Dedico esta reflexão aos milhares de militantes invisíveis, mas imprescindíveis — aqueles que, sem pedir holofote, sustentam as mudanças e garantem que elas não sejam revertidas.
O Brasil de 2024–2025 amanhece dentro de uma encruzilhada histórica. O mundo atravessa um período de redefinições profundas: os Estados Unidos reposicionam sua estratégia de defesa, ampliam tensões globais e reforçam zonas de influência. Quando um império se movimenta, os países dependentes sentem o impacto primeiro — e a América Latina volta à condição de território disputado pela doutrina Monroe 2.0. Esse cenário exige que o Brasil tome para si a única postura compatível com seu tamanho: afirmar uma estratégia soberana, não subalterna.
Aprendi o significado disso não apenas nos livros, mas na rua, no chão quente de fábrica e nos piquetes que realizei nos anos 80. Ao lado de metalúrgicos, químicos, plásticos e trabalhadores das bebidas, eu já era dirigente sindical quando participamos da Campanha Salarial Unificada que incendiou São Paulo. Eram dias de coragem coletiva em que ninguém lutava apenas por si: cada voz somava força, cada passo empurrava o país na direção de direitos mais amplos.
Foi ali que conquistamos aumento real — vitória rara numa economia moldada para servir apenas ao capital — e arrancamos uma transformação histórica: a redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais. Essa luta nunca foi apenas por números. Cada hora a menos representava um pedaço de vida devolvido ao trabalhador, uma fresta de humanidade aberta no muro da exploração.
Essas experiências me ensinaram que a história brasileira é marcada por ciclos de avanço e reação. Não é por acaso que as décadas terminadas em “4” — 1954, 1964, 1974, 1984 — funcionam como marcos políticos.
1954 revelou que qualquer projeto de soberania econômica provoca reação das elites internas associadas a interesses externos. Culminou com suicídio de Getúlio.
1964 mostrou que, diante da possibilidade de mudança estrutural, essas elites preferem destruir a democracia.
1974 expôs o esgotamento de um modelo dependente que cresce para fora e empobrece para dentro.
1984, com as Diretas Já, evidenciou que sem mobilização de massas não há transição política real.
Agora, 2024–2025 repete a pergunta fundamental:
seguiremos presos ao ciclo da dependência — tecnológica, financeira e militar — ou ousaremos construir um país que caminhe com as próprias pernas? Todas as grandes nações do mundo estão olhando para si.
O desafio é direto.
Sem ruptura com a austeridade permanente, não haverá desenvolvimento.
Sem investimento estratégico em tecnologia, ciência e defesa, continuaremos vulneráveis às pressões internacionais.
Sem uma política industrial robusta, seguiremos exportando commodities e importando futuro.
Sem participação popular ativa, qualquer conquista será provisória.
É por isso que a reeleição de Lula e do campo democrático e progressista ganha dimensão histórica. Não se trata de um evento eleitoral isolado, mas da possibilidade concreta de retomar reformas paralisadas, defender a democracia das novas formas de sabotagem e recolocar o país numa trilha de crescimento inclusivo. É uma disputa que extrapola partidos: é a escolha entre soberania e tutela.
Nada disso, porém, será possível sem o que nos sustentou no passado: povo organizado, mobilizado e consciente. A democracia brasileira ainda é frágil. Suas instituições não garantem estabilidade se o povo não estiver atento, presente, exigente. Foi assim nos anos 80, quando mudamos a história nas portas de fábrica; será assim agora, num mundo em convulsão geopolítica.
Aprendi, nos piquetes e assembleias, que quando o povo decide andar, nenhuma força consegue pará-lo. O Brasil vive novamente um momento decisivo. E, como então, é preciso coragem — coragem para resistir, para propor e, principalmente, para transformar.
Porque a soberania não se decreta:
se constrói.
E, como sempre, começa pelos que nunca aparecem —
mas sem os quais nada muda.
Dez de 2025 – Francisco chagas é cientista social – vice-presidente do PT paulista, ex vereador e deputado federal – escreve aqui sobre história – conjuntura política e luta social