PIX derruba o varejão dos assaltos no Brasil?

por Jacqueline Muniz

Segundo o Anuário 2025 do Fórum Brasileiro de Segurança, divulgado em final de julho, registrou-se, entre 2018 e 2024, uma redução dos assaltos de 51% no Brasil, com destaque para as quedas dos roubos no comércio (24,4%) e a transeuntes (22,6%). Trago aqui uma contextualização provocativa. O maior responsável por este declínio não foi a segurança pública e suas políticas estricto sensu. Foram bem mais as transferências instantâneas pelo dispositivo gratuito do PIX. A popularização do PIX pode ter provocado uma drástica redução da circulação de dinheiro em espécie — e até do “dinheiro de plástico” (cartões) — nos espaços públicos e privados de circulação coletiva, das ruas ao comércio, deixando a bandidagem varejista de bolso vazio abanando armas em vão.  Estima-se que 76% da população usa o PIX em pequenas e frequentes transações e que este se tornou, nos últimos anos, o principal meio de pagamento do país, via smartphones. 

O varejão dos assaltos começou a deixar de compensar diante da redução das oportunidades de ganhos criminais continuados nas rotinas urbanas: ruas, transportes, shoppings, cruzamentos, sinais e calçadas. Menos dinheirinhos vivos parados nos nossos bolsos e nas caixas registradoras, menos lucratividade para os assaltantes autônomos e, em boa medida, amadores. A questão passou a ser não dar bobeira com o celular e fazer um PIX dentro de um lugar seguro.

Pode-se dizer que o custo de partida para assaltar foi ficando mais salgado — e pouco atrativo para os microempreendedores criminais após a implantação do PIX. Para fazer um “corre” com assaltos, é preciso contrair despesas antecipadas: bancar o aluguel da arma, a compra de munição, a logística mínima para explorar as ocasiões que fazem os ladrões, e ainda, ter alvará da ORCRIM para atuar em sua área, provisionar uns caraminguás para propinar anotações criminais e cobrir a quebra de BO caso dê azar e caia nas mãos da polícia.

Com o PIX, as oportunidades criminais foram sendo desidratadas, mesmo com o cruzar de braços das políticas publicitárias de segurança. Gasta-se mais assaltando à mão armada do que a bandidagem autônoma e individualizada é capaz de arrecadar por dia de despesa assumida.  Com o andar dessa roleta, a equação financeira do roubo comum parece ficar cada vez mais negativa.  É claro que dá muito mais trabalho, gasta-se muito mais tempo e bem mais recursos violentos ter que obrigar cada vítima a fazer um PIX durante o dramático “mãos para o alto – ou perdeu, playboy”. Chega a ser disfuncional! O crime já foi mais feliz quando bastava levar a bolsa ou carteira e vazar imediatamente do local do crime. Afinal, aumenta-se ainda mais o risco de prejuízo ser um bandido-destinatário que é identificável e localizável pela sua chave-pix e conta bancária ativos. O crime tem mais o que fazer do que pagar para roubar transeuntes, ser devidamente reconhecido e ter o “CPF cancelado”.

Crimes violentos como a saidinha de banco e o sequestro relâmpago, que giravam em torno de saques em espécie, também parecem perder funcionalidade até como bicos para levantar a vida criminosa caída. O dinheiro já não circula como antes. A vítima pode até transferir no ato, mas pode ser rastreado depois. O ganho é incerto — e o risco mais ampliado. De fora para dentro, da rua para o celular. Da pistola para o link. O roubo parece estar saindo da esquina e caminhando para o app. O dinheiro está no ar — literalmente — e se seguir desse jeito a bandidagem vai ter que se capacitar, se alfabetizar para golpes nas avenidas e praças digitais.

A hipótese animada e saliente aqui é a de que a segurança pública em sua política tradicional de sobre gasto repressivo sem foco, porém com alta visibilidade, pouco fez para comemorar essa queda. O patrulhamento ostensivo continua reativo, dependente do 190, o que reduz a polícia a uma polícia do depois que assaltou, sem capacidade efetiva de dissuasão e presteza na pronta-resposta. A baixíssima elucidação desses crimes segue refém de fatores imediatos e auto evidentes de resolução que antecedem e independem de qualquer trabalho investigativo. São eventos pontuais, descontínuos, com menores chances de flagrantes, que rendem inquéritos destinados ao arquivo e que carecem de prestígio na rotina policial. Assaltos não constituem uma prioridade investigativa. Apesar de violento, alcançar qualquer um e ser um propulsor da percepção coletiva da insegurança, o varejão dos assaltos tem feito parte da feijoada das ocorrências de somenos importância política-policial. Enquanto o crime vai migrando para o digital, o Estado segue ainda desviando os olhos no offline. Todo mundo no zap da bolha da segurança, na terra sem lei — e sem patrulha — da internet.

A explicação da queda dos roubos comuns está mesmo fora da polícia e da segurança pública? Sim. Ela pode estar na reorganização do espaço e atividade criminais provocada pelo Banco Central com o PIX, que alterou a racionalidade econômica dos crimes comuns de oportunidade e de ganhos modestos e cumulativos de curto prazo. Parece que a polícia seguiu olhando o chão enquanto o crime subia para a nuvem. E foi o Banco Central, sem fuzil, sem colete, sem sirene, sem caveirão, quem anda desarmando o roubo comum Brasil afora, empurrando o prejuízo para o lado bem de lá do crime. O PIX já pode pedir música no Fantástico!

Jacqueline Muniz – Antropóloga e cientista política. Professora do bacharelado de Segurança Pública da UFF. Gestora de Segurança Pública

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Last Update: 30/07/2025