada pelo conselho.
Caso sejam condenadas, as associações poderão pagar multas que variam de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões; para as empresas, as multas variam entre 0,1% a 20% do valor do faturamento bruto da empresa no último exercício anterior à instauração do processo administrativo. O processo foi instaurado em face da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), bem como 30 empresas de exportação.
Articulação do agronegócio
“Vamos derrubar a Moratória da Soja no Brasil”, declarou a deputada Coronel Fernanda (PL-MT), outra integrante da comissão, em audiência pública realizada em julho de 2024.
Ex-policial militar, Fernanda teve sua campanha política impulsionada pelo sojicultor Inácio José Webler, que colaborou com R$ 100 mil na disputa eleitoral de 2022. Webler é dono de várias empresas no Mato Grosso.
Em agosto de 2024, a deputada encaminhou ao Cade um requerimento solicitando “instauração de Inquérito Administrativo ao Cade no intuito de apurar a prática de manipulação de mercado referente a acordos de não aquisição de produtos agropecuários”.
“A origem do processo no Cade foi uma denúncia feita pela Comissão de Agricultura do Congresso, que organizou, antes de fazer essa denúncia, uma audiência pública sobre a Moratória da Soja, a pedido da Aprosoja-MT [Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso]”, diz Maurício Voivodic.
Em outubro de 2024, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (UB), sancionou a lei 12.709, que restringia a concessão de benefícios fiscais a empresas participantes da Moratória da Soja no estado. A assinatura foi celebrada pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), que, em articulação com o poder público, teve papel decisivo na proposta.
Em janeiro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a proposta do Mato Grosso. O estado é líder na produção de soja, com mais de 10 milhões de hectares de plantação do grão – uma área maior que a Guatemala.
Moratória da Soja barra desmatamento na Amazônia
A Moratória da Soja é um pacto entre empresas que se comprometem a não comprar o grão de fazendas com lavouras em áreas abertas após 22 de julho de 2008 na Amazônia. Na prática, esse acordo funciona como uma barreira ao avanço do desmatamento na floresta.
De acordo com dados da WWF, o compromisso levou o setor produtivo a aproveitar áreas já abertas ou degradadas, como as áreas de pastagens. “O resultado final é um melhor aproveitamento do potencial produtivo do território nacional e o posicionamento do Brasil como um campeão em produção sustentável de commodities”, informa a organização por meio de nota publicada a respeito da determinação do Cade.
O estudo aponta que, entre 2006 e 2014, a área plantada com soja na Amazônia aumentou em 1,64 milhão de hectares. No entanto, apenas 0,88% do desmatamento na região entre 2006 e 2008 foi atribuído à sojicultura.
A derrubada da Moratória da Soja permite que novas áreas de floresta sejam derrubadas, impulsionando a especulação imobiliária na região.
“Terras que têm um desmatamento ilegal depois de 2008 possivelmente têm um preço diferente ou menor para quem quer fazer agricultura, porque tem uma restrição de mercado”, analisa Lisandro Inakake de Souza, gerente de projetos em Cadeias Agropecuárias do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). “Então, tem esse fator de ordem econômica, que é imobiliário”, diz.
Publicado originalmente pelo Brasil de Fato em 19/08/2025
Por Carolina Bataier – São Paulo (SP)
Edição: Thalita Pires