Por Pedro Amaral, no Linha Vermelha
É difícil, e talvez inútil, tentar identificar o que há de mais horrendo e repugnante em um genocídio — mas o lento assassinato de civis desarmados pela desnutrição forçada choca especialmente. Assim, gravaram-se na memória da humanidade as imagens dos corpos esqueléticos dos prisioneiros de Auschwitz — uns ainda vivos, outros jogados em pilhas de cadáveres, como se nem humanos fossem.
O horror se repete com o genocídio, em curso, dos palestinos de Gaza, ao quais, além dos bombardeios covardes (assistidos por uma “comunidade internacional” inerte e desmoralizada), enfrentam, agora, a escassez de medicamentos, água e alimentos imposta pelo Estado de Israel. E repetidas vezes são atacados pelos terroristas de Tel Aviv quando se aglomeram na busca desesperada de ajuda humanitária! Relembremos Primo Levi: “Destinados a uma morte quase certa, resta-nos uma única opção, que devemos defender a qualquer custo, justamente porque é a última: a de não permitir que nos façam virar um ‘nada’.”
Nesse cenário de horror, deveria ser dada atenção especial ao relatório SOFI 2025, lançado no último 28/07 durante a abertura do UN Food Systems Summit +4, em Adis Abeba, Etiópia. O documento destaca que, embora o número de pessoas famintas no mundo tenha se estabilizado após o pico da pandemia de Covid-19, ele continua em patamar preocupante: mais de 730 milhões de pessoas estavam em situação de fome crônica em 2024, com Ásia e África concentrando cerca de 90% desse total. Quanto ao Brasil, um ansiado anúncio positivo: o país foi oficialmente retirado do Mapa da Fome da ONU, menos de três anos após haver retornado ao triste ranqueamento, na longa noite bolsonarista.
Evidentemente, os dados dignos de festejo não podem nos fazer esquecer que a desnutrição ainda afeta milhões de brasileiros, e que o país — um dos quatro maiores produtores de alimentos do planeta — tem diante de si o desafio de melhorar a qualidade da alimentação do seu povo, hoje repleta de ultraprocessados (como alerta José Graziano, ex-diretor-geral da FAO). Mas essa vitória já mostra um caminho a ser perseguido e aprofundado: a combinação de políticas de incentivo à geração de emprego e renda, manutenção de benefícios como o Bolsa Família e o BPC, e apoio à agricultura familiar. Além do repúdio ao fascismo.
O necessário sentido de urgência é dado pelos versos do poeta, multiartista e militante comunista pernambucano Solano Trindade, falecido em 1974: “Trem sujo da Leopoldina / correndo correndo parece dizer / tem gente com fome / tem gente com fome / tem gente com fome / Tantas caras tristes / querendo chegar / em algum destino / em algum lugar.”
Pedro Amaral é escritor, mestre em Relações Internacionais e doutor em Letras (PUC-Rio). É autor do livro ”Meninas más, mulheres nuas – As máquinas literárias de Adelaide Carraro e Cassandra Rios” (Pápeis Selvagens)
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.