Mineração artesanal libera mercúrio na atmosfera
Pesquisa de mestrado analisou as concentrações do metal em árvores de duas cidades de Mato Grosso
Por Eliane Fonseca Daré, no Jornal da Unicamp
O uso de mercúrio na mineração artesanal e de pequena escala (atividade conhecida pela sigla Mape), especialmente no caso da extração de ouro, é uma prática comum em diversas regiões do mundo, incluindo a América Latina, a África e partes da Ásia.
Devido a seu baixo custo e à facilidade com que o mercúrio se liga ao ouro, pequenos mineradores utilizam essa técnica. No entanto, tal prática acarreta sérias consequências ambientais e para a saúde humana, dada a toxicidade do vapor de mercúrio e seu alto grau de mobilidade.
Uma pesquisa de mestrado realizada no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp procurou avaliar a presença desse metal na vegetação de duas cidades do norte de Mato Grosso — Peixoto de Azevedo e Nova Santa Helena.
Elaborada por Sheyla dos Santos Brito, sob orientação de Maria José Mesquita e coorientação de Jerusa Schneider, a dissertação avaliou os níveis de mercúrio nas folhas de uma árvore comum nas áreas urbanas da região — a Licania tomentosa, conhecida como oiti, que vem sendo utilizada em pesquisas como bioindicador da presença de mercúrio.
A pesquisa, segundo Brito, pretendeu investigar a influência do comércio de ouro na contaminação do meio ambiente por esse metal.
Durante a extração de ouro na Mape, junta-se o mercúrio ao ouro para isolá-lo dos demais minerais. No processo, há a formação de uma liga metálica pastosa, a amalgamação. Em um segundo momento, para separar os dois metais, faz-se necessário aquecer essa liga.
O processo de queima ocorre em retortas instaladas nas regiões de extração e em capelas (compartimentos com chaminé destinados ao trabalho com gases prejudiciais) presentes nas casas de compra de ouro.
O aquecimento libera grandes quantidades de vapor de mercúrio, um material tóxico que, muitas vezes, escapa para o meio ambiente. Essas emissões podem percorrer longas distâncias e se depositam nas folhas dos oitis assim como na serapilheira — o acúmulo de folhas mortas presente no solo de áreas de mata.

A coorientadora Jerusa Schneider: estudo analisou a distribuição georreferenciada de mercúrio nas folhas e na serapilheira das árvores
Peixoto de Azevedo é uma região associada à mineração artesanal desde os anos 1970. No centro da cidade, há várias lojas especializadas na comercialização do ouro. Já Nova Santa Helena não tem casas dedicadas ao comércio desse metal precioso. Os oitis, por outro lado, encontram-se presentes em ambas as cidades.
Por isso, Brito e Schneider realizaram, em 2021, um trabalho de campo para coletar amostras em três áreas distintas: em Peixoto de Azevedo, em Nova Santa Helena e em uma área de mata nativa próxima à primeira cidade.
“O objetivo era ver a distribuição espacial georreferenciada do conteúdo de mercúrio nas folhas verdes das copas das árvores e nas folhas da serapilheira”, explica a coorientadora.
As amostras, submetidas a um processo de secagem e trituração, passaram por uma análise quantitativa por meio da técnica de espectrometria de absorção atômica a fim de determinar a quantidade de mercúrio presente.

Sheyla Brito (terceira da esq. para a direita) com a equipe de coleta de folhas de oiti: foram encontrados valores elevados de mercúrio em regiões próximas às casas de compra de ouro. Foto: Lúcio Camargo
“Os resultados mostraram valores elevados de mercúrio nas áreas urbanas de Peixoto de Azevedo, especialmente nas regiões próximas às casas de compra de ouro”, afirma Brito, notando que as concentrações do metal na cidade de Nova Santa Helena revelaram-se consideravelmente menores.
Note-se que não há valores de referência nacionais ou mundiais para indicar quais níveis caracterizariam um estado de contaminação por mercúrio em folhas de árvores.
Segundo a pesquisadora, a presença dessas casas, no entanto, “é um dos principais fatores que contribuem para a liberação de mercúrio na atmosfera. Elementos como a topografia, o uso do solo e a direção dos ventos tiveram uma influência direta na forma como esse mercúrio se espalha pela cidade”.
A orientadora da dissertação lembra que “a Aliança para uma Mineração Responsável [ARM] recomenda que essas casas de compra [de ouro] sejam afastadas da zona urbana da cidade”.

Maria José Mesquita, orientadora da pesquisa: recomendação de especialistas é que casas de compra de ouro sejam afastadas da zona urbana
A serapilheira também desempenhou um papel importante no estudo. Nas palavras de Brito, essa camada “acumulou mais mercúrio do que as folhas verdes, indicando que o metal se deposita nas folhas e persiste no ambiente”.
Outro fator importante, o manejo urbano da serapilheira, influenciou diretamente a distribuição do mercúrio, como no caso de se varrer o material contaminado para outras áreas. Por outro lado, a área de mata nativa analisada revelou uma dinâmica diferente daquela das áreas urbanas, com menos pontos de contaminação, mas ainda assim com indícios de deposição de mercúrio no ambiente.
A pesquisa, que contou com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), recebeu apoio da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que deu suporte à coleta e ao preparo inicial das amostras, e do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, que realizou as análises de espectrometria.
O estudo surgiu a partir de um acordo de cooperação estabelecido em 2018 entre a Unicamp e a Universidade de Cardiff (Reino Unido). A iniciativa faz parte de um projeto voltado a mapear os parâmetros ambientais, socioeconômicos e geológicos da exploração artesanal de ouro na cidade de Peixoto de Azevedo e que recebe verba do Global Challenges Research Fund (GCRF), que apoia pesquisas de ponta voltadas a solucionar problemas enfrentados por países em desenvolvimento.
O projeto envolve ainda a elaboração de outra dissertação junto ao Programa de Pós-Graduação em Geociências do IG. Desenvolvido por Matheus Lopes sob orientação de Mesquita e coorientação de Marina Morales, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), esse projeto busca alternativas ao uso do mercúrio na mineração artesanal e de pequena escala.
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