Pensadores desconhecidos

por Luís Antônio Waack Bambace e Mario César Ricci.

            Na área de engenharia da qualidade, conhecemos um excelente chefe, que me ensinou o pouco que sabemos sobre chefia e liderança, que um dia ao ser perguntado por uma faxineira terceirizada na empresa onde trabalhei, o que fazer quanto aceitar um dinheiro em troca da promessa de votar num político de ética discutível, respondeu a faxineira: “Se você realmente precisa muito do dinheiro, pega a grana e vota em outro, aí você não só tira um voto do corrupto, como a grana que ele poderia usar para comprar o voto de outra pessoa. Não se deve ser leal com quem é desleal com toda a sociedade, não tem a estória de que ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, faltar com a palavra é algo muito menos condenável que roubar.” Veja que este dito é útil, verdadeiro e bondoso, mesmo que isto não esteja claro a primeira vista. Esta fala controlou a dissonância cognitiva da coitada, quanto ao que era certo no caso. Há casos em que é difícil saber o que é ético e correto. A gente ensina aos outros por exemplos e palavras, e palavras exemplares são algo interessante.

            Na época do Henrique VIII, de reis de poder absoluto, os puxa saco ganhavam barbaridades até o dia em que o rei, ficasse desgostoso com algo que eles fizessem e lhes tomasse tudo, as vezes lhes tirando a própria vida. Aí abonados, ricos e toda a corriola com algum poder resolveu limitar os poderes dos reis, e começou a emergir as raízes da proto democracia. O mundo sempre viu hordas de gente bronca, sedentas de poder tentar ter mais poder, em geral achando que estruturas de clãs tribais seriam úteis a seu propósito. Os Vikings que invadiam a Inglaterra chegaram ao poder nela, não podendo vencê-los a sociedade inglesa deu poder a eles, aí eles tiravam seu quinhão sem matar ninguém ou incendiar nada. Cada nova horda que vem, não sentiu ainda na pele os problemas da concentração exagerada de poder nas mãos de quem quer que seja, e não há chefão sem apoio de ninguém. No passado as tribos chegavam ao poder via guerra, hoje o buscam criminosos de máfias, facções, milícias, grileiros que enriqueceram ilegalmente, estelionatários, ou casualmente favorecidos pela sorte de acertar em cheio em algum setor inovativo.

            Thomas Edison, foi um inventor brilhante. Automatizou a telegrafia. Diz a lenda que inventou o repetidor de telégrafo enquanto estudava durante o dia e trabalhava a noite como operador num posto de telégrafo junto a uma estação de trem ao lado de apenas duas casinhas de empregados da empresa. Dormia sempre no posto depois de inventar o repetidor, até a noite que veio um telegrama para uma das casinhas do lado. O telegrama foi e voltou no sistema diversas vezes, repetido pelos outros operadores, alguém foi lá e o pegou dormindo. Não foi mandado embora, mas recebeu um contrato para automatizar o sistema, que não só tivesse repetidores, como desse alerta em casos futuros idênticos, via uso de cabeçalho e meios mecânicos de comparação, avisando o operador que a mensagem era para o local onde ele estava. Ele ganhou tanto com telegrafia que obteve dinheiro para fazer a lâmpada. Só que este episódio e sua briga com o Tesla, quanto a corrente alternada, fios finos ou barras monstruosas e caríssimas de cobre para levar corrente as cidades, mostrou que ele não tinha uma ética acima de qualquer crítica. Demitiu o Tesla, que foi arrumar emprego na Westinghouse, e aí vieram derrotas em licitações de hidrelétricas para o Edison, que inventou a cadeira elétrica para gerar oposição da população a ideia da corrente alternada e alta tensão na transmissão. Muito dos gênios de hoje são similares, alguns aprenderam com seus erros e melhoraram sua ética, outros não. Só se evolui eticamente quando se pensa no próximo e se leva em conta o “Fazei aos homens o que querem que os homem vos façam”, de Confúcio, Tobias 4, Mateus 7,12 e Lucas 6,31. Veja bem que o que é bom de fato atravessa várias culturas. Hoje um inventor renomado está em conflito com o mandatário que patrocinou, que isto ensine a outros ricaços o risco da concentração de poder, e como dizia o deputado inglês do século XIX: “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”.

