Em 17 de janeiro de 2016, data fatídica que marca o início do golpe de Estado contra a primeira mulher presidenta do Brasil, Dilma Roussef, a Câmara dos Deputados foi palco de uma cena tenebrosa protagonizada pelo líder da extrema direita brasileira, o ex-presidente Jair Bolsonaro, hoje inelegível e réu em processos no STF que devem a conduzi-lo ao xadrez, destino que anda frequentando e perturbando seu sono.

Ao anunciar o voto pelo impedimento da petista, Bolsonaro fez questão de homenagear o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, considerado o torturador-mor da ditadura militar.

Destaca-se entre as vítimas de Ustra precisamente a ex-presidente, barbaramente torturada pelo militar homenageado em 1970, quando o coronel torturador chefiava o Doi-Codi II da Operação Bandeirantes, em São Paulo. “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff“, foram as palavras pronunciadas pelo político golpista, bizarramente tratado como “mito” pelos extremistas da direita.

Se o Parlamento brasileiro, dominado pelas forças conservadoras e na ocasião presidido por Eduardo Cunha (preso dias depois por corrupção), zelasse pela democracia Bolsonaro seria detido e encaminhado ao xadrez pela defesa explícita da tortura e do regime militar, que saiu de cena isolado e desacreditado em 1985, na sequência da mais ampla, popular e massiva mobilização democrática registrada na história do Brasil, a memorável campanha das Diretas Já.

A democracia brasileira ainda não ajustou contas com a ditadura. Os crimes praticados pelos militares – prisões arbitrárias, assassinatos, “desaparecimentos” e a bestial tortura – permanecem impunes.

A aposta na impunidade, por sinal, foi uma causa relevante para a empreitada golpista que culminou na vandalização da sede dos Três Poderes em Brasília, um crime evidente contra a democracia que já levou um general de quatro estrelas à Papuda e promete o mesmo destino ao caudilho da extrema direita.

Do outro lado, as vítimas do regime e personalidades democráticas continuam fustigando o Poder Judicial para que, ainda que tarde, seja feita a Justiça, como mostra a reportagem da Revista Forum reproduzida abaixo.

Mordomia terá fim?

A Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu no Superior Tribunal de Justiça (STJ), na última segunda-feira (3), a perda do cargo público dos coronéis do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, torturadores da ditadura militar já falecidos.

O rompimento oficial do vínculo dos militares com a administração pública pode levar ao fim do pagamento de pensões e benefícios a seus herdeiros. O pedido foi apresentado pelo subprocurador-geral da República Aurélio Rios e é parte de uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra os dois ex-agentes da ditadura militar.

O argumento da PGR é que, mesmo mortos, Ustra e Maciel não podem continuar reconhecidos como servidores públicos, pois cometeram crimes contra a humanidade, incluindo tortura, homicídio e desaparecimento forçado de opositores políticos. A Lei nº 1.711/1952 estabelece que servidores que pratiquem agressões contra particulares devem ser demitidos e, segundo o MPF, essa norma deve ser aplicada retroativamente para interromper quaisquer benefícios herdados por suas famílias.

Caso o STJ aceite a tese, a medida poderá impactar diretamente os herdeiros de Ustra, que atualmente recebem pensão do Estado. A viúva do coronel, por exemplo, chegou a ser homenageada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que sempre exaltou o militar como um “herói nacional”. Bolsonaro mencionou Ustra em seu voto pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, chamando-o de “o pavor” da petista, que foi vítima de tortura durante o regime militar.

Além da perda do cargo e da anulação das pensões, a PGR argumenta que a Lei da Anistia não deve ser aplicada ao caso. O subprocurador Aurélio Rios reforçou que a imprescritibilidade dos crimes cometidos pelos ex-militares também deve ser levada em conta para responsabilização judicial. Esse entendimento segue precedentes recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a gravidade dos desaparecimentos forçados como crimes permanentes.

“Justamente pelo critério da isonomia, a imprescritibilidade das ações indenizatórias induz à imprescritibilidade das respectivas ações de regresso – que nada mais são que ações reparatórias de danos materiais suportados pela União por prejuízos causados pela conduta dolosa de seus agentes, violadoras de direitos humanos”, afirma o subprocurador Aurélio Rios.

A decisão do STJ poderá ter repercussões importantes sobre outros casos envolvendo agentes da repressão militar. O MPF já vinha tentando responsabilizar Ustra e Maciel desde 2008, quando moveu uma ação civil pública contra ambos. O DOI-Codi, que comandavam, foi um dos principais centros de tortura e execução do regime militar brasileiro.

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

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Last Update: 06/02/2025