A entrevista de Bolsonaro à jornalista Raquel Landim do UOL, publicada nesta quinta-feira (28), está carregada de evidências. Indiciado por inquérito da Polícia Federal (PF) pela tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente já admite fuga e ainda dá sinais de que vai responsabilizar aliados pelas ações criminais.
Questionado se pediria refúgio numa embaixada, caso seja decretada sua prisão, o inelegível respondeu: “Embaixada, pelo que vejo na história do mundo, quem se vê perseguido, pode ir para lá”.
Sobre o plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, o ex-presidente deixou claro que a estratégia será responsabilizar a sua leal ala militar.
“Que plano era esse? Dar um golpe com um general da reserva, três ou quatro oficiais e um agente da PF? Que loucura é essa? Ali no prédio da Presidência trabalham mais ou menos 500 pessoas. E eu sei o que cada um tá fazendo?”, reagiu.
Ele disse não ter a menor ideia do que seja o plano. “Começou a colocar em prática esse plano? Pelo que eu sei, não”.
Ocorre que o relatório da PF não deixa dúvidas sobre essa trama golpista. Preso na operação Contragolpe, o general Mário Fernandes, que foi secretário-executivo da Secretaria Geral da Presidência, é apontado como responsável pela elaboração do plano “Punhal Verde e Amarelo”.
De acordo com as investigações, o militar teria imprimido o planejamento dos assassinatos em de 9 de novembro de 2022 no Palácio do Planalto. Depois disso, ele teria ido até o Palácio do Alvorada, residência oficial da Presidência então ocupada por Bolsonaro.
“Mário Fernandes era o ponto focal do governo de Bolsonaro com os manifestantes golpistas. Além de receber informações, também servia como provedor material, financeiro e orientador dos manifestantes antidemocráticos”, diz um trecho do relatório da PF.
Minuta do golpe
Na entrevista, Bolsonaro também admite ter conversado sobre “artigos da Constituição” com os comandantes das Forças Armadas para “voltar a discutir o processo eleitoral” após o pleito de 2022, mas diz que a ideia logo foi “abandonada”.
De acordo com a PF, a reunião, realizada no dia 7 de dezembro, depois do segundo turno da eleição presidencial, foi convocada pelo então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, sob ordens de Bolsonaro.
Além do ministro da Defesa, estavam presentes o comandante Freire Gomes (Exército), o brigadeiro Batista Júnior (Aeronáutica), o almirante Almir Garnier (Marinha), e o assessor para assuntos internacionais, Filipe Martins. Este último leu a minuta do golpe e deixou o encontro.
Sobre a reunião, Freire Gomes disse à PF: “Sempre deixei evidenciado ao então presidente da República Jair Bolsonaro que o Exército não participaria na implementação desses institutos jurídicos visando reverter o processo eleitoral”.
O ex-comandante da Aeronáutica relatou também que o general Freire Gomes ameaçou prender o ex-presidente caso levasse adiante uma tentativa de golpe de Estado.
“Em uma das reuniões dos Comandantes das Forças Armadas com o então Presidente da República, após o segundo turno, depois de o presidente Jair Bolsonaro aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, o General Freire Gomes afirmou que se caso tentasse tal ato, teria que prender o presidente da República”, disse no inquérito Batista Júnior.
Adesão
O ex-comandante da Aeronáutica ainda garantiu que o chefe da Marinha, Almirante Almir Garnier Santos, colocou tropas à disposição para atender ao pedido de Bolsonaro.
“Que em uma das reuniões com os Comandantes das Forças Armadas, dentro do contexto apresentado pelo então presidente Jair Bolsonaro de possibilidade de utilização da GLO, o Almirante Almir Garnier afirmou que colocaria suas tropas à disposição de Jair Bolsonaro. Que tal posição foi dissonante dos demais Comandantes (Exército e Aeronáutica)”, diz o ex-comandante no depoimento.
O inquérito da PF considera as informações dessa reunião esclarecedora sobre o porquê não se prosseguiu o plano de golpe de Estado: “A consumação do golpe de Estado perpetrado pela organização criminosa não ocorreu, apesar da continuidade dos atos para conclusão da ruptura institucional, por circunstâncias alheias à vontade do então presidente da República, Jair Bolsonaro, no caso, a posição inequívoca, dos comandantes do Exército e da Aeronáutica, General Freire Gomes e Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos Almeida Baptista Junior, e da maioria do Alto Comando do Exército, de permanecerem fieis aos valores que regem o Estado Democrático de Direito, não cedendo às pressões golpistas”.