O que fazer para estabilizar a economia?
Por Paulo Nogueira Batista Jr.*
Desde o final de novembro de 2024, a economia brasileira passou por intensa instabilidade financeira e cambial. Foi o pior momento da economia no governo Lula.
Os mercados ficaram mais calmos neste início de ano, mas o câmbio permanece acima de 6 reis por dólar, com impacto adverso sobre a taxa de inflação e os juros.
O que fazer? Vou passar em revista algumas alternativas, sem a pretensão de esgotar o assunto ou sequer de fazer justiça às possibilidades que serão aventadas.
Há dois tipos de medidas: as mais convencionais e as menos rotineiras.
O mais natural seria começar pelas convencionais. O governo já está tomando ou programando algumas medidas desse tipo.
No que diz respeito à política fiscal, é recomendável, em primeiro lugar, tomar providências adicionais de ajustamento para dissipar percepções ainda predominantemente negativas sobre as contas públicas.
Medidas adicionais reduziriam as necessidades de financiamento do governo e a sua dependência em relação ao mercado financeiro.
Em paralelo, caberia confirmar que o aumento da faixa de isenção do imposto de renda será compensado integralmente pelo aumento das alíquotas efetivas sobre os contribuintes de alta renda, especificando de que maneiras eles seriam chamados a contribuir mais.
Outro ponto importante seria reforçar a posição do ministro Haddad dentro do governo.
Nos últimos meses, disseminou-se a suspeita de que ele estaria enfraquecido, o que contribuiu para o tumulto financeiro e a depreciação do real.
Se o Presidente Lula atuar para desfazer essa suspeita, ficará mais fácil acalmar o mercado e formar expectativas positivas em relação à política fiscal.
Não se deve esquecer, leitor ou leitora, que dentro de qualquer governo todos os ministros querem gastar, menos um, o da Fazenda, que quer economizar. Por isso, ele é o único que nunca pode ser “fritado”.
Mas, pensando melhor, essa observação deve ser supérflua, uma vez que o Presidente da República, no seu terceiro mandato, é um líder político super tarimbado.
Seja como for, o governo deve ter em mente que o ajuste fiscal envolve, sempre e em qualquer parte, um conflito distributivo. Ou seja: implica escolher quem será onerado por cortes de despesas ou aumentos da carga tributária.
Como o Brasil apresenta elevado grau de concentração da renda e da riqueza, o ajuste deve ser progressivo ou, no mínimo, neutro em termos distributivos.
Isso significa que não só o imposto de renda, mas também os cortes de gastos, inclusive de isenções e incentivos, devem mirar sobretudo os setores de renda alta.
Em suma, o ajuste deve ser compatível com o mote que foi usado por Lula na campanha eleitoral – “colocar o pobre no orçamento; e o rico no imposto de renda”.
Isso é mais fácil de dizer do que fazer, como se sabe. Mas promessa é promessa.
Tanto mais, ressalte-se, que os juros continuarão elevados em 2025, contribuindo para concentrar a renda nacional.
Se a política fiscal também for injusta, o governo Lula promoverá concentração da renda por duas vias, pela política fiscal e pela política monetária, em flagrante conflito com a sua base social e o discurso de campanha.
De novo, é muito improvável que o presidente Lula se disponha a fazer tal estelionato eleitoral.
Experiente como é, sabe certamente que estelionato eleitoral costuma ser severamente punido no Brasil – Fernando Henrique Cardoso, para mencionar apenas um exemplo, nunca se recuperou politicamente do estelionato de 1998.
Evidentemente, admitir que os juros continuarão altos durante 2025 não significa supor que eles não possam diminuir em algum momento, digamos, do segundo trimestre em diante.
Se a política fiscal seguir o caminho antes mencionado e a posição do Ministro da Fazenda for reforçada, o Banco Central terá a oportunidade, que não deveria perder, de baixar a taxa de juro gradualmente.
E não é só a política fiscal que pode contribuir para juros menores. O Banco Central nem sempre usa, como poderia, todos os instrumentos de que dispõe para induzir uma queda do dólar e baixar os juros.
Alguns são tradicionais, como vender swaps cambiais ou lançar mão das reservas internacionais para intervenções pontuais no mercado de câmbio à vista.
Apesar da perda de cerca de US$ 30 bilhões no final do ano passado, as reservas continuam elevadas e podem ser acionadas para sufocar turbulências cambiais.
E a venda de swaps é uma forma de oferecer hedge cambial e defender o real sem gastar reservas, assumindo obrigações denominadas em moeda nacional.
Outros instrumentos são mais inovadores se comparados à experiência brasileira das décadas recentes.
Menciono três deles, em apertada síntese. Todos eles têm seus riscos, mas podem ser recomendáveis, especialmente se houver novos episódios de turbulência.
Primeiro instrumento: autorizar o Banco Central a operar, quando oportuno, ao longo da curva de juros, influenciando as taxas longas, como fazem alguns dos principais bancos centrais, inclusive o dos EUA.
Segundo: reintroduzir controles de capital, modernizados para incidir sobre derivativos, que correspondem hoje à maior parte das operações de mercado.
O Banco Central e Receita Federal passariam a atuar em conjunto para regular e fiscalizar as remessas de capital dos ricos e super ricos ao exterior. Para esse e outros fins, a Receita deveria recriar uma unidade dedicada os grandes contribuintes.
Terceiro: o Banco Central e o Tesouro podem explorar a possibilidade de captar recursos externos de fontes governamentais, em montante apreciável e em condições de prazo e custo mais favoráveis do que as do mercado interno.
Esses recursos teriam que ser usados exclusivamente para substituir uma parte da dívida interna por dívida externa, e não para financiar um aumento do déficit fiscal ou a acumulação de reservas internacionais. Com isso, melhoraria o perfil da dívida pública, aumentaria a sua estabilidade e o governo ficaria menos dependente do financiamento doméstico.
Em suma, se a política fiscal for reforçada, se o Banco Central contribuir, por seu lado, para a valorização do real e a queda dos juros, e se for possível, além disso, negociar financiamento externo junto a novas fontes, o governo teria condições de estabilizar os mercados financeiros e cambiais e retomar a trajetória econômica bem-sucedida de 2023 e 2024.
Uma ressalva final. Algumas das medidas acima, especialmente as não convencionais, esbarrariam na resistência da plutocracia nacional, que controla o Congresso e a mídia corporativa.
Para adotá-las, o governo teria que estar bem preparado do ponto de vista técnico e disposto a contrariar interesses poderosos.
Difícil, sem dúvida. Mas não é sempre difícil governar de forma justa, com o interesse do povo em mente? E não foi exatamente para isso que Lula se elegeu?
***
*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e escritor. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015. Publicou pela Editora Contracorrente o livro Estilhaços, 2024.
*Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista Carta Capital.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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