Por Pedro dos Anjos
(Veneza, ano de 1640)
Certa noite, Galileu recebeu a visita inesperada de dois cardeais.
Após servir-lhes chá e biscoitos, o físico foi interpelado de maneira educada, porém incisiva.
“O senhor nega que o centro do universo é ocupado pela Terra, um desígnio de Deus ao qual o homem não pode se opor?”– perguntou um dos cardeais. O outro foi mais direto:
“O senhor está ciente dos castigos que a Santa Madre Igreja pode lhe impor por suas heresias?”
Buscando demovê-los de seus dogmas irredutíveis, o cientista fez-lhes, respeitosamente, um convite irrecusável:
“Eminentíssimos, peço que vejam com os próprios olhos o que tenho postulado em escritos e palavras. Através desta luneta, os senhores contemplarão a verdade, a realidade do universo sem distorções. Basta fixar a visão neste jogo de lentes. Certamente, ficarão maravilhados e agradecidos pela revelação que tal instrumento óptico proporciona, abrindo nossas mentes para a grandiosidade do cosmos que nos rodeia e encanta a cada dia”.
Diante do convite, os dois homens da Igreja ficaram entre atônitos e constrangidos, procurando esquivar-se. Alegaram compromissos inadiáveis, depois disseram que não podiam se deter em detalhes e prometeram voltar qualquer dia para olhar pelo estranho instrumento.
Retornaram, mas para arrastar Galileu perante o Santo Ofício, quando abjurar foi seu preço para escapar da pira inquisitorial.
[(Pausa para o distanciamento brechtiniano).Galileu interpela a plateia:
“Examinareis as ideias do réu e os fundamentos dos cardeais sobre o cosmo pela minha luneta – ou pela velha doutrina eclesiástica?”]