Para onde vai o governo?, por Aldo Fornazieri

O ano de 2024 terminou politicamente mal no Brasil e para o governo e o de 2025 não começou bem. A perda da capacidade do governo de coordenar as expectativas futuras dos agentes econômicos em meio a uma série de impasses não resolvidos constituiu o ambiente nebuloso do final do ano passado. O início de uma reforma ministerial sem que o governo consiga dizer o que quer e para onde quer conduzir o país marca esse início de ano novo.

Para quem olha o Planalto de longe e da planície, o governo parece cansado, gerido por políticos cansados e que provoca cansaço até mesmo em setores sociais significativos que o apoiam. Todos sabem que o governo tem limites reais, tanto por conta de um Congresso conservador e sem pudor, quanto pela composição de uma base de sustentação que negocia apoios ponto a ponto e que não tem engajamento efetivo na defesa pública das ações governamentais. A rigor, sequer os partidos de centro-esquerda têm esse engajamento.

A imagem que o governo passa é a de que não há um comando político e um rumo claro que indique para onde o governo quer ir, qual seu rumo. A sociedade não consegue identificar qual a direção e sentido do governo. Uma coisa é ter consciência realista dos limites e das dificuldades por conta da correlação de forças e de outros problemas. Outra coisa é acomodar-se às dificuldades, abdicar de dirigir, submergindo a uma dolorosa e agônica passividade, tanto na tarefa de imprimir sentido político, quanto na necessária tarefa de combater os inimigos. Esta é a raiz da sensação de cansaço.  

Com 39 ministérios e sem um estado maior dirigente, o arranjo interno do governo é uma confusão fragmentária que se movimenta sem coordenação. Sejamos francos: Lula não consegue gerir pessoalmente um arranjo dessa natureza. Rui Costa, com funções delegadas e limitadas, tampouco consegue imprimir um sentido de conjunto aos seus pares. Cada um gere seu feudo de forma isolada, mas autolimita suas iniciativas temendo ter que voltar atrás por reprimendas e reprovações do chefe.

Dessa forma, sem um estado maior dirigente, Lula optou por um significativo isolamento dentro do próprio governo. Paga um preço por isso: profere discursos sem medir os riscos políticos provocando efeitos contrários a aquilo que ele deseja. Também toma decisões que terminam prejudicando objetivos do governo. Se Sidônio Palmeira, novo chefe da Secom, terá tino e autoridade para reverter essa fabricação de negatividades é uma coisa a ser vista. Lula terá que ser colaborativo para essa reversão: sair do isolamento, deixar de ouvir quem ouve e saber que o que está em risco é a eleição de 2026.

 Mesmo assim, isoladamente, alguns ministérios conseguem implementar políticas públicas importantes e necessárias e bons programas. Mas na medida em que o governo se move sem um senso de conjunto e sem um comando, essas políticas parecem mercadorias de uma loja decadente que ficam escondidas nos fundos, perdidas em prateleiras abandonadas.

A consequência de tudo isso é que o governo não sai do lugar: as pesquisas de opinião mostram que há uma tripartição equivalente entre aqueles que avaliam bem o governo, aqueles que o julgam regular e aqueles que o rejeitam como ruim ou péssimo. Chegar a 2026 com esse quadro avaliativo é algo temerário. 

Com a reforma ministerial Lula, certamente, procurará resolver problemas pontuais urgentes, tais como: melhorar a comunicação, superar entraves da articulação política, configurar o ministério atendendo os resultados das eleições municipais e começar a construir uma estratégia para 2026.

Mas se a reforma se limitar a essas soluções pontuais será insuficiente. Ela precisa resolver alguns problemas centrais: 1) dar visibilidade a um programa de governo que articule um projeto de país, imprimindo direção e sentido à atividade governamental; 2) na economia, recuperar a capacidade de coordenar as expectativas dos agentes econômicos; 3) na política, instituir um comando interno (estado maior) no governo que coordene tanto as ações governamentais de conjunto, quanto a base de sustentação no Congresso.

Governar significa resolver os principais problemas do país e inovar. O espantoso é que os problemas vêm governando o governo. Passividade e falta de rumo são as consequências da escolha desse modo de proceder, resultando uma posição defensiva tanto na esfera política, quanto na econômica. Os partidos de esquerda ou centro-esquerda também se aninharam nesse modo de proceder. Abdicaram de mobilizações e de enfrentamento mais incisivo das expressões extremistas e fascistas do bolsonarismo.

A palidez dos atos e manifestações contra da tentativa do golpe de 8 de janeiro são fruto dessa mentalidade passiva e defensivista que impera no governo e nos partidos de esquerda. Os partidos simplesmente desertaram de organizar manifestações contra o golpismo. Os eventos organizados pelo governo foram tímidos e protocolares, sem sociedade civil e sem povo. Agregaram apenas a aristocracia política e funcional de Brasília. A impressão que foi passada é a de que todos querem esquecer o que aconteceu e que a nova normalidade da política não comporta confrontos e embates com quem quer que seja.

A imagem que prevaleceu não foi a do relógio do Império recuperado ou do restauro de “As Mulatas”, de Di Cavalcanti e de uma democracia forte e pujante. A impressão que ficou é a de que a democracia continua vandalizada, que a Constituição continua estilhaçada por tiros e que o Estado de Direito está a mercê dos solavancos e vendavais trazidos pelas contingências políticas ou pela vontade enlouquecida de militares aloprados.

O governo precisa prestar atenção ao que acontece com a opinião pública. Mesmo com a crescimento da economia e com o alto nível de emprego, a sensação que as pessoas têm é a de que a vida está difícil. As incertezas e o medo do amanhã predominam nos sentimentos das pessoas. O percentual de famílias endividadas é de 77%. No ano passado o endividamento cresceu entre as famílias em geral e nos segmentos mais pobres em particular. A inflação de alimentos atinge principalmente as camadas menos favorecidas.

A missão do governo nesse início de ano consiste em desfazer esse mal-estar político que contamina diversos setores sociais por diferentes motivos. O governo precisa mostrar-se com uma face enérgica, proativa e com rumo. Não pode ser um governo dos varejos políticos. Precisa ser o governo de projeto, de rumo e de estratégia. Precisa persuadir e convencer pelo seu conteúdo e pelas suas ações. Se não for por esse caminho, corre sérios riscos de perder a capacidade de atração de forças sociais e políticas na caminhada que leva a 2026.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política e autor de Liderança e Poder.

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Last Update: 13/01/2025