             Hoje, no país, parece que hordas de novatos e neófitos pouco esclarecidos, apoiam gente do exterior que sabe que o tumulto interno num país favorece o seu controle por gente de fora dele, e sedentos de poder buscam justamente a concentração de poder. Mas como mostra a Análise de Impacto Cruzado, concentração de poder, que gera a presença de muitos valores próximos entre si da soma das dependências e da soma das influências de cada elo da cadeia de comando, ou elementos de um processo, gera instabilidade e condena sistemas ao fracasso. Junta isto e Teoria de Jogos, e se vê que sistema administrativo tem mais chance de sucesso numa empresa. Por que não usar as ferramentas modernas de análise de estabilidade administrativa de empresas na administração da sociedade? Se não há risco de uma opção ser viciada por natureza, por exemplo face a currais eleitorais controlados pelo tráfego de drogas, milícias e coronéis do sertão, algumas opções são claramente melhores que outras, quando são detalhadas direito, e não geradas no atropelo, com regras falhas em pontos críticos.

            Voltando aos reis de poder absoluto, os poderosos do entorno precisavam de apoio para implantar as cortes de Lisboa, e obtiveram este apoio convencendo muita gente de que teriam parte nas decisões do novo sistema, mas claro, que não queriam perder espaço para a plebe, afinal amavam suas mamatas. Coalizões de parte do lado sábio do poder, dá trancos Maquiavélicos, com mal concentrado, para evitar que seu poder se esvaia, e fazem bem aos poucos, minimamente, para que a demanda por melhorias não os sufoquem. O bode na sala de um tranco, atrasa muito a evolução de uma sociedade. O que se vê hoje?

            Tem a tal da Fronteira de Pareto, que vale para sistemas sociais e processos produtivos. O que ela é? O lugar dos pontos onde não se pode melhorar um aspecto sem piorar outro, ou melhorar para alguém sem piorar para outrem. A evolução da humanidade mostrou que esta zona limite não é estável, a evolução tecnológica tudo melhora. No mundo onde 70% da área plantada é para produzir ração para a cadeia de proteína animal, trocar pasto por valas de cultivo de microalgas muda a Fronteira de Pareto, elas podem produzir mais de 400 toneladas de matéria orgânica seca por hectare e ano, contra 117 de 3 safras de milho de 39 num ano, todas iguais a maior da história. Microalgas já provem 50% da ração da criação de coelho no Japão, a França testa a solução japonesa com seu gado. Quem ficar deitado em berço esplêndido pode perder seu lugar ao sol. Mas aí entra o interesse pessoal versus coletivo. Muita gente de boa fé é animal acuado, por temer que as mudanças positivas à sociedade lhes levem a falência e pobreza. Aí vem a questão de estabilidade de coalizões, Shapley e seu valor, e a capacidade de articulação para fazer a transição não ser dolorida e aos trancos e barrancos. Há os que tem muito poder, e os remediados do poder perdidos no tumulto, buscando sobrevivência a curto prazo, apoiam indevidamente gente que parece ser sua tábua de salvação, mas que piorará tudo a longo prazo. Quem tem má-fé, só olha seus ganhos, e os maximiza no curto prazo a custa de perdas coletivas. Mas muitos mudariam de escolha se tivessem opção de curto prazo. A tecnologia agrícola da época do Júlio César não alimentaria nem 15% da população do mundo de hoje. O colapso do clima está a nossas portas. Tem muita alternativa barata de biocombustíveis ignorada completamente hoje: microalgas, resíduos agrícolas em biodigestores mistos (mesofílicos e termofílicos em zonas diferentes) e pirólise. Tem usinas reversíveis para guardar a energia de painéis solares para as noites da vida. O estado deve eliminar conflitos na sociedade, se ele os estimula a coisa desanda, agora só há dialogo quando todos estão interessados no bem comum, e quem media o diálogo tem de ser criativo para apresentar as partes possíveis saídas. Mamateiro, odeia dialogar, e quando faz acordo rói a corda, visando ganhos de curto prazo ou escapar da prisão. Há quem mate para não perder sua mamata.

