PEC dos intocáveis e inimputáveis
Por Jeferson Miola, em seu blog
Chamar a Proposta de Emenda Constitucional nº 3/2021 de “PEC das Prerrogativas” é um eufemismo para essa indecência que deveria ser chamada de “PEC dos intocáveis e inimputáveis”.
A proposta, que tramita desde 2021, ganhou impulso decisivo depois que o ministro do STF Flávio Dino requisitou investigações da Polícia Federal em relação a centenas de milhões de reais movimentados por deputados e senadores no esquema corrupto do orçamento secreto.
Embora a reação dos congressistas tenha a intenção imediata de blindá-los em relação a essas apurações da Suprema Corte, os efeitos concretos da medida, no entanto, não se restringem à proteção deles por crimes de corrupção e desvios de dinheiro público, mas sim a todo e qualquer crime que cometam.
A PEC estabelece que um parlamentar homicida, por exemplo, só poderá ser alvo de ação penal se o Senado autorizar, quando o autor for senador, ou se a Câmara autorizar, se o assassino for um deputado federal.
Ainda assim, o assassino não pode ser afastado do mandato, pois é preciso autorização da Casa correspondente.
Medidas cautelares –como prisão domiciliar ou preventiva– só terão efeitos se confirmadas pelo Plenário do STF, não sendo admitidas decisões monocráticas ou de uma das turmas da Suprema Corte.
Se o parlamentar assassino cometer feminicídio ou estupro, dois crimes hediondos e inafiançáveis, eles até podem ser presos em flagrante, mas devem ficar sob custódia da Câmara, se for deputado, ou do Senado, se for senador, até que o plenário da Casa correspondente decida se mantém ou se revoga a prisão decretada pela justiça.
Caso os congressistas decidam manter a prisão em flagrante, o juízo “deverá relaxar a prisão, conceder a liberdade provisória ou, havendo requerimento do Ministério Público: I – converter a prisão em flagrante em preventiva; II – aplicar medida cautelar diversa do afastamento da função pública”, o que significa manter o mandato parlamentar mesmo tendo cometido crime hediondo [artigo 1º].
Patrocinada pela extrema-direita bolsonarista com a adesão de parlamentares de direita e do centrão, a PEC cria um código penal próprio para os congressistas.
A PEC é escandalosamente inconstitucional, pois cria uma casta de intocáveis e inimputáveis, enquanto a Constituição diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”; “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” [artigo 5º].
É uma vergonha a Câmara se mobilizar para aprovar esta medida enquanto não cassa Carla Zambelli, uma fugitiva condenada em definitivo duas vezes, e Eduardo Bolsonaro, outro fugitivo e traidor da pátria que se associa ao governo Trump para atacar o Brasil.
O presidente da Câmara Hugo Motta – personagem ridículo totalmente dessintonizado das reais urgências nacionais e sociais do nosso país, diz que “é uma demanda que atende o espírito da Casa”.
Num ato falho, reconheceu: “um sentimento na Casa de que essa atividade parlamentar precisa –não vou dizer melhor protegida–, mas precisa ser melhor dimensionada”.
Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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