Esta quarta-feira (7) marcou um importante momento da luta por memória, verdade e justiça em relação aos crimes cometidos pela ditadura militar. Em reunião com a ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, em Brasília, membros do PCdoB e familiares de mortos e desaparecidos trataram da importância de se intensificar o trabalho de resgate e identificação dos que tombaram na Guerrilha do Araguaia.
A audiência foi a primeira ação pública da Comissão Nacional Memória e Justiça (CNMJ-PCdoB), criada recentemente pelo partido como forma de intensificar a busca pelos mortos e desaparecidos da ditadura, em um novo momento inaugurado pelo governo Lula após os anos da extrema direita no poder.
No encontro, foi entregue à ministra documento em que a Comissão destaca que o PCdoB foi o partido que mais perdeu vidas para a ditadura e que hoje, passados 40 anos da redemocratização do país, “os remanescentes ósseos dos que sacrificaram as suas vidas no Araguaia, lutando pela liberdade, não foram localizados ou entregues aos seus familiares e o seu paradeiro continua ignorado, pois não ocorreu a tão reivindicada abertura dos arquivos do Exército brasileiro”.
Medidas sugeridas
Como forma de enfrentar a questão, o documento elenca sete medidas defendidas pelo partido como fundamentais tanto para o resgate e identificação dos corpos como para a elucidação de outros crimes cometidos por agentes do Estado no período ditatorial.
Um dos pontos solicitados foi a abertura dos arquivos do Exército sobre a Guerrilha do Araguaia, que a Comissão considera como “condição essencial para a localização e identificação dos mortos e desaparecidos nessa luta”.
Leia também: Falta de justiça para atrocidades da ditadura faz do Araguaia uma ferida ainda aberta
Outra questão demandada foi a retomada das buscas pelas ossadas dos mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, bem como a aceleração do trabalho de identificação dos remanescentes ósseos que encontram-se na Universidade de Brasília (UnB) há mais de 20 anos sem terem sido analisados.
A Comissão lembrou que até hoje foram identificados apenas os guerrilheiros Maria Lúcia Petit e Bergson Gurjão Farias, fruto de expedições feitas na região do Araguaia pelo Ministério da Defesa, pela 23ª Brigada de Infantaria da Selva e pela Justiça.
Além disso, a CNMJ-PCdoB pediu o reconhecimento dos direitos concedidos pela Lei da Anistia aos indígenas, camponeses e moradores da região, brutalmente perseguidos no cerco realizado pelos militares que resultou na morte dos cerca de 70 pessoas, entre guerrilheiros e locais.
Também foi enfatizada a necessidade de se identificar e responsabilizar os agentes do Estado brasileiro que cometeram crimes de lesa-humanidade e crimes continuados, como a execução e ocultação de cadáveres dos guerrilheiros do Araguaia, no início dos anos 1970.
Ao mesmo tempo, a comissão defendeu o cumprimento integral das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (2010) e da 1ª Vara Federal de Brasília sobre a Guerrilha do Araguaia (2003) e a devolução do material do PCdoB apreendido por agentes da ditadura em diversas operações repressivas.
Fortalecimento da democracia
Conforme relatado, durante a reunião, a ministra Macaé Evaristo afirmou que o MDHC tem a tarefa histórica de reconstruir a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, fundamental para o resgate do que foi a ditadura e o fortalecimento da democracia brasileira.
Para Nádia Campeão, secretária de Organização do PCdoB e integrante da CNMJ, a audiência teve um significado especial porque “tratou de assuntos da maior relevância para a democracia, a memória, a justiça e a necessidade de reparação”.
Leia também: Comunistas e jovens foram as maiores vítimas da ditadura, aponta pesquisa
A dirigente destacou, ainda, que esses aspectos guardam relação direta com o período atual, “de enfrentamento das forças de extrema direita que procuram retroceder a democracia brasileira e não querem, de forma nenhuma, retomar questões que ficaram pendentes da época do regime militar”. Ela avalia que o ministério “está engajado e comprometido em avançar nessas questões”.
Presente à audiência, o vice-líder do governo na Câmara, deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA), salientou que o tema da audiência “precisa sempre ser revivido com força, protagonismo e assertividade, dadas essas lacunas dolorosas da história brasileira que nós precisamos corrigir, para resgatar a memória e fazer justiça”.

Diva Santana, integrante da CNMJ-PCdoB e familiar de Dinaelza Santana Coqueiro, morta no Araguaia, também participou da reunião e enalteceu tanto a criação da Comissão quanto a disposição do MDHC em lidar com essas questões.
Para ela, o encontro foi um “importante avanço” e as ações da CNMJ “contribuem para fortalecer os trabalhos da Comissão Especial sobre Mortes e Desaparecidos e reafirmam a luta pela memória e pela justiça, em defesa da democracia e do respeito aos direitos humanos”.
Quanto às ossadas que estão na UnB sob custódia da 1ª Vara Federal de Brasília, Diva relatou que o ministério sinalizou com a possibilidade de se reunir com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, para tratar dessa custódia e do desbloqueio necessário para que a identificação possa ocorrer.
Diva reforçou que a continuidade da luta do partido e dos familiares pela memória, verdade e justiça está respaldada pelas duas sentenças já citadas. “Agora, o cumprimento cabe à União”, disse, agregando que tais determinações devem ser cumpridas e que isso não deve ser uma questão de governo, mas de Estado.
Também participaram da reunião, pelo MDHC, o ex-ministro e assessor especial de Defesa da Democracia, Memória e Verdade do MDHC, Nilmário Miranda, e pelo PCdoB, a deputada Enfermeira Rejane (RJ), além de Adalberto Monteiro, Diva Santana, Romualdo Pessoa Filho, Dilceia Quintela, Eneida Santos e Pedro Oliveira, integrantes da CNMJ; Ana Rocha e Márcio Cabreira, ambos do Comitê Central.