Perigo atômico

por Heitor Scalambrini Costa

Em um mundo à beira de uma catástrofe nuclear e, tendo ainda de enfrentar a emergência climática com a resistência de grandes corporações em abolir o uso do principal responsável pelo aquecimento global, os combustíveis fósseis, a população mundial se depara diante de um impasse que coloca em risco a existência dos moradores do planeta.

Desde a criação de armas de destruição em massa, as chamadas bombas atômicas, o mundo se curvou perante alguns países que detém a tecnologia e fabricam tais artefatos (USA, Rússia, França, Reino Unido, China, Israel, Paquistão, Índia e Coreia do Norte).

A principal matéria prima da bomba é um dos isótopos do elemento químico urânio. O urânio natural encontrado na natureza é composto de 99,3% de urânio-238 e apenas 0,7% de urânio-235, combustível explosivo (fissionável). Para a fabricação da bomba é necessário aumentar a quantidade de urânio-235. Isto é feito separando o urânio-235 do urânio 238, atingindo níveis acima de 80%. Este processo é denominado de enriquecimento isotópico, e a ultracentrifugação é a tecnologia mais utilizada neste processo. Para a produção de energia elétrica em usinas que utilizam o urânio-235, seu nível de enriquecimento deve ser em torno de 3 a 4%.

A bomba (urânio) foi usada como arma pela primeira vez em 6 de agosto de 1945, contra Hiroshima, e a segunda bomba (plutônio) em 9 de agosto de 1945, contra Nagasaki, cidades japonesas. Segundo estimativas, juntas elas mataram mais de 200 mil pessoas. Desde então não foi mais utilizada em guerras e conflitos, até nos dias atuais, com denúncias internacionais de uso da bomba por Israel na guerra contra os palestinos.

A acusação, com fortíssimos indícios de veracidade, segundo o noticiário internacional, é de que em 16/12/2024, Israel lançou em uma zona montanhosa, próximo a cidade de Tartus, uma bomba nuclear tática, de fabricação americana, a B61, provavelmente a variante Mod 11, destinada a destruição de bunkers, de penetração no solo. Localizada na parte ocidental da Síria, na fronteira com o Líbano, a 220 quilômetros a noroeste de Damasco, está situada na costa do Mediterrâneo e conta com uma população de cerca de 450 mil habitantes.

Segundo relatos divulgados, a bomba lançada provocou um abalo sísmico de 3 graus na Escala Richter (escala de magnitude), sentido no Chipre e na Turquia. Além de picos de radiação, medidos por centros de monitoramento do clima. O artefato nuclear, caso seja confirmado, mesmo com poder explosivo reduzido, provocará uma série de efeitos devastadores, incluindo: calor, onda de choque, e radiação ionizante, que pode causar câncer, doenças graves e mortes.

Lamentavelmente, pelas denúncias, nem sempre divulgadas pelas agências de imprensa do Ocidente, a suspeita é que o atual governo de extrema direita de Israel tem usado tudo que as convenções internacionais proíbem, como as Convenções de Haia (1899 e 1907), que regulamentam a condução das hostilidades e a de Genebra (1949), que protegem as vítimas da guerra – doentes e feridos, náufragos, prisioneiros de guerra, civis em territórios inimigos e todos os civis que se encontrem em territórios de países em conflito. O uso de balas dum-dum, bombas incendiárias, fósforo branco, bombas de fragmentação, são artefatos recorrentemente utilizados, segundo denúncias. Então, usar armas nucleares não seria nenhum espanto, nem novidade.

Confirmado o uso da bomba no atual conflito, a guerra deixa de ser convencional (considerada regular?), para passar a ser irregular, se caracterizando como um extermínio étnico, limpeza étnica, genocídio. Seria mais um passo para atingir os objetivos de avanços e controle de territórios palestinos que contam com reservas consideráveis de petróleo e gás, na área C da Cisjordânia (costa do mediterrâneo) e ao longo da Faixa se Gaza. Tais informações podem ser encontradas no estudo O Custo Econômico da Ocupação do Povo Palestino: O Potencial Não Realizado de Petróleo e Gás Natural da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Unctad.

O uso da violência nos conflitos armados, sobretudo quando os Estados Nacionais não estão envolvidos, de forma direta, permite que sejam cometidas atrocidades com incomensuráveis consequências não só para os povos envolvidos, mas para toda a humanidade.

