O jornalista e diretor de Brasil 247 Florestan Fernandes Jr. publicou uma coluna no portal, intitulado O ódio de Trump joga o mundo de volta à idade média, para brindar o mundo com o “tecnofeudalismo”, explicado por ele como uma era na qual “os novos senhores feudais se impõem através da exploração de dados e do alto grau de dependência de tecnologias digitais das imensas massas humanas”, o que não passa de uma forma besta de lembrar que como todos os países, os EUA têm uma classe dominante que se sustenta no poder por meio de uma ditadura. Quem, porém, seria o líder desse “tecnofeudalismo”? O presidente norte-americano Donald Trump, sobre quem o jornalista comenta:

“Desde sua posse em 20 de janeiro, Trump assinou mais de 70 decretos, o que é estratégico para os planos de impor um estado autocrático nos EUA. Boa parte desses decretos permite ao presidente dos EUA adotar medidas sem a aprovação do Congresso e, muitas delas contrariando a constituição do país. Produzindo medidas no atacado, o governo estadunidense dificulta o conhecimento e as críticas a elas.”

É quase como se no governo do democrata Joe Biden, o mundo estivesse em uma situação idílica e de repente, das profundezas do inferno, um homem laranja surgisse para levar uma sociedade suicida ao apocalipse. Nada mais longe da verdade.

Em primeiro lugar, nem Trump e nem a extrema direita norte-americana surgiram do além, sendo antes resultado de décadas de política neoliberal. Um dos principais responsáveis pela crise social é justamente o ex-presidente Joe Biden, a quem Fernandes Jr. faz uma defesa velada ao reproduzir fielmente a propaganda típica do imperialismo conFostra o republicano.

O autor não entra no mérito, mas esquece que o “democrático” governo Biden foi tão bem avaliado pela população norte-americana que em primeiro lugar, o homem não pode concorrer à reeleição, porém como isso se revelou insuficiente, a democrata indicada (sua vice Kamala Harris) foi derrotada de maneira avassaladora. Nas eleições gerais de 2024, Trump e os republicanos conquistaram não apenas uma vitória folgada para a presidência (com a maioria dos delegados e dos votos absolutos), mas também a maioria republicana nas duas casas do Congresso (Casa dos Representantes e o Senado) e também, a maioria dos governadores, levando 27 estados (contra 23 dos democratas). Uma conjuntura como essa não nasce do aquém e do além, sendo antes resultado de um processo.

Fernandes, porém, não se interessa por esse processo porque isso implicaria em reconhecer, em primeiro lugar, que não existe essa bobagem de “Idade Média tecnofeudal”. Existe um sistema social em franca decadência chamado imperialismo. O imperialismo, por sua vez, tinha Biden como seu representante e agora, com Trump, tem um opositor.

Trump é apoiado por setores menores da burguesia norte-americana, que buscam por um fim às guerras imperialistas não por questões humanitárias, naturalmente, mas por não aguentarem mais arcar com os enormes gastos decorrentes das aventuras militares dos EUA. Esse é o fundo econômico de sua disposição para encerrar conflitos e sua relutância em iniciar novos. Já Biden, profundamente ligado ao núcleo duro do imperialismo, adotou uma política belicista desde o início de seu governo, marcando sua posse com bombardeios na Síria e encerrando seu mandato com 15 meses de cumplicidade ativa em uma das mais brutais campanhas genocidas da história contemporânea. Seu alinhamento irrestrito aos interesses do grande capital financeiro e do complexo industrial-militar explica essa postura, demonstrando que sua política externa não passa de um reflexo da ditadura dos setores mais poderosos da classe dominante, que precisam desviar parcelas crescentes do orçamento norte-americano para a manutenção de seu domínio do mercado mundial.

É exatamente essa a questão de fundo social que Fernandes Jr. ignora. Sua análise não passa de uma reciclagem da ladainha do Partido Democrata, que precisa pintar Trump como uma ameaça absoluta para esconder o desastre de sua própria administração. O “tecnofeudalismo”, expressão que o jornalista utiliza para dar um ar sofisticado ao seu alarmismo, é apenas um pretexto para desviar a atenção do fato de que Biden e os democratas governaram de maneira desastrosa, aprofundando a crise social e política dos Estados Unidos. A repressão contra movimentos populares, a entrega de trilhões aos banqueiros e a escalada de guerras imperialistas não parecem ser “autocráticas” o suficiente para Fernandes Jr., que só vê tirania quando um republicano está no poder.

Além disso, o colunista finge desconhecer o papel do identitarismo na ascensão de Trump. A ofensiva autoritária e repressiva promovida pelo governo Biden, sob o pretexto de combater o “ódio” e “proteger minorias”, foi um dos principais fatores que alimentaram a revolta popular e impulsionaram a extrema direita. A política identitária não só não freou Trump, como serviu de combustível para sua popularidade. Mas é claro que Fernandes Jr. jamais admitiria isso. Sua função, como porta-voz da esquerda domesticada, é garantir que o Partido Democrata continue ditando as regras do jogo, ainda que, no fim, seja ele próprio o maior responsável por fortalecer aqueles a quem diz combater.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 08/02/2025