
O Brasil soma a terceira maior população de animais domésticos do mundo: são mais de 160,9 milhões, entre cães, gatos, aves, répteis, peixes e pequenos mamíferos, de acordo com levantamento da Abinpet e do Instituto Pet Brasil, de 2024.
Consequentemente, os números deste mercado são igualmente gigantes. Tutores de cães costumam gastar, em média, R$ 408,76, enquanto os de gato costumam desembolsar cerca de R$ 200 por mês.
No entanto, a compra de produtos para suprir as necessidades básicas destes animais pode se transformar em um transtorno, caso o consumidor escolha fazer pedidos pelo marketplace Petlove e enfrentar um problema logístico.
Isso porque a empresa impõe como praxe o prazo de até 24 dias úteis para liberar o dinheiro do cliente em casos em que a entrega do pedido foi cancelada ou caso o endereço não seja encontrado – fato que fere uma série de artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A empresa acumula queixas desta natureza no Reclame Aqui. Em uma delas, o pedido foi feito no dia 11 de agosto, porém, a entrega da ração de cachorros não foi concluída porque o endereço não foi encontrado.
Como resposta, a empresa afirmou que o prazo do estorno é de 20 dias.

Caso o cliente peça que a entrega seja cancelada, seja por erro no pedido ou no endereço de entrega quando os produtos já estão com a transportadora, o procedimento é o mesmo: 20 dias úteis de espera até que a empresa registre a devolução dos produtos no estoque e mais dois dias úteis para liberar o valor como vale-compra. Veja a resposta padrão da empresa aos consumidores:

Código de Defesa do Consumidor
Ao impor um prazo total de até 22 dias úteis para estornar o dinheiro do cliente, mesmo em casos em que o consumidor erre o endereço ou os produtos adquiridos, a Petlove infringe os artigos 6º, 35, 39 e 49 do CDC, de acordo com a advogada Carolina Vesentini, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec).
“Ainda que tenha havido um equívoco inicial do consumidor no preenchimento do endereço, uma vez formalizado o pedido de cancelamento, aplica-se o direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC. Nesse caso, o fornecedor deve restituir imediatamente os valores pagos, monetariamente atualizados. O CDC não autoriza que a empresa retenha o dinheiro por longos períodos sob justificativa logística. O prazo de até 20 dias úteis para liberar o valor é desproporcional e configura abuso (art. 39, V do CDC), pois coloca o consumidor em desvantagem excessiva”, afirma a advogada.
Carolina explica ainda que a prática é abusiva porque inviabiliza a recomposição imediata da compra pelo consumidor. “Quando falamos de itens essenciais , como alimentação e cuidados básicos de animais, o atraso no estorno tem impacto direto no bem-estar do consumidor e de seus pets, acentuando o caráter abusivo da conduta.”
Em geral, o valor gasto por tutores de animais em itens básicos, como comidas e suplementos, tende a ser alto – o que pode inviabilizar a recompra dos produtos com recursos próprios, enquanto o consumidor aguarda o prazo de até 24 dias para a resolução da Petlove.
Nestes casos, o cliente deve registrar uma reclamação na plataforma consumidor.gov.br, a fim de tentar agilizar a resolução do problema, além de acionar o Procon estadual ou municipal, que podem instaurar processo administrativo contra a empresa.
Se a compra for paga no crédito, o consumidor pode tentar cancelá-la junto à administradora do cartão e solicitar o estorno direto. E, em última instância, segundo Carolina, o cliente pode recorrer ao Juizado Especial Cível, pleiteando o ressarcimento imediato.
Mas o cliente que se sentir prejudicado pela conduta da empresa pode pedir reparação por danos morais. “Quando o consumidor demonstra prejuízos concretos, como impossibilidade de comprar itens de primeira necessidade para os animais, ou quando a empresa persiste de forma reiterada nessa prática, é possível pleitear danos morais. Os tribunais já reconhecem que o descumprimento de prazos legais e a retenção indevida de valores podem caracterizar prática abusiva passível de indenização”, continua a advogada do Idec.
Ao negar a restituição imediata dos valores gastos por consumidores na loja virtual e impor prazos longos e arbitrários, a Petlove fere:
- Art. 6º, VI: direito básico do consumidor à reparação de danos patrimoniais e morais;
- Art. 35: direito de exigir cumprimento da oferta ou restituição imediata do valor pago;
- Art. 39, V: vedação de exigir vantagem manifestamente excessiva.
“Um ponto relevante é a reincidência da prática. Como mencionado, há diversas queixas contra a empresa, o que evidencia conduta reiterada em desacordo com o CDC. Essa prática pode configurar até mesmo infração administrativa, sujeita a sanções pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e Procons. Além disso, é importante destacar que, no comércio digital, o consumidor já se encontra em posição de vulnerabilidade, pois depende exclusivamente da boa-fé da empresa no cumprimento de prazos. O CDC existe justamente para equilibrar essa relação e evitar que fornecedores transfiram o ônus de sua logística para o consumidor”, conclui Carolina Vesentini, do Idec.
Resposta
Em nota, a Petlove informou que “o prazo informado para reembolso representa um limite máximo, considerando as variáveis logísticas regionais e a necessidade de retorno dos produtos ao estoque. Ainda assim, a maioria dos casos é concluída em prazos menores, como no exemplo citado, finalizado em cerca de uma semana. O procedimento tem como objetivo garantir a segurança das transações e evitar riscos de fraude, como pedidos de estorno sem a devolução da mercadoria. Reconhecemos, contudo, que todo processo pode ser aprimorado e, por isso, seguimos revisando nossas práticas para oferecer a melhor experiência possível aos nossos clientes.”
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