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do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

PEC 65/23: afronta ao devido processo legislativo, pedalada constitucional e anomalia administrativa

Tramita no Senado Federal, a PEC 65/23. Antes de entrar propriamente na PEC, gostaria de alinhar com os leitores deste portal, o que vem a ser uma PEC (proposta de emenda à Constituição).

por Lucas Batista de Carvalho

O artigo 59 da Constituição Federal traz 7 espécies normativas: emenda à Constituição, lei complementar, lei ordinária, lei delegada, medida provisória, decreto legislativo e resolução.

A emenda constitucional é a espécie normativa que altera a Constituição Federal. A Constituição é a chamada de “Carta Máxima” ou “Carta Magna” pelo fato de estar acima de todas as leis e normas. É a Constituição que forma as instituições e as regras gerais do Estado.

Por isso, quem elabora a Constituição é a ANC (Assembleia Nacional Constituinte). A Constituição Federal de 1988 foi promulgada pela ANC, que foi indicada em 1987 e encerrada em 1988. Esta Assembleia é o chamado “Poder Constituinte Originário”.

Neste sentido, o saudoso Ulysses Guimarães, presidente da ANC, já dizia: “A Constituição certamente não é perfeita, ela própria o confessa ao admitir a reforma.” Essa reforma se dá pelo “poder constituinte derivado”. E quem tem esse poder? Deputados e senadores.

E a forma de alteração da Constituição é exatamente por meio de 1 PEC (proposta de emenda à Constituição). Aprovar PEC não é fácil, exatamente pelo fato de que está se alterando a lei máxima do País. Para isso, exige-se no mínimo 308 votos na Câmara, num colégio de 513 deputados, e 49 no Senado, cujo quórum total é de 81 senadores. E 2 turnos de votações, em cada Casa do Congresso, alternadamente. Finalmente, para ir à promulgação, as casas legislativas precisam aprovar literalmente o mesmo texto. Do contrário, vira 1 pingue-pongue interminável até que se chancele o mesmo texto, em casa Casa.

Autonomia do BC
Neste sentido, vejamos a PEC 65/23, de autoria do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), cuja relatoria na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) é do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Valério foi o autor do PLP (Projeto de Lei Complemenntar) 19/19, que deu origem à LC (Lei Complementar) 179/19, que estabeleceu a autonomia ao BC.

O objeto desta PEC é alterar o regime jurídico do Banco Central, dando-lhe autonomia total e irrestrita. Para isso muda-se o regime de autarquia para empresa pública. Ou seja, hoje o BC que é autarquia. Mas se essa PEC for aprovada pelo Congresso se torna empresa pública (ou empresa “pública”).

Assim, é cabível relembrar a diferença de autarquia para empresa pública, segundo o DL 200 (Decreto-Lei 200/67). O DL 200 diz que autarquias e empresas públicas são entidades da administração indireta. A autarquia, por si só, já goza de certa autonomia e independência para fazer suas ações.

O DL 200 estabelece que autarquia é “serviço autônomo que exerce atividades típicas da Administração Pública”, a mesma norma prevê que empresa pública é “entidade de direito privado que explora atividade econômica”, o que é atividade econômica para efeitos da lei?

São as atividades de mercado. Como a Caixa Econômica Federal, os Correios, BNDES. Empresas que exploram o mercado e visam o lucro. Além disso, o DL 200 diz que há critério para criação de empresa pública:

1) tem que ser criada por meio de lei;

2) para a exploração de atividade econômica; e

3) atividade em que o governo seja levado a exercer, por força de contingência, ou de conveniência administrativa.

Ora, em relação à PEC 65/23 vemos que há extrapolação deste conceito de empresa pública. Quer-se criar jabuticaba econômica com Banco Central, que é a autoridade monetária, desligado do governo e da CGU (Controladoria-Geral da União) para ser Banco Central próximo ao mercado, com estrutura jurídica semelhante ao do mercado.

Atividades típicas de Estado
Pelo ordenamento jurídico brasileiro, não há o que se falar em empresa pública para órgãos que exercem atividades típicas de Estado. Se isso vira moda, vamos de aqui alguns tempos discutir a transformação da Secretaria da Receita Federal ou da Polícia Federal, em empresa pública.

Mas esses são órgãos da Administração Direta, diria algum leitor desatento.

O Banco Central é autarquia reguladora do mercado financeiro. Pensemos, então, nas agências reguladoras. Imagina que sonho seria para as operadoras de planos de saúde, que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) fosse empresa pública.

Como seria o comportamento ou reação da indústria farmacêutica, com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sendo transformada empresa pública? Ou quantos pulos de alegria iam dar os executivos das operadoras de telecomunicações com a notícia de a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) de direito privado?!

Ou quantos Brumadinhos, Marianas e Maceiós iriam sofrer como a ANM (Agência Nacional de Mineração) privada?

Em nome do Estado
As agências reguladoras são públicas por 1 motivo: agem com poder de polícia, em nome do Estado. A Caixa Econômica não age em nome do Estado, os Correios não agem em nome do Estado.

No caso, a própria Constituição delimita que o sistema financeiro será regulado por lei complementar e tal LC só poderia emanada do Poder Executivo, por se tratar de estrutura administrativa.

Do ponto de vista político, a PEC é inadequada, pois busca em si o embate, a divisão de poderes. E escancaradamente, visa tirar do Poder Executivo 2 importantes fases do processo legislativo: a iniciativa de lei e a sanção ou veto da norma legal.

Trata-se, então, de proposta que aposta na polarização, que pode parar no STF (Supremo Tribunal Federal), causando desgaste com outro Poder.

Portanto, a PEC 65/23 é antes de tudo, pedalada constitucional e afronta ao equilíbrio entre os poderes. A iniciativa de alterar a estrutura administrativa é do Poder Executivo, e a essa PEC do senador Vanderlan Cardoso, relatada na CCJ pelo senador Plínio Valério, tenta ou busca driblar isso.

Lucas Batista de Carvalho Gestor público, tem MBA em Gestão de Projetos. Analista político na Consillium Soluções Governamentais e Institucionais.

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Última Atualização: 01/07/2024