            Falta, do poder público, uma solução tão inteligente como a da propaganda do cigarro. No jogo do prisioneiro desta propaganda, a lucratividade das empresas era menos de 1/3 da que elas teriam sem propaganda, mas a empresa que parasse sozinha de fazer propaganda perderia mercado para as outras e quebraria. Aí um governo viu o problema, conversou, proibiu a propaganda e acenou com incentivos à migração para novas áreas de negócio benéficas a sociedade e pouco exploradas. A propaganda do cigarro sumiu e até as empresas de propaganda gostaram, afinal tinham de divulgar novos produtos. É a tal da solução ganha-ganha. Pena que a ganância ou a falta de opção para os plantadores de fumo fez aparecerem o vape. Brigar não faz sentido quando não se está da Fronteira de Pareto que é sempre temporária. Curvas de aprendizado desmentem a ideia do Malthus de que os recursos crescem linearmente e a população exponencialmente, e que assim tinha que se ter recursos drásticos para deter o crescimento da população. O aprendizado é exponencial, e na área tecnológica gera crescimento exponencial dos recursos até o limite de uma tecnologia, mas como há sucessão de tecnologias, a humanidade está muito longe dos limites de recursos. Hoje se fala em chips de 3 nanômetros, nm, e num quantum dot de 3 nm de diâmetro e 3 nm de altura há cerca de 1900 átomos, talvez possa se chegar a 200, com demanda de energia 89% menor, mas aí sai de sistemas planos e vai para os 3D, e a lei de Moore sai da densidade por área e vai ter similar na densidade por volume. Wafers ainda são porosos e espessos, tem mais de 200 nm.

            Olhando para o Brasil de hoje, dá medo de se ter a subida de uma coalizão truculenta de gente de lados podres da sociedade, apoiada por gente de fora, e pela disponibilidade de novos meios de divulgação em massa ainda sem controle social mínimo. A divulgação de itens como emendas para asfaltar condomínios de luxo, fração da cota do centrão, das emendas para verbas para robôs superfaturados em escolas sem água e sem luz, tem seu lado bom e seu lado ruim. De um lado alertam a sociedade para a necessidade de mais controle e de um congresso melhor, de outro podem servir de combustível para gente que quer uma nova ditadura, dizer que elas se justificam porque o congresso e o judiciário não prestam, e que a solução é colocar no governo um salvador da pátria, e que não temos este hoje. Só que não exite salvador da pátria em comunidade alguma, se ele contraria a coalizão predominante esta dá um fim nele, via ostracismo ou assassinato. O Valor de Shapley da voz de cada parcela da população é que define equilíbrios sociais, e ditadura reduz o Valor de Shapley da voz dos menos favorecidos, piorando a situação destes. Se um segmento social não pode se opor mais a uma bandalheira dentro da lei, seu Valor de Shapley cai. O a quem mais é dado, mais será cobrado do evangelho deveria servir de alerta, para o pessoal do andar de cima, de que eles podem ser vítimas de seu próprio veneno, e serem traídos pelos caudilhos que promovem, mas o maior cego é aquele que não quer ver. Aos fiéis a Cristo, lembramos que ele disse: o que está escrito, como tu lês?

Luís Antônio Waack Bambace. Engenheiro Mecânico. Doutor em Aerodinâmica Propulsão e Energia

Mario César Ricci.  Engenheiro Mecânico. Doutor em Mecânica Espacial e Controle.

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Last Update: 03/07/2025