Em setembro ocorrerá no Brasil o Plebiscito Popular, iniciativa organizada por movimentos sociais, sindicatos, entidades religiosas e diversas entidades da sociedade civil. Não é um plebiscito oficial do governo, mas sim uma consulta pública independente, que visa mobilizar a população em torno de temas fundamentais para o país. O início do processo ocorrerá em 1º de julho próximo, a semana de maior mobilização do movimento será entre 1º e 7 de setembro de 2025 (Semana da Pátria) e o período oficial de votação para o Plebiscito acontecerá entre 14 e 21 de setembro de 2025. A consulta pública será realizada através de duas perguntas:

1.Você é a favor da redução da jornada de trabalho sem redução de salário e do fim da escala 6×1?
2.Você é a favor de uma reforma tributária justa, em que os ricos paguem mais impostos e os pobres menos?

Ao contrário do plebiscito oficial, que só pode ser convocado pelo Congresso Nacional e tem força de lei, o plebiscito popular é uma consulta pública que tem o objetivo de ouvir a opinião popular e pressionar o governo e as autoridades em geral. O seu resultado não se transforma automaticamente em lei.

A isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5.000,00 e a tributação de grandes fortunas e rendimentos elevados, especialmente para quem recebe acima de R$ 50 mil mensais, está no centro da consulta popular. Sobre esse assunto, visando diminuir a injustiça tributária no Brasil, o governo enviou ao Congresso Nacional, em março deste ano, o PL 1.087/2025, que tem como pontos principais:

1.Ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF): Isenção total para quem recebe até R$ 5.000,00 mensais (R$ 60.000,00 anuais), a partir de 1º de janeiro de 2026. Atualmente, a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) no Brasil está em R$ 2.428,80 ou R$ 3.036,00 quando o contribuinte opta pelo desconto simplificado. Além disso, o PL prevê isenção parcial (com redução progressiva) para rendas entre R$ 5.000,01e R$ 7.000,00 mensais;

2.Tributação mínima para altas rendas (IRPFM- Imposto de Renda para Pessoa Física Mínimo): Contribuintes que recebem acima de R$ 600.000,00/ano terão tributação mínima progressiva, de 0% até 10%, considerando todos os rendimentos (inclusive vários isentos/tributados à alíquota zero);

3.Tributação de dividendos: Lucros e dividendos pagos às pessoas físicas residentes no Brasil passam a ser tributados em 10% na fonte, para valores acima de R$ 50.000,00/mês. A proposta visa tributar rendas de capital mais elevadas, que hoje são isentas, para financiar a desoneração de rendas do trabalho. A regra principal é que, ao ultrapassar o teto de R$ 50 mil de uma única fonte, o imposto de 10% recai sobre todo o montante recebido. O objetivo desta medida é também aumentar a progressividade do sistema tributário e compensar a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Dividendos totais recebidos de cada empresa até R$ 50.000,00 por mês estarão isentos. Para não residentes no país, haverá uma alíquota fixa de 10% sobre todo valor remetido a pessoas físicas ou jurídicas, sem faixa de isenção.

Atualmente no Brasil os lucros e dividendos distribuídos por empresas a pessoas físicas residentes no país são isentos de Imposto de Renda. Desde 1º de janeiro de 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso, os dividendos foram isentos de imposto de renda, com base em argumentos, em termos tributários, bastante frágeis. Vale observar que não tributação de lucros e dividendos é algo típico de país subdesenvolvido ou que são “paraísos fiscais” (países que oferecem regimes tributários extremamente vantajosos, ou até mesmo a isenção de impostos, para pessoas físicas e jurídicas estrangeiras). Exemplos de países que não tributam dividendos: Estônia, Letônia, Malta, Singapura, Hong Kong, Brunei e Qatar. Nas Américas, somente o Brasil e os paraísos fiscais do Caribe (Bahamas, Belize) isentam dividendos de imposto de renda. Entre 35 países europeus analisados, a taxa média máxima de imposto sobre dividendos é de 20,4%. Esta média reflete a diversidade de abordagens fiscais no continente, variando desde taxas nulas até percentuais acima de 50%. Nos EUA as taxas são 15% e 20% para residentes e 30% para não residentes.

O objetivo do PL 1.087/2025 é tornar a tributação sobre a renda das pessoas no Brasil mais isonômica e progressiva, ainda que de forma moderada. Como é conhecido, a estrutura tributária brasileira é extremamente regressiva, ou seja, os pobres pagam proporcionalmente muito mais impostos que os mais ricos. Isso ocorre, basicamente, porque boa parte da arrecadação de impostos – 43%, para ser mais específico – é indireta, ou seja, está embutida no preço do bem ou serviço. Ao aplicar o imposto com a mesma aliquota para todos, esse tipo de imposto penaliza os mais pobres. Por exemplo, um botijão de gás de cozinha, que custa em média R$ 105,00 no país, contém em seu preço cerca de R$ 17,50 de impostos (principalmente ICMS estadual). Para quem ganha R$ 15.000,00 esse imposto não faz muita diferença, mas para um aposentado que vive com um salário-mínimo, por mês, aquele valor pesa muito. Os trabalhadores brasileiros pagam o imposto indireto, sem ao menos saber que estão pagando.