O perigo nuclear que nos ronda está não somente na fabricação e uso de bombas nucleares, mas também na proliferação de usinas nucleares para produção de energia elétrica, as chamadas usinas nucleoelétricas. Tais usinas utilizando como combustível o urânio 235, enriquecido a 4%, aproximadamente, produz resíduos altamente radioativos, nocivos à saúde humana por milhares de anos. Um dos resíduos produzidos é o plutônio-239, isótopo físsil utilizado na bomba lançada em Nagasaki.

O Brasil domina a tecnologia do ciclo do combustível nuclear, mas não fabrica armas nucleares, pois além do veto explícito na Constituição de 1988, também é signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), assinado em 1998. O que preocupa, é que segundo a World Nuclear Association, o Brasil é uma das 13 nações capazes de enriquecer o minério. Para a fabricação da bomba atômica tupiniquim seria necessário realizar uma reconfiguração, aumentando o número de centrífugas na fábrica de Combustível Nuclear (FCN) da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), localizada em Resende (RJ). Além de uma mudança constitucional e o abandono do TNP.

Um aspecto a ser ressaltado que está presente na cabeça dos militares e de muitos civis no país, é a fabricação da bomba atômica tupiniquim. E, assim, o Brasil entraria no clube fechado dos países detentores dessa arma. Durante o governo da extrema direita, em 2019, o presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, em uma palestra declarou explicitamente a favor do país ter a bomba, alegando “que assim a paz seria garantida”. Este parlamentar foi nada menos do que um dos filhos do ex-presidente, Eduardo Bolsonaro.

Tal opinião em geral causa grandes polêmicas, como em 2003, quando o então ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, afirmou ser favorável ao domínio da tecnologia de fabricação da bomba atômica.

Lembremos também que um dos momentos mais sórdidos de nossa história foi o programa nuclear clandestino/paralelo, iniciado no governo Ernesto Geisel, à margem do acordo Brasil-Alemanha assinado em 1975, para a instalação de usinas nucleares no país. Os militares, em 1979, montaram uma operação clandestina no interior de órgãos oficiais, como a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), para estudar técnicas de enriquecimento de urânio e o uso bélico da energia nuclear, como propulsão para submarinos e a bomba atômica.

A dissuasão, como estratégia para manter a paz é uma ilusão. Em vez de evitar conflitos, a disponibilidade de armas nucleares incentiva seu uso, é um convite, pois ao invés de dissuadir um primeiro ataque, pode convidar a um primeiro ataque. As armas nucleares criam desconfiança e desviam recursos financeiros que poderiam ser aplicados, por exemplo, em acabar com a fome global, e outras mazelas que atingem a maioria da população mundial.

Devido ao imenso poder destrutivo destas armas, caso sejam usadas não se poderia alcançar uma vitória no sentido tradicional, na medida em que esta seria baseada na busca por desarmar o inimigo e impor condições e exigências políticas, o que não poderia, ao menos teoricamente, ocorrer contra um inimigo totalmente destruído. Neste sentido, seria impossível (ao menos teoricamente) a ocupação militar do território do adversário que teria sido atacado pesadamente com armas nucleares, devido à contaminação radiológica.

A gravidade da ameaça nuclear pesa sobre toda a humanidade, e não somente devido às armas nucleares, mas também ao fato das usinas nucleares produzirem elementos radioativos que poderiam ser utilizados para a fabricação da bomba, e que são altamente prejudiciais à vida no planeta, sem que saibamos como lidar com segurança em situação de guerra, e nem com os resíduos produzidos no funcionamento das usinas.

Para além da chamada guerra justa, deve ser ainda dado destaque à justiça na guerra, ou seja, o Direito Internacional Humanitário (DIH), que rege a maneira como a guerra é conduzida, procurando limitar o sofrimento causado. Na resolução de conflitos, o DIH produziu um conjunto de normas internacionais, destinadas a serem aplicados em combates armados, internacionais ou internos, que limitam, por razões humanitárias, o direito das partes de escolher livremente os métodos e os meios utilizados no combate, e assim protegem as pessoas e os bens afetados.

Logo, nas guerras em andamento, em particular nos conflitos envolvendo Israel, Palestina, Síria, Líbano e Iêmen proteger as vítimas de guerra e seus direitos fundamentais, independente da parte à qual pertencem, é imprescindível, e que se leve em conta e prevaleça a ideia de humanidade. O que lamentavelmente não está acontecendo, tendo em vista que o massacre naquelas regiões, segue com o apoio, velado ou não, do Ocidente, o chamado mundo civilizado!

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Heitor Scalambrini Costa – Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco, graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco (DEN/UFPE) e doutorado em Energética, na Universidade de Marselha/Aix, associado ao Centro de Estudos de Cadarache/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França.

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Last Update: 07/01/2025