
Adalberto Martins – Pardal*
Para a Página do MST
Nestas últimas semanas a burguesia tornou explícita a guerra contra o governo federal, tendo no congresso nacional a sua principal trincheira. Ao derrubar o decreto presidencial que buscava taxar um pouquinho os super ricos, com a elevação do IOF, revelou que a classe dominante não quer pagar a conta da crise econômica, preferindo cortar os direitos sociais e manter os seus imensos privilégios tributários e financeiros.
Tudo em nome do equilíbrio das contas públicas. Mas o que não falam é que a elevação de cada ponto da taxa Selic tem impacto de R$ 55 bi na dívida pública (recurso este destinado ao pagamento dos juros da dívida pública).
Os privilégios tributários e financeiros são uma das marcas do Estado Brasileiro, revelando aí o seu caráter de classe. E isto não é diferente para o setor “todo poderoso” do agronegócio, que vive de isenções fiscais, subvenções financeiras bancadas pelo Tesouro Nacional e sucessivas renegociações de dívidas (eles não pagam suas contas). De acordo com o Ministério da Fazenda, este setor recebeu R$ 158 bi de isenções no ano de 2024. Ainda assim, o mesmo governo federal, segue sustentando esta farra financeira, anunciando no Plano da Safra 2025/26, quinhentos e dezesseis bilhões de reais para o crédito rural. Começaremos por este tema.
A Taxa Selic, como se sabe, é base sobre a qual todas as demais taxas de juros dos diferentes financiamentos se referenciam. Hoje esta taxa se encontra em 15%. De maneira geral, os bancos ao captarem recursos, prometem aos seus clientes o pagamento de juros em torno da taxa Selic. No entanto, os juros anunciados para os financiamentos agrícolas do setor patronal (leia-se agronegócio), ficou em torno de 10%. Ao financiar os fazendeiros, eles pagam apenas 10% de juros. A questão é quem financia esta diferença de 5%, entre o dinheiro captado e o dinheiro emprestado pelo Banco. Certamente não será o banco.
Aqui entra em ação o Tesouro Nacional, vinculado ao Ministério da Fazenda. Ele pagará esta diferença de juros aos bancos. Isto se chama “equalização dos juros”. Além disso, o Banco do Brasil é o principal agente a operar o crédito rural. Por lei, ele é obrigado a colocar 34% dos recursos captados em “depósito à vista” para o crédito rural (além dos recursos captados na poupança rural).Em outras palavras, a sociedade brasileira paga milhões para os bancos para subsidiar o crédito rural para aquele setor que tentou dar o golpe no 8 de janeiro de 2023, para o mesmo setor que desmata e incendeia os biomas e que envenena a natureza, os alimentos e os trabalhadores rurais sendo o Brasil o campeão mundial no uso de agrotóxicos.
Já que falamos de agrotóxicos, estes produtos são isentos do pagamento do Imposto de Produtos Industrializados (IPI) e contam também com a redução de 60% do ICMS. Desde 2016, tramita no STF o julgamento sobre a retomada da tributação destes venenos, mas o tema não avança na pauta daquele tribunal. De acordo com a ABRASCO, o governo federal deixou de arrecadar em 2022, R$ 15 bilhões em virtude da renúncia fiscal sobre os agrotóxicos.
Cabe lembrar também, que todos os gastos com a promoção da produção agropecuária (custeio e investimentos, exceto a compra de terra) pode ser deduzida no Imposto de Renda, desde que comprovado com notas fiscais. Até o custo com pagamento de arrendamento entra nas deduções dos fazendeiros.

Lei Kandir: a isenção provisória que dura quase 30 anos
Mas estes privilégios do agronegócio não param por aí.
O mais escandaloso talvez seja o não pagamento do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) para os produtos primários exportados, como soja em grão, minério de ferro e óleo bruto. Esta isenção surgiu no embalo do lançamento do Plano Real, visto o impacto negativo da “moeda forte” (real) frente ao dólar, facilitando a importação de mercadorias. Tal taxa de câmbio valorizada, afetou negativamente o setor patronal da agricultura, que pela sua força no Congresso Nacional conseguiu aprovar a “Lei Kandir” (1996) isentando as exportações de commodities do ICMS. Os debates naquele período indicavam que tal lei deveria ter um caráter provisório, pois tal isenção comprometia as receitas dos governos estaduais, já que o ICMS é recolhido pelos Tesouros Estaduais.
Mas como todo privilégio dos ricos, tal lei se tornou perene e segue vigorando.
Para exemplificar o impacto desta isenção na arrecadação dos governos estaduais, vejamos os casos do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul.
No Mato Grosso, a isenção do ICMS em 2022, implicou na renúncia pelo Governo Estadual de R$ 8 bi de ICMS, uma desoneração maior que toda a arrecadação de impostos daquele governo. No Rio Grande do Sul, um estado com economia primário exportadora, em 2023, arrecadou com o ICMS de produtos primários e sobre os bens que utilizaram esses produtos como insumos, s R$ 3,2 bilhões, representando apenas 7,2% de toda receita de ICMS do Estado, refletindo o impacto da desoneração deste imposto sobre a exportação das commodities.