O PL muda a política tributária justamente utilizando a modalidade de imposto mais progressiva de todas, que é o Imposto incidente sobre a renda. A progressividade tributária é o princípio de que a alíquota (o percentual do imposto) deve aumentar conforme a base de cálculo (a renda, no caso do IRPF) também aumenta. Ou seja, quem ganha mais, paga uma porcentagem maior de sua renda em impostos. A proposta, convenhamos, é modesta, não significará nenhuma grande mudança. De fato, o PL está propondo a redistribuição, aos declarantes de mais baixa renda, de montante equivalente a aproximadamente 0,25 p.p. do PIB, obtido mediante cobrança junto aos contribuintes com rendimentos anuais superiores a R$ 600 mil. A faixa de isenção, de R$ 5.000,00, é acanhada. Uma cesta básica, para um adulto em Florianópolis, está custando R$ 858,93, segundo o Dieese. O salário mínimo necessário calculado pelo Departamento, para uma família de 4 pessoas, está em R$ 7.528,56. O Brasil, em termos econômicos, técnicos, teria condições de trabalhar com uma faixa de isenção bastante superior.

Segundo dados recentes da Receita Federal, o número de pessoas no Brasil com renda anual superior a R$ 600.000,00 é de aproximadamente 760 mil pessoas. Esse número representa cerca de 2% do total de contribuintes que declaram Imposto de Renda no país (38 milhões). Dentro desse universo, o governo federal estima que cerca de 141,4 mil contribuintes (aproximadamente 0,37% do total de contribuintes ou 0,06% da população) seriam afetados pela tributação mínima prevista no PL 1.087/2025, pois atualmente pagam uma alíquota efetiva de imposto de renda muito baixa, em função de mecanismos como o desconto para gastos com saúde e educação.

O PL melhoraria o perfil de distribuição de renda no Brasil, cuja concentração é um dos grandes problemas nacionais. Beneficiaria diretamente cerca de 14 milhões de contribuintes (isenção total para aproximadamente 10 milhões de pessoas e parcial para cerca de 4 milhões de pessoas). A ampliação da faixa de isenção pode reduzir a arrecadação em aproximadamente R$ 25,8 bilhões/ano, que deverá ser compensada pela nova tributação de altas rendas e dividendos. Com uma medida como esta, sem grandes traumas, o PL iria melhorar a vida de uma parte da população equivalente a quase 30% da população da Argentina.

Como é esperado, como todas as grandes conquistas no Brasil, a melhoria da situação tributária só acontecerá com mobilização dos interessados. Sem pressão popular, o projeto não será aprovado no Congresso Nacional, em função da própria composição do Congresso.

A “questão tributária”, como ocorre com todos os grande problemas nacionais não é um problema meramente técnico: trata-se de uma questão de correlação de forças. Ademais, uma dificuldade adicional na aprovação do projeto é a questão político-eleitoral. Melhorar a vida de 14 milhões de contribuintes significa melhorar a vida, talvez, de 30 milhões de pessoas, contando com os dependentes destes contribuintes (por baixo). E a oposição no Congresso, que impôs uma derrota histórica ao governo, no dia 25 de junho, anulando decretos do governo federal que aumentavam o Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF), naturalmente não quer isso, em pleno período eleitoral.

Ao deixarem de pagar o imposto, ou pagarem menos, os trabalhadores podem consumir mais, estimulando segmentos essenciais da economia. Estudo da Câmara dos Deputados estima que, com a aprovação do PL, haveria um aumento de R$ 10,3 bilhões no consumo interno, especialmente nos setores de comércio e serviços. O principal efeito macroeconômico esperado a partir da implementação da medida é o aumento do consumo agregado, uma vez que trabalhadores que ganham menos tem uma maior propensão a consumir, do que aqueles contribuintes de alta renda, que perderão, com as medidas do projeto, uma pequena parte da renda disponível. O cálculo é o de que a renúncia fiscal decorrente da isenção para rendas mais baixas (estimada em R$ 26,2 bilhões) será compensada pela arrecadação adicional proveniente da tributação das altas rendas (R$ 32,6 bilhões). No curto prazo, estima-se um incremento no Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de R$ 10,3 bilhões, que, convenhamos, é pouco para um PIB estimado em R$ 12 trilhões para 2025.
Não deixa de ser surpreendente que o sistema da dívida pública não esteja incluído nos temas deste Plebiscito Popular, pois essa questão está no centro dos problemas brasileiros. O sistema da dívida pública no Brasil custou só nos últimos 12 meses, até abril, aproximadamente R$ 928,4 bilhões. Esse valor impressionante equivale a 7,71% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) do país no período. Essa despesa com juros é o componente principal do chamado déficit nominal do setor público, que no mesmo período alcançou R$ 939,8 bilhões (ou 7,91% do PIB). Ou seja, o problema fiscal no Brasil, na realidade, são os gastos com os serviços da dívida pública.
Com o PL 1087/2025, segundo estudo da Câmara Federal, a redistribuição, aos declarantes de mais baixa renda, será equivalente a aproximadamente 0,25 p.p. do PIB (R$ 32,06 bilhões), obtido mediante cobrança junto aos contribuintes com rendimentos anuais superiores a R$ 600 mil, como vimos. Mas os R$ 938,9 bilhões gastos nos últimos 12 meses com a dívida pública significam 28,8 vezes a redistribuição de renda que haverá se o PL da isenção for aprovado. Para cada 1 ponto percentual de aumento na taxa Selic, mantido por 12 meses, o custo com juros da dívida pública brasileira aumenta em um valor estimado entre R$ 38 bilhões e R$ 40 bilhões. Só os 0,25% de aumento da Selic, decidido na última reunião do Copom significará para o Brasil, em 12 meses, cerca de R$ 10 bilhões, praticamente o incremento de renda no mercado interno que teremos no Brasil com a aprovação do PL.

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Last Update: 01/07/2025