No Brasil, os homens são 94% das vítimas de homicídios causados por armas de fogo. Entre 2012 e 2022, essas mortes subtraíram 38 mil vidas, de maneira que para cada três homens assassinados, dois são por armas de fogo. Nesse universo, é gritante a desigualdade racial: os homens negros são 79% das vítimas — ou quase oito em cada dez —, sendo três vezes mais propensos aos assassinatos por armas de fogo do que os não negros.
Os negros do sexo masculino também são as principais vítimas de violência armada não letal, como lesões físicas ou outros tipos de violência associada ao emprego de arma de fogo, em todas as regiões do país. No Norte e Nordeste, representam mais de 80% das vítimas.
Os dados fazem parte do relatório “Violência Armada e Racismo – O papel da arma de fogo na desigualdade racial”, produzido pelo Instituto Sou da Paz, tendo como base dados de 2012 a 2023, obtidos junto ao Datasus, que congrega os sistemas de informações geridos pelo Ministério da Saúde. O foco no sexo masculino deve-se ao fato de que eles são a grande maioria das vítimas de mortes e lesões por armas de fogo.
Ainda segundo o levantamento, entre as vítimas letais e não letais, a maioria é jovem e periférica. No caso dos jovens, a arma de fogo é o meio empregado em mais de 83% dos homicídios de adolescentes e jovens. Na faixa dos 15 aos 19 anos, chega a 85% e entre 20 e 29 anos, a 43%.
“Esse perfil reflete desigualdades estruturais profundas, em que gênero, idade e raça se combinam para gerar vulnerabilidades específicas que sujeitam jovens negros periféricos ao envolvimento com a violência”, aponta o relatório.
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A região Nordeste concentrou a maior proporção de homicídios masculinos por armas de fogo no ano de 2022, com 48% do total, e apresentou a maior taxa de homicídios armados, com 57,9 mortes por cem mil homens.
O Norte respondeu por 13%, mas teve a segunda maior taxa de homicídios masculinos, com 48,9 mortes por 100 mil homens O Centro-Oeste representou a menor proporção de casos, 7%, e a terceira taxa de homicídios por arma de fogo, com 26,6.
Já o Sudeste registrou 21% dos homicídios masculinos, mas teve a menor taxa regional, com 16,2 por 100 mil homens, enquanto o Sul teve uma taxa de 11% dos homicídios e taxa de 23,1 por 100 mil.
Dinâmicas criminais
Os dados obtidos pelo Sou da Paz permitiram um conjunto de análises relativas às dinâmicas criminais da violência armada, que assumem características diversas em cada região, mas que guardam em comum aspectos como a presença do crime organizado, como tráfico e milícias.
Para aferir essas diferenças, o levantamento pegou algumas “cidades-símbolo” desses problemas: Belém (PA), Salvador (BA), Cuiabá (MT), São Paulo (SP) e Porto Alegre (RS).
Para ficar em alguns exemplos, no caso de Belém (PA) — cujas taxas de homicídios por arma de fogo mantiveram-se duas vezes maior do que a observada no interior do estado até o ano de 2018 — o estudo aponta a cidade estratégica para o tráfico de drogas e armas. “Como um dos principais portos da região Norte, a cidade serve de ponto de entrada e saída para o transporte de mercadorias ilegais, viabilizado pela vasta extensão de rios e florestas que dificultam a fiscalização e o controle”, afirma.
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O estudo também destaca a atuação de milícias nas periferias da cidade, assim como a violência decorrente da expansão do desmatamento e da mineração ilegal na região amazônica.“Esses processos estão intimamente associados às atividades das facções que exploram as áreas desmatadas para o tráfico de drogas, mas, principalmente, para a extração ilegal de recursos”, salienta o documento.
Ouro exemplo é Cuiabá (MT), que desempenha papel central na logística do tráfico de drogas no Brasil, principalmente no que diz respeito à cocaína. “Localizada próxima à fronteira com a Bolívia, um dos principais produtores mundiais da droga, Cuiabá é uma rota essencial para o transporte da cocaína que entra no Brasil e é distribuída para outras regiões do país, principalmente o Sudeste e o Nordeste, além de servir como ponto de passagem para exportação internacional”, explica.
No caso da capital paulista, o documento observa a influência que o domínio do PCC teve sobre a dinâmica local, ponderando que, nos anos mais recentes, “a violência armada se deslocou do confronto direto para formas mais sutis de controle e coerção, que envolvem desde resolução interna de conflitos até imposição de ‘taxas’ sobre o comércio local”.
Dessa forma, observa que a facção “tornou-se parte da estrutura social e econômica das periferias e a violência se tornou menos visível. Portanto, a queda das taxas de homicídio em São Paulo não deve ser interpretada como um sinal de pacificação ou melhora definitiva nas condições de segurança pública, mas um efeito da regulação do crime”.
Por fim, o estudo aponta que o quadro geral demonstrado nos dados colhidos indica “a urgência de políticas públicas capazes de alterar a ordem social que produz mortes violentas em contextos de vulnerabilidade social e racial”.
Para superá-lo, defende ser preciso “investir em medidas inteligentes de repressão às dinâmicas criminais que estão mais complexas, o que implica fortalecer as capacidades estatais, de transparência e controle, inclusive, das instituições da justiça criminal”.
Ao mesmo tempo, diz ser necessário “implementar políticas sociais e de prevenção perenes, voltadas especialmente à juventude, capazes de incidir nas profundas desigualdades raciais marcam a vida das periferias”.
Com informações do Instituto Sou da Paz