No programa da PT Conexões Brasil desta quarta-feira, a presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), conversou com o presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o economista Marcio Pochmann, sobre a realidade do país e sobre os desafios para o futuro. Na avaliação dele, o neoliberalismo é incapaz de solucionar as questões nacionais, cabendo ao Estado o papel central na condução do desenvolvimento econômico.
“Garantir o pleno emprego, enfrentar o problema das desigualdades pessoais, familiares, desigualdades regionais. E nesse sentido, não há como escapar. Pelo menos, não temos experiências internacionais que poderiam deixar de reconhecer que o Estado, nesse sentido, tem um papel primordial”, ressaltou Pochmann.
O presidente do IBGE assinalou que o Brasil detém todas as condições para se tornar um país desenvolvido e industrializado. Enquanto houver, no entanto, a prevalência e o domínio da financeirização e da especulação sobre a economia, lamenta Pochmann, o caminho brasileiro rumo à prosperidade permanecerá bloqueado.
“Nós temos dinheiro disponível, nós temos tecnologia, temos onde aplicar o recurso, até com retornos, é claro, e temos mão de obra. Ou seja, não é um problema econômico. Eu entendo que é um problema político: como nós vamos transitar de uma economia financeirizada, rentista, em que o setor financeiro tem ganho superior à economia real. E esse ganho superior à economia real desestimula as possibilidades de investimento produtivo, enfraquece os salários, o emprego”, explica Pochmann.
“A continuar a dominância financeira sobre a economia real, dificilmente nós teremos a possibilidade de chegar a um país desenvolvido que nós podemos vir a ser”, concluiu.
Nova globalização
Questionado pela presidenta do PT a respeito da nova ordem internacional multipolar, da chamada Cooperação Sul-Sul e da reorientação na política externa do Brasil, Pochmann explicou ser necessária nova globalização, que contemple também os países em desenvolvimento, aqueles pertencentes ao Sul Global.
“Há, inegavelmente, uma postura do Brasil, que é um dos protagonistas que ajudou a criar esse grupo de países, chamado BRICS, inicialmente com cinco países e agora com 10 países. E há uma demanda de outros países se agregarem a esse novo conjunto, digamos assim, de orientações, que vêm a propósito de construir uma globalização diferente da que nós temos, uma globalização que aprofundou a desigualdade, que, de certa maneira, tornou muito difícil a realidade dos países latino americanos”, afirma o economista.
Pochmann lembrou da “desdolarização” da economia global atualmente em curso. Em 1944, durante a Conferência de Bretton Woods, os vencedores da Segunda Guerra Mundial elaboraram as regras do novo sistema monetário, que seria atrelado ao dólar estadunidense. Quase 80 anos se passaram e os países estão hoje, cada vez mais, buscando realizar transações em outras moedas.
“Nós não temos uma moeda que é conversível. [Nós temos] uma moeda muito dependente do comportamento do dólar. E há uma discussão muito importante no âmbito dos BRICS, por exemplo, de ampliar as trocas à margem da moeda dos Estados Unidos. Isso coloca para o Brasil, eu diria, desafios: nós nos prepararmos melhor para esta realidade”, adverte.
Soberania dos dados
Na gestão de Pochmann à frente do IBGE, o instituto trabalha pela transição digital do Brasil e pela proteção dos dados oficiais públicos frente a ganância das big techs. Entre as principais bandeiras do economista, destaca-se a proposta de criação do Sistema de Geociência, Estatísticas e Dados (Singed), mecanismo que seria responsável por centralizar e resguardar as informações produzidas por órgãos de Estado.
“Hoje o Brasil tem uma riqueza de bancos de dados, mas são bancos de dados setoriais, que não estão conectados entre si. Se alguém quiser entender a complexidade da totalidade das informações, ele não tem condições, porque os dados não estão pareados, não estão sistematizados”, argumentou.
Sobre a soberania dos dados, Pochmann destaca que as empresas multinacionais de tecnologia produzem seus próprios bancos de dados, a partir da experiência do usuário nas plataformas. As big techs seguem sem regulação no Brasil por falta de iniciativa política do Congresso Nacional, o que representa sério risco ao Estado Democrático de Direito e expõe o país, estima o presidente do IBGE, à condição de subdesenvolvimento.
“A cada dia, nós, que utilizamos as redes sociais, todos que utilizam as redes sociais, geram uma espécie de senso, que fica nas mãos dessas grandes corporações transnacionais, porque as informações que nós passamos (…) servem de modelo de negócio. Entre as 10 maiores empresas que operam na Bolsa de Valores dos Estados Unidos, seis são essas grandes empresas vinculadas a esses bancos de dados”, esclareceu. “E o Brasil não tem nenhuma empresa nesse sentido”, acrescentou.
Democracia brasileira
Por fim, Pochmann tratou do descrédito experimentado pela democracia e pela classe política, ambiente perfeito à ascensão dos sectarismos, assim como foi há quase um século. “A presença do nazismo e do fascismo não se deu somente na Europa. É importante lembrar da presença do nazismo no Brasil”, ponderou.
“Segundo levantamento do Ministério das Relações Exteriores nazista, isso lá nos anos 1930, o Brasil teria a segunda maior concentração de nazistas depois da Alemanha. O Brasil chegou a ter um partido (…) a versão do fascismo europeu aqui no Brasil, muito forte. Isso destaca, justamente, os riscos da democracia não atender os desejos da maioria.”
Da Redação