Outro exemplo dos privilégios do agronegócio: quanto aos tributos federais (CONFINS, CSLL, IPI), a cadeia produtiva da soja, em 2022, foi favorecida com a renúncia fiscal de R$ 56,8 bi, valor este que é o dobro da renúncia fiscal do governo federal para os produtos que compõem a cesta básica.
Estas favores seguem ao setor agroindustrial e ao setor exportador de commodities agrícolas. Entre janeiro de 2024 a fevereiro de 2025, as renúncias fiscais de tributos federais de dez gigantes corporações do agro representaram nada menos que 35,6 bilhões de reais. Apenas uma empresa (Dairy Partners Americas Brasil, controlada pela Lactalis – empresa francesa) obteve o benefício tributário de R$ 16 bilhões. Acompanhada pela JBS, com R$ 4,5 bilhões de renúncia fiscal; a Syngenta com R$ 3,7 bi, a Bunge com R$ 2,7 bi, Yara R$ 2,5 bi; a Cargill R$1,62 bi e a Louis Dreyfus com R$ 1,61 bi.
A farra do agro no mercado financeiro
Vejamos agora a farra do agro no mercado de capitais. No primeiro mandato do Governo Lula, o seu ministro da agricultura, Roberto Rodrigues, formulou o caminho para o agronegócio acessar o mercado financeiro. Tomando por base as CPRs (Cédulas do Produtor Rural), foram criados alguns títulos financeiros, entre eles as Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), podendo ser operados, naquele período, apenas por pessoas jurídicas.
Os rendimentos destes títulos financeiros eram isentos do pagamento do Imposto de Renda. Durante o governo Bolsonaro, com a aprovação da Lei do Agro I e II, novas regras permitiram que pessoas físicas pudessem acessar estes títulos financeiros. Além de envolver um novo agente político no enredo da questão agrária brasileira, esta classe média endinheirada viu nestes instrumentos financeiros mais uma alternativa de investimento (uma das razões para a intensa propaganda do agro em horário nobre da televisão travestindo este setor depredador, parasitário como “pop, tech e tudo”).
Desta forma, os agentes financeiros, especialmente os bancos públicos, lançaram as LCAs no mercado financeiro prometendo uma taxa de juro similar à Selic, captando uma massa de recursos que são alocados no crédito rural (parte destes recursos são de fato aplicações da classe média brasileira). No entanto, este crédito disponibilizado ao fazendeiro tem juros inferiores ao da taxa Selic. Novamente quem cobre esta diferença é o Tesouro Nacional.
No último Boletim das Finanças Privadas do Agro (Jul/25), publicado pelo MAPA, informa que em maio de 2025, as LCAs apresentaram um volume de 573,34 bilhões de reais (valor superior ao anunciado pelo Plano Safra para o crédito rural). Mas curiosamente tal boletim não informa os valores transferidos pelo Tesouro a título de subvenções dos juros deste título financeiro.
Não poderíamos deixar de dizer que as Leis do Agro I e Agro II, também criaram uma outra aberração financeira-fundiária: o Patrimônio Rural em Afetação e disto a Cédula Imobiliária Rural. Assim, o título de propriedade rural passou a ser fracionada em cotas negociadas em Fundos Privados. Tal fracionamento da propriedade rural é proibido por lei, mas foi autorizado para compor as cotas (título financeiro) destes fundos. Os agentes que compram estas cotas podem ser especuladores nacionais, mas também “investidores” internacionais, que ao adquirir as “cotas”, estão adquirindo a posse de uma fração de terra, driblando assim a legislação nacional que proíbe a compra de terra por estrangeiros (seja pessoa jurídica ou pessoa física).
A formatação destes fundos, além de impactarem no preço das terras no Brasil, elevando-o, estará gerando uma “bolha especulativa fundiária”, algo inédito na nossa história agrária, pois parte destas terras, sobrepõem as terras públicas, terras quilombolas e indígenas, visto que tais fundos não exigem o título de propriedade escriturado em cartório, bastando o registro da área no Cadastro Ambiental Rural (em outros termos, uma massa de terra pública, devoluta ou de parques nacionais, ou terras indígenas, grilada pelos fazendeiros, estão sendo negociadas em cotas nos fundos privados).
Para o agro, não existe nome no SPC
Ocorre que tais privilégios e “benesses” não param aí. Desde o Plano Real, a bancada ruralista conseguiu empurrar o pagamento de suas dívidas e multas ambientais, através de fabulosas renegociações, denominada de “securitização das dívidas”. No entanto, por detrás desta securitização, existem anistias de até 80% das dívidas e multas. Tais negociações ocorreram em sucessivos governos como de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Temer. Um processo escandaloso que a sociedade brasileira desconhece e segue acreditando que o Agro é Pop, Tech é Tudo.
