O barco Madleen, em homenagem a Madleen Kulab, primeira pescadora palestina da Faixa de Gaza, hoje com 30 anos, foi interceptado no domingo 8 em águas internacionais, a cerca de 100 milhas náuticas do destino em território palestino, pela Marinha israelense. Os 12 ativistas da Coalizão da Flotilha da Liberdade, entre eles Greta Thunberg e o brasileiro Thiago Ávila, foram presos de forma ilegal. Pela Convenção da Lei dos Mares, o território náutico de um país estende-se a até 12 milhas além da costa. Ultrapassada essa faixa, acaba a soberania de uma nação e o espaço torna-se livre. O comunicado do Centro Legal Palestino em Haifa, emitido na segunda-feira 9, afirma que “­Israel não tinha autoridade legal para tomar o Madleen, que estava em águas internacionais, dirigindo-se não a Israel, mas à Palestina. Prender os 12 ativistas desarmados configura uma séria quebra da Lei Internacional”.

A última notícia antes do fechamento desta edição sobre os ativistas é da manhã da quarta-feira 11. Dos 12 passageiros, quatro, entre eles Thunberg e o ator irlandês Liam Cunningham, assinaram os papéis da ordem de deportação lidos na Corte de Ramleh e foram enviados a Paris. Os demais, incluídos Ávila e a deputada do Parlamento europeu Rima Hassan, recusaram-se a reconhecer a autoridade israelense e continuam sob custódia. Se o padrão adotado for aquele de processos anteriores, a Corte vai determinar a deportação obrigatória, mesmo sem a anuência dos expulsos. O Itamaraty emitiu uma nota, na qual pede a libertação dos ativistas. “Ao recordar o princípio da liberdade de navegação em águas internacionais, o Brasil insta o governo israelense a libertar os tripulantes detidos”, diz um trecho.

Segundo a advogada Hadeel Abu ­Salih, a ação não se torna ilegal apenas pelo local da detenção, mas por impedir uma ação humanitária. “Se levarmos em consideração a situação em Gaza, de extrema fome, há uma obrigação de Israel permitir a passagem.”

A situação à qual Abu Salih se refere é o extermínio palestino, em curso há 20 meses. De acordo com dados da ONU, o número de mortos passa de 55 mil. ­Tel-Aviv não se dá, no entanto, por satisfeita e planeja tomar todo o território e expulsar ou aniquilar a população local. A ONU alerta que “a velocidade e a escala da matança e destruição na Faixa de Gaza não são nada parecidas ao que vimos na história recente. Ao mesmo tempo, a violência na Cisjordânia escalou agudamente”.

As políticas de concentração de população no território chegaram ao seu auge. As Nações Unidas citam dados do ­site Management Cluster, organização ligada ao seu escritório de direitos humanos: desde 18 de março, 640.273 palestinos, de um total de 2,1 milhões, foram deslocados em Gaza. Só nas duas semanas entre 15 de maio e 3 de junho foram registradas 202.675 expulsões. Cerca de 80% de Gaza virou zona militar ou está na área ocupada. O espaço restrito à população restringe-se aos distritos de Deir al Balah e Khan Younis.

A ação israelense viola, outra vez, as leis internacionais

Além disso, uma nova maneira de distribuir refeições reforça as manobras israelenses de deslocamento demográfico forçado. Israel determinou, desde 27 de maio, a substituição do sistema de distribuição de ajuda de um programa coordenado por organizações internacionais para um executado pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), entidade registrada nos EUA. A oferta de refeições é feita em conjunto com a firma de segurança privada Safe Reach Solutions. De acordo com Julia Emtseva, a SRS é presidida por Phil Reilly, ex-agente da CIA. O problema, escreve a autora, é que os palestinos, pelo fato de os centros estarem concentrados no sudeste do enclave, terão de caminhar “por linhas militares israelenses”. No fim das contas, o novo programa “provoca o deslocamento forçado e permanente ao norte de Gaza”.

A ONU recomenda a investigação dessa parceria. Em duas semanas, 82 palestinos foram mortos e 506 acabaram feridos nos centros concentrados de distribuição. O Washington Post, em 3 de junho, relatou a admissão do exército israe­lense de que soldados executaram “tiros de alerta” em um desses locais, quando 27 civis foram assassinados e 160 feridos.

Não sobram muitas maneiras de amenizar o sofrimento da população, afirma a palestina Huwaida Arraf, coordenadora da instituição que organizou a viagem do Madleen. “A única razão para que civis como nós sejamos compelidos a levar por mar ajuda para salvar vidas em ­Gaza é porque governos ao redor do mundo fracassaram de forma retumbante em interromper a campanha de extermínio movida por Israel”, resumiu a ativista ao site Zeteo.

Iniciativas como a do Madleen dão sinais de que a imobilidade de governos é cada vez mais rejeitada nas ruas. Após a interceptação da flotilha, grupos humanitários anunciaram o Comboio da Resiliência. Organizado como a Marcha Global a Gaza, o plano é levar 3 mil ativistas pelo trajeto no Norte da África, passando por Tunísia, Líbia e Egito. O comboio chegaria na fronteira com ­Gaza no domingo 15.

O primeiro-ministro israelense, ­Benjamin Netanyahu, não enfrenta apenas a resistência internacional. Aliados de extrema-direita ameaçam abandonar a coalizão no Parlamento e provocar a queda do governo. Pesadelo para Bibi, que vê na permanência no poder uma forma de escapar dos inúmeros processos por corrupção.  A oposição aproveita-se da crise governista, vicejada pela recusa dos ultraortodoxos de cumprir o serviço militar obrigatório, para mobilizar os insatisfeitos. Os protestos a favor de um fim da operação militar, que inviabiliza o retorno dos reféns ainda em poder do Hamas, atraem cada vez mais judeus cansados da situação. O arresto do barco de ativistas foi a maneira encontrada por Netanyahu para tentar aplacar os ânimos dos extremistas que sustentam seu mandato e defendem abertamente a limpeza étnica em território palestino. •

Publicado na edição n° 1366 de CartaCapital, em 18 de junho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Por mar ou terra’

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Last Update: 12/06/2025