A subprocuradora-geral da República Maria Caetana Cintra defendeu que o Supremo Tribunal Federal reforme uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que trancou a tramitação do processo sobre as circunstâncias da morte do ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado por agentes da ditadura militar em janeiro de 1971. A manifestação chegou ao STF nesta terça-feira 28.

A PGR, contudo, pede que a ação seja suspensa até o STF deliberar sobre os efeitos da Lei da Anistia nos casos de graves violações de direitos humanos cometidos por agentes públicos durante o regime. No mérito, a PGR sustentou que essa lei não deve valer no caso dos militares envolvidos na morte de Paiva.

“Diante do caráter intrínseco da conduta específica, seu contexto histórico e as razões que motivaram o crime, há efetiva e grave violação aos direitos humanos. Consequentemente, é plausível a hipótese trazida pelo recorrente, em especial em face das recentes decisões das Cortes Internacionais, sobre a inadequação da aplicação da anistia – e especificamente da Lei de Anistia brasileira – para as graves violações dos direitos humanos relatadas”, diz o parecer.

Segundo a PGR, portanto, cabe ao STF — e não ao STJ — decidir se a Lei da Anistia deve ser aplicada a esse caso.

A ação em questão chegou ao STF em 2021, a partir de um recurso do Ministério Público Federal contra a decisão do STJ que trancou a ação.

Cassado após o golpe de 1964, Rubens Paiva foi preso em sua casa, no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1971, por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica. Os militares acreditavam que o ex-deputado seria uma espécie de interlocutor entre exilados políticos no Chile e militantes da luta armada no Brasil.

O objetivo da prisão era chegar ao paradeiro do ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, àquela altura considerado um dos principais inimigos do regime. Eunice Paiva, esposa do deputado, e uma de suas filhas também foram detidas. Paiva morreu no dia seguinte à captura, por não resistir a bárbaras sessões de tortura. Seus restos mortais nunca foram encontrados.

A história do desaparecimento político de Paiva e a luta de sua companheira por respostas são retratadas no filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles. O longa-metragem foi indicado ao Oscar 2025 nas categorias de Melhor filme e Melhor Filme Internacional. Fernanda Torres, que interpreta Eunice, concorre ao prêmio de Melhor Atriz.

O MPF denunciou os cinco militares envolvidos no caso em 2014. O general reformado José Antônio Nogueira Belham, comandante do DOI em 1971, e o coronel reformado Rubens Paim Sampaio, ex-agente do Centro de Informações do Exército, foram enquadrados nos crimes de homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa armada.

Já o coronel Raymundo Ronaldo Campos, oficial de plantão no DOI-I em 22 de janeiro, e os sargentos Jurandir e Jacy Ochsendorf e Souza foram acusados de fraude processual e associação criminosa armada. Os investigadores chegaram aos envolvidos no assassinato de Paiva após cruzar depoimentos de militares, ex-presos políticos e o médico que atendeu o deputado, já moribundo.

Um dos relatos colhidos pelo MPF partiu do coronel reformado Paulo Malhães, que afirmou ter recebido a missão de sumir com os restos mortais de Paiva — uma ação oficial custeada pelo Exército. Segundo ele, a ossada do parlamentar estava na Praia do Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio, em um saco plástico. O militar e outros 15 homens retiraram o cadáver do local e lançaram-no ao mar.

A denúncia chegou a ser acolhida pela Justiça Federal do Rio e posteriormente chancelada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O STJ, porém, acolheu um recurso da defesa dos acusados e mandou interromper o andamento do processo, sob a alegação de que o caso deveria ser analisado na Justiça Militar.

Os advogados dos militares também obtiveram êxito no STF em 2014, ao conseguir uma liminar para reconhecer uma suposta violação da autoridade da decisão da Corte no âmbito da ação sobre a constitucionalidade da Lei da Anistia. O relator do caso no tribunal era o ministro Teori Zavascki. Com sua morte, em 2017, Alexandre de Moraes herdou o processo.

Dos cinco denunciados pelo MPF, estão vivos apenas o general Belham e o sargento Jacy Ochsendorf e Souza. Ambos recebem dos cofres públicos 23,4 mil e 35,9 mil reais, respectivamente. O entendimento é que militares processados pelos crimes da ditadura podem continuar a receber aposentadorias e gratificações até que se esgotem todos os recursos na Justiça.

No início de janeiro, a deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS) apresentou um projeto de lei para suspender a remuneração de militares denunciados por violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade praticados no regime. O objetivo da proposta, argumenta a parlamentar, é “assegurar o equilíbrio entre o interesse público e os direitos individuais”.

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Last Update: 28/01/2025