Passado duvidoso

por Heraldo Campos

Numa rápida pesquisa na internet a expressão “amigo do rei” é “usada para descrever alguém que tem vantagens ou privilégios por estar próximo de pessoas influentes” ou “usada de forma negativa para criticar pessoas que se aproveitam de sua amizade com políticos para se enriquecerem”. No microcosmo de um prédio, num condomínio urbano de apartamentos de classe média, parece que não é muito difícil ter o tal “amigo do rei” ou mesmo o “grileiro de condomínio” ou seja, aquela pessoa com, no mínimo, um passado duvidoso e atuando com muita desenvoltura, junto aos seus pares.

“Mas qual seria o perfil de um grileiro de condomínio?

Digamos que o grileiro de condomínio é um cidadão (?) de classe média, muitas vezes proprietário de um apartamento de padrão médio, dentro de um prédio (condomínio) que reúne outros apartamentos semelhantes, também de proprietários de classe média.

Ele gosta muito e se satisfaz ocupando o lugar da garagem dos outros, jogando lixo na cesta da bicicleta alheia, arrancando adesivos de veículos que não são os seus, invadindo o armário de tralhas que não é de sua propriedade, soltando seus animais nos corredores e nas áreas comuns, interceptando a correspondência do vizinho para bisbilhotice e não contente com essas invasões de privacidade, o grileiro de condomínio ainda promove obra de demolição no seu apartamento, que pode abalar estruturalmente setores do prédio e colocar em risco a segurança de moradores, isso tudo em pleno tempo de isolamento social por causa da pandemia do coronavírus.

Legal esse tipo de cidadão (?), não é mesmo? Que grau de civilidade de fazer inveja, certo?” [1]

“Para quem, por exemplo, participou de assembleia de estudantes sabe que quem estiver presidindo ou secretariando a mesa dos trabalhos tem que ouvir a maioria dos presentes e compreender seus sentimentos. Pode parecer que escrever isso é chover no molhado, mas a decisão da maioria nos assuntos tratados, democraticamente, em uma assembleia deve ser votada e, quando aprovados, compete a mesa dos trabalhos o encaminhamento das deliberações para as ações futuras.  

Em um condomínio de casas, ou de um prédio de apartamentos, o funcionamento das decisões da maioria dos condôminos deve ser seguido adiante pelo síndico e acompanhado pelo conselho fiscal.

Mas, o que fazer com um síndico que compactua com a administradora de um condomínio e com uma série de irregularidades? Se dermos uma lida nas reclamações de condôminos, disponíveis em vários textos na internet, vamos observar que parece que existe um padrão para gente espaçosa e rastaquera. O padrão é mais ou menos esse: excessos de barulho provocados por animais, crianças, adolescentes e até adultos correndo, pulando, gritando, latindo e guinchando, dentro dos apartamentos e nos corredores do prédio de um condomínio, assim como uso de máquinas e equipamentos em obras nos interiores das unidades que, pelo barulho estridente, sugere que estão cavando buracos para esconder dinheiro sujo. Vai saber. Tudo é possível.” [2]

As situações são várias e até, lamentavelmente, hilárias.

“ ‘Isso aqui é uma zona’. Foi o que disseram duas velhinhas, depois de terem alugado e morado por dois meses num predinho de um condomínio da praia. As velhinhas se arrependeram de ter alugado um apartamento pequeno num prédio em que a porteira das vacas, ou a porteira da boiada, era aberta para festinhas que grileiros de condomínio promoviam na beira da piscina. 

É bem possível romper um contrato de aluguel de um apartamento, se a coisa não vai bem e se detecta que “Isso aqui é uma zona”, como as duas lúcidas velhinhas perceberam a tempo e se mandaram para uma coisa melhor.” [3]

E, para piorar, no meio dessa “zona”, tem-se a informação que certos condomínios de apartamentos são, forçadamente, obrigados a conviver com a fumaça de cigarros oriunda de unidades dos seus vizinhos “cidadãos”. Uma sinuca de bico? Vejamos o seguinte exemplo de resposta de uma administadora de condomínio: “Com relação a fumaça de cigarro não existe lei que possamos usar para notificá-los, se fosse área comum sim, porém em sua sacada não podemos notificar. Sugiro que quando houver o uso do cigarro na sacada abaixo que o senhor feche sua porta ou janela.” Não é uma preciosidade esse tipo de resposta? Esse tipo de resposta, leva a crer que trata-se de um caso escandaloso de saúde pública e fechar portas e janelas seria uma solução escapista, nada razoável, e a favor do grileiro de condomínio. É de lascar!

Para concluir, é sabido que se uma pessoa tem um apartamento modesto, adquirido com o suado trabalho de muitos anos, vende-lo de uma hora para outra para sair de uma “arapuca” de um negócio mal feito, a coisa é mais complicada, tornando difícil uma convivência ao longo do tempo e da vida que segue. “Mas a convivência é feita também de silêncio, e distância.” (Fernando Sabino). Pode ser. É triste. Até quando?

Fontes

[1] “Grileiros de condomínio” artigo de 17/11/2020

https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2020/11/grileiros-de-condominio.html

[2] “O síndico” artigo de 27/05/2021

https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2021/05/o-sindico.html

[3] “Isso aqui é uma zona” artigo de 14/05/2021

https://cacamedeirosfilho.blogspot.com/2021/05/isso-aqui-e-uma-zona.html

Heraldo Campos é geólogo (Instituto de Geociências e Ciências Exatas da UNESP, 1976), mestre em Geologia Geral e de Aplicação e doutor em Ciências (Instituto de Geociências da USP, 1987 e 1993) e pós-doutor em hidrogeologia (Universidad Politécnica de Cataluña e Escola de Engenharia de São Carlos da USP, 2000 e 2010).

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Last Update: 03/02/2025