
Por Ana Oliveira e Felipe Borges
Pragmatismo Político
Durante uma pregação transmitida ao vivo nas redes sociais, o pastor Nicoletti, líder da Igreja Recomeçar, declarou abertamente que “odeia pobre” e que “Jesus nunca foi pobre”. Em tom inflamado, ele também atacou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, chamando-o de “ladrão”, e criticou programas de transferência de renda ao afirmar que “dar esmola é patrocinar a escravidão”.
“O pobre não é só pobre financeiramente, ele é vítima de alguém que o fez ficar pobre. Ele sempre entende que o mundo deve para ele, e a culpa é de quem tem mais”, disse Nicoletti diante da plateia, que reagiu com aplausos em alguns momentos. “Eu odeio pobre. E eu vou dizer que Jesus nunca foi pobre. E se te falaram isso, mentiram.”
A fala, que circulou amplamente nas redes sociais, gerou reações de indignação e protestos de lideranças religiosas, entidades sociais e especialistas em teologia. Para o pastor, dar ajuda material a quem precisa — política que embasa programas como o Bolsa Família — não é solução: “Ao invés de dar esmola, traz a pessoa para uma imersão por três dias aqui na igreja. Você vai ver a mudança da vida dela.”
Ele continuou: “Todo ladrão tem discurso de ajudar, só que não é só o ‘nove dedos’ não. Tem um monte de cristão ladrão dentro da igreja que rouba o altar e critica a corrupção.” A referência ao apelido pejorativo usado contra o presidente Lula completou o tom político do discurso.
Doutrina da prosperidade e ataque a políticas públicas
Fundada em 2011, a Igreja Recomeçar afirma em seu site institucional que tem como missão “atrair pessoas para o Reino, gerar sonhos e mentorear em suas realizações com foco em seus objetivos”. A visão da igreja é ser “referência nos 27 estados brasileiros, auxiliando pessoas na saúde espiritual, familiar e financeira”.
Apesar da retórica de apoio à realização pessoal e financeira, a fala do pastor Nicoletti escancara a aderência da igreja à chamada “teologia da prosperidade” — vertente neopentecostal que associa fé à conquista de bens materiais — e, ao mesmo tempo, expressa desprezo pelas estruturas de proteção social do Estado.
Especialistas apontam que discursos como o do pastor Nicoletti contribuem para a estigmatização da pobreza e a deslegitimação de políticas públicas de combate à desigualdade. “É um tipo de narrativa que criminaliza a pobreza, reforça o preconceito social e blinda os privilégios sob a capa da fé”, afirmou à reportagem o teólogo André Ricardo, professor da Universidade Federal de Goiás.
Procurada pela reportagem, a assessoria da Igreja Recomeçar não respondeu até o fechamento deste texto. Também não houve manifestação oficial da igreja nas redes sociais após a repercussão negativa das falas do pastor.
O culto permanece publicado no perfil da igreja, que tem milhares de seguidores e atua com forte presença digital. Em seus conteúdos, a organização costuma alternar mensagens de motivação pessoal com declarações políticas alinhadas à extrema-direita e à retórica antipetista.
A ascensão desse tipo de liderança religiosa no Brasil tem sido acompanhada de perto por estudiosos da relação entre religião, política e neoliberalismo. “O fenômeno não é novo, mas vem ganhando intensidade e espaço institucional. E isso tem impacto direto na formulação de valores sociais, na rejeição à empatia e no próprio debate público”, diz a cientista política Natália Gusmão.
Até o momento, nenhuma autoridade religiosa de maior alcance condenou explicitamente as falas de Nicoletti.
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