Por Pedro Augusto Pinho*
Monteiro Lobato, o Brasil, a Rússia, a China e os EUA
José Bento Monteiro Lobato (1882-1948), além do magnífico escritor, que ocupou minha infância e juventude, era também um perspicaz observador e analista de pessoas e países.
Seu encantamento pelos Estados Unidos da América (EUA), onde viveu por quatro anos, não o deixou sem críticas nem o tornou um russófobo, como se constata pela análise de “Poder Soviético”, do Deão de Canterburry, possivelmente o teólogo anglicano George Bell (1883-1958):
“Foi o primeiro livro honesto que li sobre a Rússia. Eu, como toda gente, tinha a cabeça cheia de noções falsas sobre o povo soviético, noções que por muito tempo a Alemanha inoculou no mundo através das suas quintas-colunas, e que o mundo, com a maior ingenuidade, absorveu, permitindo assim que o fascismo fizesse seu jogo. Mas a grande simpatia que sempre tive pela Rússia, fazia que tivesse muito cuidado com o que se espalhava sobre ela e sua experiência política. O diabo, porém, é que eu não encontrava um livro que me esclarecesse, pois todos os existentes sobre o regime soviético padeciam de dois males: proselitismo contra ou a favor, exaltação sistemática do regime soviético ou condenação formal e absoluta. E como nos extremos nunca está a verdade, conservei-me mais ou menos neutro em matéria de Rússia. Um belo dia caiu-me nas mãos o “Poder Soviético”. Li-o comovidamente. Não só porque o autor concordava com o que intimamente eu queria que a Rússia fosse, como porque a lealdade e a sinceridade daquele homem eram coisas insuspeitas. De modo que daí por diante, em matéria de Rússia, passei a jurar sobre o livro do Deão como os puritanos juram sobre a Bíblia” (Monteiro Lobato, “Prefácios e Entrevistas”, Editora Brasiliense, SP, 1951).
E, quanto aos EUA, o confronto com o Brasil, que nunca lhe saiu da cabeça, fazia observar sua eficiência, onde nós apresentávamos ineficiências, e a displicência de rico, quando éramos e somos tão pobres, como nas questões energéticas e industriais (Monteiro Lobato, “América”, Editora Brasiliense, SP, 1951).
Nestes primeiros 25 anos do século 21, tendo-se desmembrado, em 8 de dezembro de 1991, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), restou somente a Federação Russa que se esforça por responder as agressões da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), com a mesma desfaçatez dos nazistas, agora com as denominadas “Revoluções Coloridas”, como a “Maidan” (Kiev, 2013 e 2014). E que a mídia ocidental insiste em chamar de agressão russa realizada por Vladimir Putin.
E assumindo a República Popular da China (China) a liderança entre as potências mundiais, também traz, para muitos, imenso desconforto, como se manifesta uma pessoa amiga:
“Já tive de lidar com chineses, quero distância deles! Não os acho confiáveis, em qualquer nível! Determinados, frios e inteligentes”.
E acrescenta um artigo de terceiro, que termina com o seguinte parágrafo: “A maior fábrica do mundo começa a perder sua força de trabalho, sua juventude, sua vitalidade econômica”.
Mas o Brasil não é membro pleno dos BRICS?
No entanto, desde os falecimentos de Marco Aurélio Garcia (20/7/2017) e Samuel Pinheiro Guimarães Neto (29/1/2024), o País já não sabe mais o que fazer entre a Rússia, Índia, China e África do Sul.
Imagine agora, depois da Cúpula de Kazan (22 a 24/10/2024), com Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Nigéria, países parceiros, que se somam aos já permanentes Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã.
Quem não sabe aonde ir, não vai a lugar algum…
O começo difícil e sem pai, mas com Jorge Manrique
Quando se estuda a História do Brasil, aparecem dúvidas: era propósito de Portugal atingir as costas brasileiras ou foi uma calmaria que deslocou a frota de Pedro Álvares Cabral para o Porto Seguro? Ilha ou continente?
Foi necessário que o italiano Américo Vespúcio (1454-1512) navegasse pela infindável costa brasileira para que afirmasse em alto e bom som: o Brasil não é uma ilha.
E o Brasil, descoberto a 22 de abril de 1500, só passa realmente a existir com a chegada de Tomé de Sousa à Bahia, em 29 de março de 1549, quando se estabelece o primeiro governo-geral, e a cidade de Salvador, como primeira capital. Quase meio século para reconhecer o filho!
Mas as desditas não param por aí. Tomé de Souza chega acompanhado por cerca de mil homens entre fidalgos, militares, marinheiros, funcionários da Coroa, jesuítas, trabalhadores de diversos ofícios, colonos e… degredados.
Nem um ano se passa e começam a chegar do Senegal, de Gâmbia e da Costa do Ouro, na África, os escravos, objetos, coisas para trabalhar e divertir seus donos. Donos do corpo e da alma destas vítimas.
Inacreditável para quem trouxera jesuítas para cuidar da fé e garantir lugar no céu.
Se assim nascemos, como crescemos e chegamos ao que somos hoje?
Há dentre as poesias de Jorge Manrique, espanhol, militar, nascido em data ignorada no século 15, uma que, talvez lembrando sua própria existência, antevê a vida brasileira. Trata-se de “O Mundo que nos mata” (em tradução livre):
“Oh, mundo! como nos mata!
Você nos deu a vida,
por toda nossa vida.
E, como aqui nos trata,
O melhor e menos triste,
É a partida de sua vida.
Tão despojada de bens,
Prazeres e doçuras;
Tão coberta de tristezas e dores.
