Cannabis para TEPT
O estudo aprovado pelo FDA será conduzido com cerca de 320 veteranos que poderão consumir Cannabis de alto teor de THC de forma “naturalística” — ou seja, no estilo da vida real, sem doses fixas.
Num curioso processo “inverso” — que acontece nos situações em que o uso medicinal da planta antecede as evidências científicas —, o formato do estudo se justifica porque muitos veteranos de guerra americanos já usam Cannabis como um remédio informal, para aliviar os sintomas que sentem.
Uma discussão pertinente que vem de reboque: Cannabis fumada pode ser considerada medicinal? Esse tópico é polêmico, mas ela já é usada medicinalmente desde a década de 80, no contexto do controle de dor neuropática dos pacientes HIV positivo tratados pelo Dr. Donald Abrams.
Segundo a opinião deste médico experiente no tema, a forma fumada de Cannabis pode ser medicinal sim, embora a forma vaporizada seja preferencial. O FDA parece que também se convenceu disso, pelo menos no âmbito da pesquisa científica.
Queda de braço
A aprovação do estudo em si é um marco. Foi uma dura luta de 3 anos da MAPS com o FDA, basicamente tentando convencê-los de alguns pontos importantes do estudo.
Os pontos principais questionados pelo FDA e rebatidos pela MAPS:
1. Alta dosagem de THC: o FDA temia que doses mais altas pudessem gerar riscos desproporcionais aos participantes.
2. Cannabis fumada: o ato de fumar em si não era considerado medicinal pelo FDA e trouxe preocupações de segurança.
3. Uso de vapers: embora teoricamente reduzam riscos, os dispositivos precisam de mais validação técnica para uso clínico com autorização sanitária.
4. Participantes sem experiência prévia com Cannabis: a agência alegou que poderia ser arriscado incluir pessoas que nunca usaram maconha no estudo.
Para ganhar essa queda de braço, a MAPS precisava convencer o FDA que: a dose proposta é segura, que faz sentido considerar Cannabis fumada como uso medicinal, e que é seguro incluir no estudo indivíduos que nunca usaram maconha.
Foi uma briga difícil. Após negociações, a MAPS aceitou que o protocolo do estudo fosse ajustado: participantes deverão ter experiência prévia com Cannabis, e o uso de vapers permanece suspenso até novos dados de segurança. Sim, é isso mesmo que você leu: o uso de baseados fumados foram aceitos, enquanto vaporizadores — que todo usuário considera melhor para a saúde — não foi considerado clinicamente válido.
O mapa abaixo resume o protocolo clínico. Os interessados também podem ter acesso ao protocolo completo do estudo comentado.
Resumo do protocolo clínico aprovado pelo FDA. Imagem disponibilizada pelo autor
Persistência
A MAPS foi manchete nos últimos tempos por não ter conseguido aprovar um registro na mesma área terapêutica, mas com outra substâncias. Agora, a organização dá “a volta por cima”, aprovando o primeiro estudo com Cannabis fumada de alto teor de THC no FDA. Isso abre um novo capítulo na batalha dos veteranos de guerra por terapias alternativas mais eficazes para o transtorno do estresse pós-traumático.
Essa aprovação histórica mostra que há esperança e é preciso ser insistente frente aos inúmeros obstáculos para se realizar pesquisa com Cannabis medicinal — mesmo nos EUA, o país que vem gradativamente se abrindo cada vez mais a uma legalização total da planta.
Para veteranos que carregam as cicatrizes da guerra, isto pode ser a diferença entre o desespero e a esperança. E, para todos nós, é um lembrete de que estigma nunca deve ser um obstáculo para a busca de conhecimento — especialmente quando vidas humanas estão em jogo.
Fabricio Pamplona é doutor em Farmacologia, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).