Gastos com doenças mentais devem alcançar US$ 6 trilhões até 2030, segundo estimativas do Fórum Econômico Mundial feitas ainda em 2019.

Desde então, a pandemia acentuou os casos e levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a reconhecer a síndrome de burnout como uma doença ocupacional.

A relação entre saúde mental e ambiente de trabalho passou a ganhar maior visibilidade. No entanto, o debate ainda esbarra em barreiras culturais e estratégias limitadas.

Segundo a neurocientista e consultora da Nêmesis, Joana Coelho, o assunto segue marcado por estigma e silêncio.

“Ainda há resistência em reconhecer e compartilhar experiências de saúde mental dentro das empresas”, afirma.

De acordo com ela, muitos trabalhadores evitam falar sobre o tema por medo de serem vistos como menos capazes.

Cultura da entrega e estigmatização do adoecimento

Durante anos, o ambiente de trabalho valorizou disponibilidade constante e alta produtividade.

Problemas emocionais que afetavam a performance eram encarados como sinal de fraqueza.

“Essa cultura consolidou a ideia de que quem adoece mentalmente tem menor capacidade de entrega”, explica Joana Coelho.

Ao mesmo tempo, consolidou-se uma abordagem individualizada do problema.

Segundo ela, atribuir quadros de ansiedade ou depressão a características pessoais reforça uma visão limitada e ineficaz.

Além disso, a autora lembra que teorias sobre desequilíbrio químico nos neurotransmissores, como serotonina, dominaram o debate durante décadas.

Hoje, no entanto, se sabe que fatores externos são determinantes para o adoecimento.

Fatores de risco estão no ambiente organizacional

No caso do burnout, Joana Coelho destaca que a origem costuma estar no próprio ambiente de trabalho.

Pressão constante, excesso de tarefas, metas agressivas e competição interna criam situações que elevam o estresse a níveis insustentáveis.

“Ambientes com viés de urgência e pouca autonomia aumentam a sensação de ameaça e o distanciamento social”, diz.

Além disso, estilos de liderança baseados em controle minucioso minam a percepção de autonomia dos trabalhadores.

Isso se soma a culturas organizacionais que incentivam comportamentos nocivos, sem espaço para diálogo ou equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

Soluções individuais são úteis, mas insuficientes

Nos últimos anos, empresas têm adotado ações voltadas para o indivíduo, como acesso a psicoterapia ou atividades de relaxamento.

Essas iniciativas, segundo a autora, ajudam a lidar com o estresse pontual da rotina.

No entanto, são limitadas quando o estresse se torna crônico.

“É importante garantir que a carga de estresse não ultrapasse o limite sustentável”, diz Joana Coelho.

Para isso, ela defende ações que atuem também nas causas organizacionais.

É preciso revisar a cultura interna, reduzir fontes de pressão excessiva e incentivar comportamentos que favoreçam a saúde emocional.

Abrir espaço para o diálogo e garantir segurança psicológica

Para enfrentar o estigma, as empresas precisam criar condições para que trabalhadores falem abertamente sobre saúde mental.

“A troca de experiências favorece o acolhimento e amplia a efetividade das soluções”, afirma a neurocientista.

Segundo ela, o desenvolvimento de segurança psicológica é o ponto de partida para uma mudança real.

Promover esse ambiente passa por incentivar lideranças a adotarem posturas de escuta ativa e acolhimento.

Mas os próprios gestores também precisam de suporte.

“Lideranças que lidam com alta pressão devem ter assistência para cuidar da própria saúde mental”, aponta.

Indicadores devem ser revistos para prevenir, não só diagnosticar

Outro ponto abordado pela especialista é o monitoramento.

Muitas áreas de recursos humanos enfrentam dificuldade em captar sinais precoces de adoecimento.

“Mesmo com indicadores disponíveis, muitas queixas relatadas não aparecem nos dados”, afirma Joana Coelho.

Ela propõe a revisão dos indicadores e foco nos fatores que antecedem quadros clínicos, como o burnout.

Monitorar emoções negativas recorrentes e situações que elevam o estresse pode ajudar a reduzir os casos e oferecer respostas mais rápidas.

Segundo a consultora, a mudança de abordagem permite ações mais eficazes na prevenção.

A autora conclui que não existe solução simples.

Mas reforça a importância de repensar a forma como as empresas estruturam suas relações de trabalho.

A construção de um ambiente mais saudável depende da mudança nos modelos de gestão e da eliminação de práticas que agravam o sofrimento mental dos trabalhadores.

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Last Update: 22/03/2025