PIB, emprego e popularidade

por Paulo Kliass   

            Os resultados relativos a algumas das variáveis mais importantes para o desempenho macroeconômico do Brasil têm provocado uma série de debates e indagações no ambiente da economia, das finanças e da política. A divulgação oficial de informações a respeito do Produto Interno Bruto (PIB) e, também, a respeito do desemprego reacende a polêmica entre analistas, uma vez que os dados publicados pelo IBGE deveriam oferecer um cenário bastante mais positivo para o governo do que aquele revelado pelas pesquisas de opinião.

            O desempenho da economia brasileira ao longo de 2024 apresentou um crescimento de 3,4% na comparação com o ano anterior. Trata-se de um número expressivo, ainda mais se comparado às expectativas geradas ao longo do ano pelos representantes do financismo. Afinal, em janeiro de 2024, a pesquisa Focus do Banco Central (BC) projetava um crescimento do Produto em apenas 1,6%. Sabe-se que essa consulta, que orienta as ações e as estratégias do BC, envolve pouco mais de uma centena de indivíduos, todos ligados à direção dos bancos e demais instituições financeiras. Assim, confunde-se desejo, torcida e pouca capacidade técnica realizada com seriedade.

            No que se refere aos dados do mercado de trabalho, as informações reveladas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) são também positivas. A taxa de desocupação em 2024 fechou em 6,6% do total da População Economicamente Ativa (PEA). Este é o menor índice atual desde que a série começou a ser divulgada em 2014. Ao que tudo indica, a tendência se mantém no início de 2025, apesar de que a taxa de trimestre encerrado (6,5%) em janeiro tenha registrado uma pequena elevação em relação ao trimestre anterior (6,2%). De qualquer maneira, o desemprego oficial está em níveis bastante reduzidos.

PIB e desemprego estão bem.

            Apesar das deformações provocadas pelas reformas trabalhistas efetuadas durante os governos Temer e Bolsonaro, a pesquisa também revela informações otimistas quanto ao rendimento dos trabalhadores. A remuneração real média dos que vivem de sua força de trabalho foi de R$ 3.343 e isso significou uma elevação de 3,7% em relação à mesma variável no ano anterior. Por outro lado, a massa real total de rendimentos atingiu R$ 340 bilhões, revelando um aumento de 6,2% na comparação a 2024. Apesar disso, parece claro que tal recuperação das condições gerais do mundo do trabalho ainda enfrenta questões estruturais dramáticas, a exemplo da jornada exaustiva (6×1), da precariedade (trabalhadores de aplicativo) e da informalidade na contratação da mão-de-obra.

            No entanto, frente a um quadro como este, quais seriam as razões que estariam levando a maioria da população brasileira a manter uma avaliação negativa a respeito do governo e do próprio Presidente Lula? Um dos argumentos mais utilizados para justificar essa aparente contradição refere-se ao crescimento dos preços. Realmente o IPCA de 2024 registrou uma alta de 4,8%. Isso significou um acumulado em 12 meses mais elevado do que o limite superior da meta oficial da inflação. É importante registrar que foi o próprio Ministro Haddad quem sugeriu ao Presidente Lula reduzir o centro da meta para 3%, com intervalo de 1,5% para cima ou para baixo. À época, boa parte dos economistas que se identificam com o terceiro mandato alertamos para o equívoco e para os riscos envolvidos em tal decisão. Tratava-se de um objetivo irrealizável e que só seria utilizado como argumento pelos financistas para jogar a SELIC nas alturas. Afinal, o argumento de sempre era de que a inflação estaria “fora do controle”.

            A absoluta falta de sentido político e econômico de tal proposta de Haddad pode ser confirmada pelo gráfico abaixo. Durante os últimos 24 anos, a inflação anual medida pelo IPCA só ficou abaixo de 3% em 2017, quando atingiu 2,9%. Além disso, se considerarmos o limite superior da meta de 4,5%, a inflação efetiva teria estourado esse número em 17 anos do período.

Brasil – Inflação anual – IPCA (2001-2024)

                              Fonte: IBGE

            Por outro lado, além da inflação geral ter registrado uma ligeira elevação em relação ao ano anterior, o aspecto mais relevante para a maioria da população refere-se ao peso da inflação de alimentos, que atingiu o nível de 7,7%. Além deste item, houve também aumentos acima da média para grupos importantes como educação (6,7%), saúde (6,1%) e despesas pessoais (1,5%). No caso específico de alimentação, houve aumentos superiores a 10% no ano em São Paulo e mais 2 capitais.

Inflação e austeridade comprometem a melhoria.

