No dia 13 de maio, o portal Opinião Socialista, do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), publicou um artigo intitulado 137 anos de uma abolição que preservou o racismo, assinado por Shirley Raposo. Como o nome indica, o texto minimiza a importância da abolição da escravatura — algo que, além de erro metodológico, é um crime político, seguindo a orientação do imperialismo sobre o tema.

Abolição ou panaceia universal?

A autora inicia o texto citando o caso da estudante negra do Colégio Presbiteriano Mackenzie que tentou suicídio após ser importunada por colegas. Critica a instituição por “não ter acolhido a vítima, nem tomado providências públicas contra o agressor”, mas se limita a isso, não indicando como realmente os oprimidos poderiam alterar essa situação.

A autora realiza toda uma introdução repetitiva, rica apenas em apelo emocional, para afirmar que:

“Um mesmo sistema que continua dizendo, dia após dia, que a liberdade e a dignidade ainda não nos pertencem. O que há de comum nesses casos? A certeza de que a abolição foi assinada em 13 de maio de 1888 não garantiu reparações. Não garantiu terra, moradia, alimentação, renda, emprego, e nem sequer a vida. Quase 140 anos depois, seguimos assistindo à infância negra sendo tratada como ameaça e à juventude negra sendo esmagada nas escolas, nas ruas, nas cadeias, nos manicômios.”

É necessário iniciar com o óbvio: a vitoriosa luta abolicionista tinha como objetivo acabar com a condição de escravo. Até então, os negros não tinham igualdade jurídica com os cidadãos livres. Eram propriedades, com poucas exceções, como a compra da alforria. Se a autora não precisou comprar sua própria alforria, deve agradecer à luta vitoriosa dos abolicionistas.

Embora grandiosa, essa luta era limitada — até mesmo pelas condições históricas em que se sucedeu. A abolição ocorreu em 13 de maio de 1888, mas até 1891 o sufrágio no Brasil excluía os sem teto, mulheres, padres, pobres, analfabetos, membros de ordens religiosas e militares de baixo escalão do direito ao voto.

Mulheres só conquistaram o direito ao voto no Brasil em 1932; os analfabetos, em 1988, com a nova Constituição Federal — mas ainda hoje são inelegíveis. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinada apenas em 1948. Como espera a autora que todas essas questões — algumas das quais persistem até hoje — fossem resolvidas pela abolição?

Os erros metodológicos persistem, seja por desconhecimento técnico ou conveniência política. Elencando casos de opressão, Raposo questiona se a escravidão realmente foi superada, demonstrando ignorância sobre o tema ou manipulando-o para sustentar sua tese:

“Dizem que a escravidão acabou. Mas como acreditar nisso quando uma criança negra de onze anos é ameaçada por policiais apenas por rir? Quando uma jovem negra precisa ser hospitalizada após ser agredida por colegas brancos que não a suportam em um colégio de elite? Quando mães negras enterram seus filhos e ainda são obrigadas a provar que eles eram inocentes?”

Se a criança negra não é enterrada até o pescoço com melaço na cabeça para ser devorada por insetos, não tem partes do corpo — inclusive a genitália — explodidas para entretenimento ou não é vendida, estamos distantes do que foi a escravidão. Uma boa descrição da barbárie que foi a escravidão está em Os Jacobinos Negros, de C. L. R. James.

A sociedade burguesa é violenta, cruel. As que a antecederam o foram em escala ainda maior, seja pela depravação ou pela austeridade que a luta contra a natureza impunha naquele momento. O regime escravista foi um dos propulsores de capital que permitiram o desenvolvimento do capitalismo. Como quase tudo na sociedade, em algum momento, contribuiu para o avanço social, sendo superado e extinto.

Devemos ressaltar que a política de retrocesso econômico pode fazer ressurgir esse fenômeno social como flagelo — produto do declínio capitalista.

Depreciar a abolição é desmerecer a luta

A abolição da escravatura não foi algo espontâneo. Como todo fenômeno social, foi impulsionado por uma luta férrea. Retirar a importância desse acontecimento, tratá-lo como algo que não deve ser comemorado, é menosprezar uma mobilização de massas vitoriosa.

Comemora-se justamente por ter sido uma vitória, fruto de uma luta exitosa. Exalta-se o objetivo alcançado, e não o meio. É estranha essa inversão promovida pelo identitarismo.

Essa importante vitória é subestimada em todos os aspectos — desde a limitação de suas consequências (algo natural para o momento, como exposto acima) ao fato de ter sido promulgada por uma princesa branca.

Houve diversos abolicionistas brancos importantes, como o oficial Benjamin Constant, o poeta Castro Alves, e, regionalmente, o casal José Mariano Carneiro da Cunha e sua esposa, Olegária da Costa Gama, líderes do Movimento Abolicionista de Pernambuco. Foi uma mobilização de massas, com movimentos combativos como os caifazes, que contou inclusive com o apoio de um regimento inteiro do Exército. Quando esse regimento foi mobilizado para reprimir os insurgentes abolicionistas, assassinou seu próprio major.

Um momento histórico glorioso que deveria ser estudado por todos os que se colocam ao lado da classe trabalhadora.

É necessário destacar que essa posição não é isolada. Desde veículos da direita, como a Folha de S.Paulo, até órgãos de partidos de esquerda, como o Opinião Socialista, promovem a mesma linha. Essa política — expressão da ideologia woke, o identitarismo — segue uma orientação dada pelo imperialismo, que deprecia tudo o que contribui para a mobilização e organização dos trabalhadores.

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Last Update: 17/05/2025