A Polícia Federal concluiu que a estrutura clandestina conhecida como “Abin paralela”, montada dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi usada para espionar, sem respaldo legal, o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel.
A informação consta no relatório final do inquérito conduzido pelo órgão, obtido pela TV Globo. Segundo a investigação, a operação foi coordenada pelo então diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, e teve motivações políticas, vinculadas ao grupo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O documento da PF detalha que a agência de inteligência utilizou uma fonte humana com vínculos ao escritório político do Partido Social Cristão (PSC), ao qual Witzel era filiado. A pessoa foi recrutada para monitorar clandestinamente tanto o ex-governador quanto outros integrantes do partido, incluindo o então procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem.
De acordo com a PF, a infiltração dessa fonte nos bastidores do partido tinha como objetivo fornecer informações sigilosas para o núcleo político ligado ao então presidente da República. O relatório menciona anotações apreendidas com o próprio Ramagem, que indicam o interesse direto em acompanhar de perto os movimentos de opositores e adversários políticos.
“O colaborador teria sido recrutado para fins políticos com o objetivo de monitorar de forma clandestina opositores como Witzel e Gussem junto ao grupo político vinculado ao Presidente da República”, diz o relatório da Polícia Federal.
A investigação também identificou uma contrapartida ao informante. Ele foi nomeado, em 17 de março de 2020, assessor técnico do Gabinete Regional da Presidência da República no Rio de Janeiro. A PF considera que essa nomeação foi uma retribuição direta pelos serviços de espionagem prestados à estrutura paralela montada na Abin.
Segundo a Polícia Federal, o caso é representativo do uso da máquina pública para atender interesses eleitorais e políticos. O relatório destaca que a atuação da Abin paralela “configura o uso indevido da máquina estatal, com infiltração deliberada em partidos adversários sob pagamento com carga pública — sem qualquer finalidade institucional”.
Entre as informações repassadas à Abin pela fonte infiltrada, o relatório destaca um movimento liderado por Everaldo Pereira, presidente nacional do PSC. Segundo a PF, o pastor articulava a expansão da influência do partido para viabilizar a candidatura de Wilson Witzel à Presidência da República.
Essa movimentação política, de acordo com a investigação, teria motivado a reação da Abin paralela no sentido de neutralizar a ameaça representada por um eventual adversário eleitoral.
A conclusão da PF indica que o uso da estrutura clandestina da Abin se deu fora dos parâmetros legais e institucionais e que o objetivo principal da espionagem era produzir vantagem política para aliados do ex-presidente.
O relatório reforça que não havia justificativa institucional para a infiltração em estruturas partidárias, tampouco para o uso de cargos públicos como forma de remuneração por informações coletadas ilegalmente.
O deputado federal Alexandre Ramagem, que foi indiciado no inquérito, se manifestou por meio de sua conta na rede social X (antigo Twitter). Na publicação, ele criticou os resultados da investigação conduzida pela PF.
“A investigação da PF descambou. Revelou-se apenas criatividade endereçada à imprensa; vontade da Abin de não ter controle; uma PF desestruturando a inteligência de Estado; e, ao final, rixa política interna contra a administração de Lula na Abin”, escreveu.
Ramagem não negou diretamente os elementos apurados, mas associou as conclusões a disputas internas e interesses políticos dentro do atual governo. A defesa do parlamentar ainda não apresentou resposta oficial sobre o indiciamento.
O relatório final da Polícia Federal será encaminhado ao Ministério Público Federal, que decidirá sobre a apresentação de denúncia contra os envolvidos. Caso a Procuradoria-Geral da República acolha os indícios apresentados, o deputado poderá ser formalmente acusado e responder criminalmente pelas ações identificadas na operação.
As investigações fazem parte de um conjunto de apurações que analisam o uso de estruturas de Estado para fins não institucionais. O inquérito sobre a “Abin paralela” é considerado pela PF um exemplo de como o aparelho estatal pode ser instrumentalizado para beneficiar determinados grupos políticos.
O caso ainda será avaliado judicialmente, e o Supremo Tribunal Federal poderá ser acionado, já que o principal investigado exerce mandato parlamentar. Até o momento, o Palácio do Planalto e a atual direção da Abin não se pronunciaram oficialmente sobre o relatório.