Neste mês de dezembro de 2025, muita gente foi pega de surpresa com o anúncio de que Pe. Julio Lancellotti estaria sendo afastado das redes digitais. A missa que ocorre na paróquia de São Miguel Arcanjo na cidade de São Paulo não será mais transmitida pelo Youtube. Ainda se espalhou nessas redes que o padre seria afastado das funções na paróquia por decisão do cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer. Desde então, não sabemos de mais nada. O sacerdote católico não explicou o motivo, mas, segundo Denise Ribeiro, jornalista e voluntária que trabalha com o padre, o fim das transmissões é uma determinação da Arquidiocese de São Paulo. Ela conta que a ordem foi recebida na semana passada diretamente do cardeal. O breve texto da jornalista pode ser lido na internet.
O Pe. Julio Lancellotti é uma figura muito conhecida nas redes digitais, na vida social de São Paulo e para além da capital paulista. Desenvolve um trabalho marcante com a população em situação de rua há mais de trinta anos e se tornou referência no tema. Incomodou e incomoda políticos de direita, sendo perseguido pelo prefeito de São Paulo e diariamente atacado nas redes digitais. O padre tem atuação constante, seu Instagram, em particular,tem milhares de seguidores. A conclusão óbvia: o afastamento do padre Julio foi motivo de controvérsia e de várias polêmicas. Especula-se as razões de seu afastamento sem ainda termos nada comprovado.
Lemos em vários textos e notas nas redes que seria alguma forma de perseguição ao padre. Sabe-se que seu trabalho e atuação na internet tem sido alvo de ataques constantes desde 2016 pelo menos. E, recentemente, Pe. Julio foi alvo de sistemático ataque em que se resgatou processos antigos em que foi acusado pela Justiça.
Em 2024, Pe. Julio e seu trabalho pastoral com pessoas em situação de rua foi motivo de uma CPI na cidade de São Paulo perpetrada por um vereador de direita. A CPI foi arquivada. Mas as críticas e ameaças ao padre continuaram.
Qual a novidade destes últimos ataques ao padre Julio? Denúncias que chegaram ao Vaticano e que “obrigaram” o Cardeal arcebispo a tomar alguma decisão. Exatamente quais seriam as denúncias, ainda não sabemos, oficialmente. Como sempre, temos várias especulações. O que se sabe é que um desses “youtubers” de direita e um deputado mineiro do PL fizeram formalmente denúncias contra o mesmo na Nunciatura brasileira.
Nosso texto não tem a intenção de atacar o Cardeal ou julgar suas atitudes públicas sobre o padre Julio, mas tentar entender a situação dentro das informações disponíveis que temos e para além do sensacionalismo midiático. Também não somos neutros na leitura sobre a atuação do padre Julio nas redes de internet. Acreditamos que seu trabalho é de grande importância e tem relevância nos meios de comunicação e na sua opção pelos pobres e marginalizados desse País.
Nossa leitura foca num ponto importante: o papel do padre Julio nas redes digitais no atual momento histórico do Brasil e da conjuntura eclesial vivida pelo catolicismo Romano nas últimas décadas. É público e notório a polarização interna vivida pela Igreja Católica no Brasil desde 2013 e que foi aumentando paulatinamente em 2014…. 2016… 2018 (ponto alto!) e 2022 (com a disputa Lula/Bolsonaro).
Percebemos sem muito esforço uma extrema direita católica atuante sistematicamente nestas redes digitaispoe meio de grupos organizados e “Youtubers” se tornaram populares na internet e chegando a influenciar em dioceses e paróquias. Com militância virulenta, ataques constantes ao Concílio Vaticano II (1962-1965), a teologia da libertação, a defesa de teorias da conspiração, reprodução das ideias de Olavo de Carvalho ou delírios sobe infiltração comunista dentro da Igreja, esses grupos/youtubers prepararam um terreno fétil para ataques de toda ordem. Bispos foram atacados covardemente (a exemplo de Dom Mol ou Dom Vicente Ferreira), teólogos/teólogas, leigos/leigas atuantes nas pastorais sociais, padres… Todas essas pessoas foram impiedosamente agredidos. Em casos mais extremos, rolou processo judicial.
E como não poderia ser diferente e por sua relevância, padre Julio foi um dos alvos que mais sofreu ataques de toda sorte. Desde agressões à sua honra até suas posições políticas.
Acreditamos que um dos pontos que merece uma leitura atenta é as coisas geradas nestas redes digitais. O professor Sérgio Amadeo tem alertado constantemente para o perigos de uma certa militância de direita na internet contemporânea e seus livros mais recentes são necessários para uma compreensão do que ocorre com o padre Julio.
A igreja Católica no Brasil e suas lideranças na CNBB ainda não perceberam a real relevância das redes digitais e seu papel na popularidade de ideias religiosas. Hoje podemos ver uma imensidão de brasileiros/brasileiras que tem um aparelho de celular e faz uso cotidiano dele. Estamos diante de uma realidade inescapável. E o padre Julio não se negou ao trabalho pastoral para além do presencial. Entrou nestas redes e fez e faz uma diferença enorme. Ele ampliou seu horizonte de ação. Como optou livremente e evangelicamente em trabalhar com os mais pobres e em condição de marginalidade, ele se tornou alvo de muitos poderosos ou de religiosos de extrema direita. Além de celebração eucarística, às suas missas aos domingos são lugar de informes e denúncias. O padre indica leituras e reforça um processo de conscientização. Padre Julio é um notório discípulo de Paulo Freire. O nosso mais famoso filósofo da educação é um dos mais atacados por uma direita desqualificada e despreparada para uma profunda reflexão pedagógica.
Para nós, os ataques ao padre Julio vêm, principalmente, pela ameaça que ele representa aos “donos do poder”.
O padre virou personalidade pública e influente na atual quadra histórica deste Brasil constantemente em transe. Padre Julio tem uma autêntica atuação popular. Faz um sistemático trabalho de base e disputa políticas públicas para beneficiar os mais pobres de São Paulo. Virou uma pessoa escutada muito além do marco territorial paulista e tem uma rede de apoio nas redes digitais. E isto incomoda e muito. Dentro e fora da Igreja Católica.
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