No último domingo, 8 de junho, o portal Opinião Socialista, do PSTU, publicou uma coluna intitulada “Arte não é só o que a gente gosta”, assinada por Jorge H. Mendoza. Tratando sobre o caso Leo Lins, de início, o articulista busca contrapor a noção de que a apreciação política sobre uma determinada obra a impediria de ser definida como arte. Assim, coloca:

Isso significa então que a arte pode ser preconceituosa, racista e servir à opressão? A resposta é um triste sim. […] o ponto é que obras reacionárias continuam sendo obras.

Gostamos de coisas boas e de coisas medíocres. Gostamos do belo mas também do feio e do grotesco (vide os filmes de terror splatter, gore, terror exploitaton etc.). É possível haver fruição estética com tudo isso. O que significa dizer que Arte não é só o que você gosta.

O problema vem então quando o autor se contradiz. Sem a determinação de afirmar claramente que acredita ser correto prender um comediante por contar piadas, adentra um malabarismo argumentativo. O autor de fato elenca argumentos que pareceriam defender o oposto, para chegar à conclusão incoerente com eles, inversão que começa da seguinte forma:

A armadilha de [Leo Lins] está justamente em confundir essa fronteira. E Leo Lins joga politicamente aqui. Com a condenação, alcança uma visibilidade que ele jamais alcançaria sendo o ator medíocre que é. Mirou um nicho de mercado e jogou uma isca para a justiça para se alavancar. E conseguiu.

Não raramente a arte atua nesse tensionamento dos limites sociais. Em geral, para provocar reflexões. O que Lins decidiu fazer foi testar os limites da sociedade, só que para trás. A luta dos setores oprimidos tem tensionado a sociedade para reconhecer de que práticas opressivas são crime, não piada. Isso muda também o que entendemos por humor. Se Lins decide tensionar os limites entre o crime e o humor, a única possibilidade era incorrer em crime. O que de fato aconteceu. Foi uma jogada de marketing, mesmo que as vítimas sejam reais.

Ou seja, aqui vemos que o colunista admite primeiro que a censura é algo ineficiente, e ao invés de coibir o consumo de determinada produção, incentivou enormemente a carreira de Leo Lins. Também é demonstração de que o humorista teve sucesso em aplicar o humor como forma de testar os limites sociais e provocar reflexões, contudo, chega o autor em sua própria limitação política. Sendo o Opinião Socialista vinculado ao PSTU, apoiador da política de censura, resta retornar a essa posição, mesmo com todos os apontamentos anteriores. Assim, a tensão dos limites sociais deixa de ser algo corriqueiro da arte, mas se torna uma “tensão para trás”, deixando de ser definida como tal, e tornando-se crime.

Teríamos aqui uma lição sobre a censura, pois ela levaria a um maior reconhecimento da chamada “tensão para trás”, ou seja, ao invés de levar a uma superação de determinadas ideias, impediria essa superação, jogando um holofote e gerando apoio a tais posições. Ora, pela forma como define o colunista, Lins aparece quase como um artista de vanguarda:

Se Lins decide tensionar os limites entre o crime e o humor, a única possibilidade era incorrer em crime.

Essa passagem fica em si como uma denúncia da censura e do papel da arte, e do questionamento que deve ser produzido pela classe artística. No entanto, o autor não pode defender essa posição, e adiciona:

Foi uma jogada de marketing, mesmo que as vítimas sejam reais.

Ora, que vítimas? Leo Lins, em apresentações privadas, conta piadas para um público pagante, que opta por ver seu espetáculo. Onde haveria vítimas? Para defender a política de censura, o articulista é forçado a produzir “vítimas” inexistentes, de modo a falsear sua posição indefensável, a defesa da prisão de um comediante por contar piadas.

E isso se aceitarmos a falsa premissa estabelecida pelo autor de que “a luta dos setores oprimidos tem tensionado a sociedade para reconhecer de que práticas opressivas são crime, não piada”, o que é falso. A definição de discurso como crime se dá por obra de uma infiltração imperialista entre os oprimidos, através da aplicação de recursos para cooptar esses setores, o que ocorre por meio de reconhecimento acadêmico, projeção artística, cargos em ONGs, ou seja, de dinheiro, de carreira para aqueles que aderem à política repressiva do imperialismo, disfarçada de defesa dos oprimidos.

Mas o próprio autor no Opinião Socialista ainda claramente considera fraca sua argumentação para justificar a perseguição de um humorista, e adiciona:

Portanto, não há dúvidas que estamos diante de um imbecil que deve pagar pelos seus crimes. Mas isso não diminui os riscos da interferência jurídica na Arte. Esse é o grande argumento da direita para advogar uma suposta e abstrata liberdade irrestrita (o que significa liberdade para oprimir). Isso não significa, contudo, que não haja pessoas honestas realmente preocupadas com a liberdade artística.

E com razão. Não há na história um exemplo sequer de interferência estatal na Arte que não tenha sido um completo desserviço.

Ou seja, o autor reconhece que não se deve aceitar uma interferência jurídica na arte, pois a defesa de tal medida seria claramente reacionária e repudiada de maneira geral, condena a interferência estatal, dizendo que nunca na história isso teria sido algo bom, mas ainda assim, busca sustentar que Leo Lins deveria “pagar por seus crimes”, ou seja, por contar piadas. É um malabarismo absurdo, tanto que há a mudança de termos. Lins não seria mais culpado por apresentações, por piadas, mas simplesmente por “crimes”. O suposto crime passa a ser indefinido para falsear a posição defendida.

Assim, o colunista não sabe para onde ir. Como defender que a arte não deve estar sujeita à censura do Estado burguês, enquanto defende que um artista seja censurado pelo Estado burguês?

Isso significa que devemos aceitar qualquer arte reacionária em nome da liberdade artística? De forma alguma. Afinal, como dizia Brecht, “a arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para moldá-lo”. Mas o combate a [sic] arte reacionária não pode ser terceirizado. O rechaço não deve partir dos agentes do estado burguês que, em última instância, não passam de representantes da burguesia. A arte reacionária não pode ser julgada neutra e deve ser combatida – não pode [sic] censores, mas pela crítica viva da sociedade.” (grifos nossos).

E continua:

Nós bem sabemos o que nos sobra quando a burguesia assume para si o julgamento da arte: racismo cultural, criminalização da pobreza, da cultura popular e colonialismo.

Porém, o autor acaba de demolir todos os seus próprios argumentos! Que fazer? Novamente, a mais pura hipocrisia:

Entre Leo Lins, um homem branco, rico e racista, e a justiça burguesa, nenhum lado nos representa a defesa da Arte. O que resta é apenas um criminoso condenado a pagar pelos seus crimes.” (!!!)

É estarrecedor o nível de dissonância cognitiva. Para conseguir tal feito, Leo Lins é transformado de artista, comediante, humorista, ator, em “homem branco, rico e racista”, mas o que está colocado obviamente é um embate entre um artista e a justiça burguesa, a tentativa de censura. Não fosse assim, por que toda a discussão sobre o papel da arte, e do que é arte? O autor deu corda apenas para se enforcar.

Concluindo, a coluna no Opinião Socialista termina com frases de efeito desconexas, contraditórias entre si:

Defendemos a liberdade da Arte, mas não a confundimos com a liberdade para oprimir nem com a defesa da impunidade.

Ou seja, não defendem a liberdade da arte. Por fim, a escatológica conclusão:

Por uma Arte livre, que Leo Lins pague pelos seus crimes.

Pela liberdade, prisão. Impressiona o quanto o texto parece saído diretamente de uma obra como o livro 1984.

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Last Update: 09/06/2025