Por fim, devemos comentar aquilo que revela o caráter patrimonialista desta classe dominante. A terra em nosso país sempre foi objeto de reserva de valor e símbolo de riqueza. A concentração da terra que historicamente sempre foi elevada em nosso país, nos últimos 25 anos ampliou-se, aquecendo o mercado de terras, impactando nos seus preços, valorizando-se (aliás, este foi o ativo mais valorizado nos últimos 20 anos, superando a valorização dos títulos em CDBs, em dólar, ouro, entre outros).
De acordo com o Cadastro de Imóveis Rurais, coordenado pelo INCRA, em 2018, havia no Brasil mais de 6 milhões de imóveis rurais, envolvendo 775,53 milhões de hectares. Os imóveis com área acima de 15 módulos fiscais (grandes fazendas) controlavam 471,16 milhões de hectares.
No entanto, somente dois milhões de imóveis pagaram ITR em 2023, sendo recolhido apenas R$ 2,8 bilhões (ITR). Mesmo sendo um tributo federal ele apresenta baixíssima arrecadação, representando em 2023, apenas 0,13% de toda a arrecadação da Receita Federal, conforme estudo realizado pelo DIEESE. Para se ter um comparativo da pequenez do valor arrecadado do ITR, em 2023, no Brasil, este valor é similar ao IPTU arrecadado pelo Bairro de Pinheiros, no município de São Paulo. Outro exemplo: no mesmo ano, o IPVA arrecadados no Estado de São Paulo, representou R$ 28,2 bilhões. O ITCD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis), no Estado de São Paulo, representou R$ 4,1 bilhões.
Enfim, os fazendeiros pouco pagam impostos pelas terras que compõem seu patrimônio. Mas este patrimônio, regular ou grilado, se valoriza com o aquecimento do mercado de terras e agora dá base a títulos financeiros diversos como informado acima.
Tributar os super-ricos do agronegócio já!
Como vimos, o suposto sucesso do agronegócio em produzir commodities em grande parte se deve à pressão política que ele exerce sobre governos e parlamentos para alcançar isenções, subvenções, perdão e facilitações para sonegação. Este agro que se diz resultado do “esforço do homem do campo” é, na verdade, fruto da apropriação do orçamento público e do Estado.

Por isto, é mais do que nunca urgente a tributação dos ricos e dos fazendeiros/latifundiários no Brasil. Tributá-los é corrigir distorções históricas e responsabilizá-los pelas desigualdades e crises provocadas por este modelo de produção. Além disso, é fundamental que haja a necessária reforma agrária, para reduzir a desigualdade deste país e torná-lo mais democrático, reduzindo o poder conservador dos latifundiários em nosso.
É neste sentido, que o Plebiscito Popular busca fazer estas discussões com o povo brasileiro. Debater a taxação dos super-ricos, a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1 é um esforço de politização do debate público e da elaboração de saídas concretas para o país. Por isso, até o próximo 7 de setembro, organizações populares de todo país estarão nas ruas para dialogar com o povo sobre estes importantes temas. Construir um país mais justo e igualitário passa por combatermos todas as desigualdades, no campo e na cidade.
Vote! Participe do Plebiscito!
Referências
AUDITORIA CIDADÂ DA DIVIDA. A cada 1% de aumento na Selic, o gasto com a dívida pública cresce R$ 55 bilhões, segundo o banco central. Janeiro de 2025. Disponível em: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/a-cada-1-de-aumento-na-selic-o-gasto-com-a-divida-publica-cresce-r-55-bilhoes-segundo-o-banco-central/. Acessado em 7 de julho de 2025.
BARROCAL, André. Erva Daninha. Carta Capital. Junho de 2025.
CAMPOS, Arnoldo. O custo da soja para o Brasil: renuncias fiscais, subsídios e isenções da cadeia produtiva. Disponível em: https://idec.org.br/sites/default/files/o-custo-da-soja-para-o-brasil_renuncias-fiscais-subsidios-e-isencoes-da-cadeia-produtiva.pdf. Acessado em 30 de junho de 2025.
FREITAS, Jânio. Taça da perversão. Disponível em: https://www.poder360.com.br/opiniao/taca-da-perversao/. Acessado em 31 de junho.
MARTINS, Adalberto Floriano Greco. A questão agrária e a reforma agrária popular. Mimeo de junho de 2025.
_. A questão agrária no Brasil: da colônia ao governo Bolsonaro. São Paulo: Expressão Popular, 2022.
MAPA. Boletim de Finanças Privadas do Agro. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/politica-agricola/boletim-de-financas-privadas-do-agro. Acessado dia 8 de julho de 2025.
RECEITA FEDERAL DO BRASIL. IRPF – atividade rural. Brasilia, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/orientacao-tributaria/auditoria-fiscal/arquivos/irpf-atividade-rural.pdf. Acessado em 8 de julho de 2025.
TEIXEIRA, Gerson. Brasil – paraíso fiscal do Agro a qualquer preço ou crime. Mimeo, junho de 2025.
*Agrônomo, Doutor em Geografia e Militante do MST no Rio Grande do Sul
**Editado por Pamela Oliveira