É seu começo choroso,
Sua saída sempre amarga,
Nunca boa. Pelo meio,
Dá-nos trabalhos.
E, a quem dá vida mais longa,
Mais dá do que se arrepender!
Os bens, suados e com esforços, nos dá.
Porém os males nos veem correndo,
E, depois que eles chegam,
Duram muito mais”.
Dispensa-se tratar da educação. Afinal, o Uzbequistão, o mais recente parceiro nos BRICS, encravado na Ásia Central, com 33 milhões de habitantes, em 448.900 km², de diversificadas etnias, onde prevalecem os uzbeques, têm 100% da população acima de 16 anos alfabetizada, graças ao sistema educacional universal, gratuito e laico, implantado ainda no regime socialista soviético.
Por que o Brasil resiste em manter 7% de analfabetos?
Certamente a descentralização do ensino fundamental, sem diretrizes e fiscalização nacionais, permite que governadores, como o coronel Tarcísio de Freitas, do Estado de São Paulo, o mais rico da federação, leiloe as escolas públicas para serem fonte de receita financeira privada, ao invés de instituição pública para elevação cognitiva do povo.
O Brasil no século 21
Considere-se já em 30 de abril de 2025. O Brasil contará com 24 anos e quatro meses de século 21.
Desse período, o Partido dos Trabalhadores (PT) presidiu o País por 18 anos. Apenas um terço deste século esteve entregue a Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e Jair Bolsonaro. Pode-se então, com segurança, dizer que este é o século do PT.
Na China, considerando a posse de Hu Jin Tao (15/3/2003), foi neste último período governamental que se amoldaram a filosofia de Confúcio, o marxismo de Mao Tse Tung e o neoliberalismo de Deng Xiao Ping, ou seja, a nova China tem pouco mais de 21 anos; três a mais do que o PT no Brasil.
Mas nem se compare o que obteve a China com o que ocorreu no Brasil neste período!
De Deng Xiao Ping restou um pouco de “espírito capitalista”, com o qual Donald Trump promete reerguer os EUA. Mas o suficiente para enfrentar o mesmo Trump na guerra comercial travada com impostos de importação, e, obviamente, havendo necessidade do bem e da tecnologia que ele agrega, com muito maior ou quase exclusivo êxito sobre os EUA.
E o Brasil? Nem mesmo soube recuperar o que está no original da Constituição de 1988, antes das devastações provocadas por Fernando Collor, Fernando Cardoso, Temer e Bolsonaro. Cada um fez o que pode para reconduzir o Brasil a 1821, sob a avaliação da soberania, da capacidade do povo brasileiro decidir o que melhor convém para si mesmo.
E, aos desavisados, o brasileiro não quer esmola, quer escola, como um uzbeque, quer saúde, com garantia de ser vacinado, de ser tratado em ambiente adequado, quer habitação, em local sadio e urbanizado, quer mobilidade urbana, para se deslocar a tempo e com segurança, e por tratar de segurança, o brasileiro quer garantia dos direitos, na rua, na delegacia e no juizado, ou seja, ele quer cidadania e não a mão amiga ou o favor a ser pago na próxima eleição.
Porém o que temos recebido são doses cada vez mais intensas e profundas de neoliberalismo, e com elas, de exclusão, de corrupção em todos os poderes e instâncias, desde o município até o federal.
E então haja orçamentos secretos, invasões de competências, milícia se confundindo com polícia, e quando ocorre, por exceção ou erro, algo que atenda o povo, todo mundo, governo e oposição (será que existe diferença?) correm para faturar. E plim plim! A doutrinação não para nunca!
Este artigo também é uma homenagem ao professor baiano José Walter Bautista Vidal (1934-2013) que, no período em que o Brasil crescia industrialmente, dependia do petróleo importado gerando enorme dívida financeira, criou o Proálcool, o primeiro projeto bem sucedido do uso da biomassa na energia, que, desde então, vem sendo combatido por todos que defendem os privilégios do capital estrangeiro no Brasil.
E agora lançam ferozes ataques a quem desenvolve a energia da biomassa, o Movimento dos Sem Terra (MST), com polícia, prisões e assassinatos.
E se tratando de homenagem, nada mais justo, neste contexto tão deprimente de “centrões” e pedidos de anistia por tentar mais uma vez retirar todo Brasil dos brasileiros, do que nos livrar de uma depressão lembrando o sábio paulistano, neurologista Miguel Nicolelis (1961), autor de diversos trabalhos importantíssimos, dentre os quais destaco os mais recentes: “Muito além do nosso eu, a nova neurociência que une cérebro e máquinas e como ela pode mudar nossas vidas” (2011) e “O verdadeiro criador de tudo, como o cérebro humano esculpiu o universo como nós o conhecemos” (2020).
O gênio Nicolelis é desconhecido no Brasil e ainda mais daqueles que supostamente nos governam, pois são verdadeiros paus mandados.
Porém não é sem razão que a China é a maior potência mundial. Em janeiro de 2025, convidado pelo governo chinês, lá recebeu dois prêmios: o Título de doutor honoris causa da Capital Medical University e o Prêmio Amizade do Governo Chinês, este a mais alta honraria conferida a especialistas e cientistas estrangeiros. Sua trajetória de vida e trabalhos foi narrada em entrevista à jornalista Conceição Lemes, do Viomundo, desde 27/fevereiro/2025.
Mas o Brasil persiste em chupar o dedo. Triste trópico.
*Pedro Augusto Pinho foi professor universitário, consultor da ONU/DCTD, constituiu empresas estatais de petróleo em três diferentes países, e hoje é mais um octogenário aposentado, nacionalista, absolutamente antiescravagista.
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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