            Outro fator que contribuiu para a alta de preços foi o comportamento da taxa de câmbio ao longo de 2024. No início do ano, o dólar estava cotado abaixo de R$ 5,00, mais precisamente a R$ 4,91. Por um conjunto de razões, inclusive a ação especulativa e de chantagem dos conglomerados do financismo contra eventuais flexibilizações na conduta da austeridade, houve uma escalada ao longo dos meses, com a cotação encerrando o ano acima de R$ 6,00, mais precisamente R$ 6,18. Como o governo optou por não atuar de forma incisiva para demonstrar a irracionalidade de tal movimento contra a nossa moeda, as consequências de tal desvalorização afetou direta e indiretamente um conjunto de bem e serviços importados que contribuíram também para o aumento do IPCA.

Brasil – 2024 – Taxa de câmbio R$/US$

                              Fonte: Poder 360

            Esses dados da realidade econômica se somam aos efeitos negativos derivados da implementação da política rigorosa da austeridade fiscal. Desde o início do terceiro mandato de Lula, o foco principal da estratégia de Fernando Haddad no comando da economia tem sido a respeito às regras draconianas da ortodoxia neoliberal. Assim a busca permanente por resultados de compressão das despesas primárias tem provocado uma redução das capacidades estatais de forma geral. Os gastos não financeiros têm sido submetidos à redução das dotações orçamentárias, com exceção das contas que recebem um tratamento específico por determinação constitucional, como saúde, educação e previdência social.

            A preocupação oficial em reduzir o volume de gastos públicos nas áreas sociais e nos investimentos do governo provocam uma diminuição da presença pública em setores mais sensíveis. O exemplo mais recente da própria crise dos alimentos revelou os efeitos da opção por anular o orçamento federal para as políticas essenciais de estoques reguladores. Além disso, o governo Lula voltou atrás em sua promessa de campanha de reajustar o salário-mínimo pela reposição da inflação mais um ganho real correspondente ao crescimento do PIB. O modelo de Haddad previa um ganho real limitado a 2,5%. É importante registra também as medidas visando a redução da abrangência do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o fim gradual do abono salarial. Tudo em nome da suposta “responsabilidade fiscal”.

A popularidade despenca.

            Ora, se partirmos do princípio de que a vitória eleitoral em outubro de 2022 foi por uma margem apertada, qualquer estratégia política deveria incorporar a preocupação em ampliar as medidas do governo para ampliar a base de apoio. E isso se faz, dentre outras medidas, por meio de recuperação do protagonismo do Estado em áreas sensíveis. No entanto, o caminho sugerido por Haddad foi na direção oposta. Dessa forma, o que tem ocorrido é um desgaste político crescente do núcleo do poder central.

            As pesquisas de opinião têm registrado um aumento preocupante das avaliações negativas da popularidade de Lula e de seu governo. Assim, os resultados parecem informar que as melhorias registradas pelos indicadores macroeconômicos não sensibilizaram a maioria da população. Mais uma vez, vale relembrar o ensinamento da saudosa professora e economista Maria Conceição Tavares. É dela a autoria da famosa frase: “Ninguém come PIB, come alimentos”

Popularidade Lula (2023-2025)

                                Fonte: Datafolha

            Faltam apenas 19 meses para a disputa eleitoral que pode definir a reeleição de Lula. A cada dia que passa fica ainda mais urgente uma mudança significativa na definição da política econômica do governo. A manutenção da obsessão haddadiana com a austeridade fiscal cega e burra tem corroído a base popular de apoio ao governo. Trata-se de uma verdadeira ilusão essa tentativa permanente de agradar o povo da Faria Lima em detrimento do atendimento das reais necessidades da grande maioria da população. Afinal, os números têm demonstrado que não basta o PIB crescer o desemprego diminuir. O povo quer mais.

É urgente mudar a política econômica!

            Estamos sofrendo as consequências de outra opção equivocada de Lula no passado e no presente. Refiro-me ao recuo na proposta de regulação dos grandes meios de comunicação e da constituição de um poderoso grupo de comunicação pública. Tal opção faz com que os setores progressistas e o próprio governo dependam essencialmente dos grupos que compõem esse oligopólio privado. E que insistem na tecla de bater na figura do Presidente da República, ao mesmo tempo em que preservam e elogiam a conduta austericida de Fernando Haddad. Neste caso específico, faz falta um movimento robusto de órgãos de comunicação para se contrapor à narrativa das classes dominantes. E para isso não basta trocar os responsáveis e aperfeiçoar a estratégia de comunicação do governo. A tarefa para chegar em condições de vitória em outubro de 2026 é muito mais complexa.

Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

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Last Update: 11/03/2025