A Polícia Federal concluiu o inquérito que apurou o uso de sistemas clandestinos de monitoramento dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e enviou o relatório final ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O documento inclui o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), do vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) e do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) entre os indiciados. Ramagem foi diretor da Abin durante parte do mandato de Bolsonaro.
Segundo informações divulgadas pela CNN Brasil, os três são apontados como integrantes de uma estrutura paralela de espionagem dentro da Abin, que teria operado à margem das normas legais com o uso de softwares de rastreamento sem autorização judicial. A prática ficou conhecida como “Abin Paralela”.
As investigações começaram em março de 2023, após denúncias sobre a utilização do sistema de espionagem FirstMile, de origem israelense. O programa, contratado pela Abin, permitia a localização de dispositivos móveis com base na triangulação de sinais de antenas telefônicas.
De acordo com os investigadores, o uso do sistema ocorreu sem qualquer tipo de autorização da Justiça, o que viola leis que regulam a atividade de inteligência e proteção de dados no país.
O software teria sido empregado para vigiar pessoas consideradas opositoras ao governo Bolsonaro. Entre os alvos estariam políticos, advogados, jornalistas e outras figuras públicas, cujos deslocamentos podiam ser monitorados em tempo real. A PF identificou que o controle judicial sobre essas ações foi deliberadamente evitado por membros da agência.
No decorrer da investigação, outras ferramentas tecnológicas utilizadas de forma irregular também foram descobertas. Esses recursos, segundo o inquérito, foram empregados por agentes da Abin para fins de monitoramento sem respaldo legal, o que levou à ampliação do escopo da apuração.
O relatório aponta que o sistema FirstMile permitia identificar a localização de qualquer celular em território nacional a partir do número do aparelho. Esse acesso era realizado sem qualquer mediação de operadoras ou ordem judicial. A apuração revelou ainda que não havia qualquer tipo de protocolo interno que limitasse ou registrasse o uso do software, permitindo que agentes acessassem os dados de forma autônoma.
Durante as diligências, a Polícia Federal teve acesso a e-mails internos, registros técnicos e comunicações entre servidores da Abin. O material, segundo os investigadores, indica que a contratação e a operação do sistema ocorreram com conhecimento da alta cúpula da agência e com participação de autoridades políticas ligadas ao Palácio do Planalto à época.
O deputado Alexandre Ramagem, que ocupava a diretoria da Abin durante parte do período investigado, é citado como responsável por autorizar ou permitir o uso do FirstMile sem os devidos controles. Já Carlos Bolsonaro é apontado como articulador político da estrutura paralela, com acesso aos dados produzidos pelo sistema. Jair Bolsonaro, segundo a PF, teria ciência e anuência sobre as atividades de espionagem conduzidas pela agência.
O envio do relatório ao STF tem como base o foro privilegiado dos envolvidos. A Corte será responsável por decidir sobre o andamento da ação penal, incluindo eventual recebimento da denúncia pelo Ministério Público Federal.
A investigação se insere em um conjunto de apurações que envolvem a atuação de órgãos de Estado durante o governo Bolsonaro. Em outros inquéritos, há menções ao uso de estruturas oficiais para fins particulares ou político-partidários, o que tem sido alvo de atenção das autoridades judiciais.
A defesa dos indiciados nega qualquer ilegalidade e afirma que o uso de ferramentas tecnológicas na Abin sempre respeitou os limites da legislação vigente. Em nota anterior, o advogado de Carlos Bolsonaro declarou que “não há qualquer prova de participação ou interferência” do vereador nas ações da Abin. A assessoria de Ramagem também afirmou que o parlamentar “não praticou nenhum ato fora da legalidade enquanto esteve à frente da Abin”.
Com a conclusão do inquérito, caberá agora à Procuradoria-Geral da República avaliar o conteúdo do relatório e decidir se oferece denúncia formal contra os envolvidos. Caso a denúncia seja acolhida pelo STF, os indiciados se tornarão réus no processo.
A apuração da PF sobre a “Abin Paralela” se soma a outras frentes de investigação que analisam o uso da máquina pública durante o período em que Bolsonaro ocupou a Presidência. As conclusões do inquérito poderão ter implicações políticas e jurídicas a depender do desdobramento do processo no Supremo.