O Brasil precisa de uma política cambial para superar a estagnação e voltar a se desenvolver, defende o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, uma das mais longevas vozes contra o pensamento único da ortodoxia econômica.
“Eu não sou um economista bem comportado, sou um economista heterodoxo, graças a Deus”, brinca.
Com uma longa carreira no setor público, Bresser-Pereira foi ministro da Fazenda sob José Sarney, em 1987, e ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 1998. Também é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, onde pesquisa teoria econômica desde os anos 1950.
Agora, aos 90 anos, lança Novo Desenvolvimentismo: Introduzindo uma Nova Teoria Econômica e Economia Política (Editora Contracorrente, 348 páginas), dedicado a iluminar aspectos negligenciados pela cobertura econômica diária.
Para superar os obstáculos que travam o crescimento do País, ele defende um tripé de atuação do Estado baseado em taxa de juros, a taxa de câmbio e o que chama de ‘conta-corrente’ – tudo o que o País exporta menos o que importa de bens e serviços.
“A tese central do novo desenvolvimentismo é que a taxa de câmbio é uma variável fundamental para o desenvolvimento econômico”, explica. “Como o Brasil é exportador de commodities, sua taxa de câmbio flutua com os preços das commodities. Quando os preços sobem, a taxa de câmbio se aprecia, prejudicando a indústria.”
A tarefa, contudo, não é simples. Sequer é fácil pautar esse debate, admite o professor, uma vez que a mera menção ao termo “desenvolvimentismo” provoca calafrios em economistas ortodoxos e em boa parte dos analistas políticos e econômicos ouvidos pela imprensa corporativa.
“A ordem estabelecida, nossas elites e os economistas estrangeiros dizem que o desenvolvimentismo é o mal porque é o que eles não querem. Eles querem o liberalismo econômico e ponto final, pois assim destroem nossa economia, como têm feito desde 1990.”
Confira os destaques da entrevista:
CartaCapital: O que é o novo desenvolvimentismo?
Bresser-Pereira: É uma teoria que venho desenvolvendo desde 2002 com um grupo de economistas. Pode ser vista como uma continuação da teoria desenvolvimentista estruturalista clássica, de Celso Furtado, Raul Prebisch e Inácio Rangel.
Quando saí do governo FHC em 1999, estava decepcionado com a política econômica neoliberal. Não via nenhuma chance de que aquele tipo de ortodoxia econômica pudesse tirar o Brasil da estagnação.
Por outro lado, percebi que o desenvolvimentismo clássico de Furtado, embora muito superior, não respondia para os problemas que estavam surgindo. Era preciso repensar o assunto.
A principal contribuição do novo desenvolvimentismo foi promover uma macroeconomia do desenvolvimento, enquanto a teoria clássica era basicamente microeconômica, focada na acumulação de capital e na eficiência das empresas. Ficávamos dependentes da macroeconomia keynesiana.
O novo desenvolvimentismo trouxe isso, focando principalmente na taxa de juros, na taxa de câmbio e na conta-corrente do país.
CC: O que seria a conta-corrente de um país?
BP: O país tem duas contas fundamentais: a fiscal e a conta-corrente.
A conta fiscal é sobre quanto o Estado gasta versus quanto arrecada, e é a única que interessa ao pensamento ortodoxo. A conta-corrente, por outro lado, é do país. Ela engloba tudo o que o país exporta menos o que importa de bens e serviços.
Enquanto a balança comercial se refere apenas a bens, a conta-corrente é mais ampla e importante. É absolutamente fundamental para um país em desenvolvimento como o Brasil e precisa ser muito bem controlada.
CC: E o que o novo desenvolvimentismo diz sobre essa conta?
BP: O novo desenvolvimentismo defende que, em princípio, você não deve ter déficit em conta-corrente. Ou seja, não deve buscar crescer com poupança externa. Foi observando isso que percebi que a política econômica do governo FHC fracassou, causando duas crises de balanço de pagamentos e uma taxa de crescimento muito baixa.
A política defendida pelo governo era crescer com poupança externa, ou seja, ter um déficit em conta-corrente e financiar esse déficit com empréstimos estrangeiros ou investimento direto das multinacionais.
A suposição era que a poupança externa se somaria à interna, aumentando o volume de investimentos do País. Mas percebi que, na verdade, a poupança externa substituía a interna porque, à medida que você tinha um déficit de conta-corrente, a taxa de câmbio do País se apreciava.
As empresas perdiam competitividade, enquanto os rendimentos dos rentistas — capitalistas que recebem juros, aluguéis e dividendos — aumentavam, assim como os dos trabalhadores. Então, em vez de investir para crescer, o país se endividava, consumindo o que recebia de poupança externa.
CC: Por que há tanta rejeição no Brasil a qualquer menção a desenvolvimentismo?
BP: Há uma coisa chamada imperialismo. O império são os Estados Unidos e outros países ricos liderados por eles. Eles não querem que nos desenvolvamos, especialmente que nos industrializemos. Ficaram felizes com nossa desindustrialização nos últimos 30 anos.
Nos anos 1980, a indústria representava 25% do PIB brasileiro; hoje, é apenas 10%. Foi uma tragédia. Por isso, o Brasil está semiestagnado há 30 ou 40 anos.
O imperialismo atual não pode mais ser colonial, então se manifesta através da hegemonia ideológica, como eu chamo, ou hegemonia cultural, como prefere o sociólogo Jessé Souza.
Eles nos impedem de nos desenvolvermos pregando o liberalismo econômico: que devemos deixar a economia funcionar livremente, que o Estado deve apenas garantir a propriedade e os contratos e manter a conta fiscal equilibrada. E o resto o mercado maravilhoso faria. Isso é ridículo.
A ordem estabelecida, nossas elites e os economistas estrangeiros dizem que o desenvolvimentismo é o mal porque é o que eles não querem. Eles querem o liberalismo econômico e ponto final, pois assim destroem nossa economia, como têm feito desde 1990. É uma questão de hegemonia ideológica.
CC: E por que a taxa de câmbio é tão importante nessa teoria?
BP: O que me interessa é o desenvolvimento econômico com melhor distribuição de renda. A tese central do novo desenvolvimentismo é que a taxa de câmbio é uma variável fundamental para o desenvolvimento econômico.
Isso é uma novidade, pois a teoria econômica tradicional não fala da taxa de câmbio, tratando-a como uma questão de curto prazo.
A taxa de câmbio pode permanecer apreciada, depreciada ou em equilíbrio no longo prazo. No Brasil, ela tende a ficar apreciada no longo prazo.
CC: E quais os riscos de a taxa de câmbio se manter apreciada no longo prazo?
CC: São dois motivos: déficit em conta-corrente e a chamada doença holandesa. Como o Brasil é exportador de commodities, sua taxa de câmbio flutua com os preços das commodities. Quando os preços estão baixos, a doença holandesa é mínima, mas quando sobem, a taxa de câmbio se aprecia, prejudicando a indústria.
Para se desenvolver, o Brasil precisa de uma política cambial. Todos os países do leste da Ásia têm. O Brasil teve até 2001, quando adotou o regime de metas de inflação, perdendo autonomia para manter uma política cambial eficaz.
A política cambial deve garantir que a taxa de câmbio permaneça em um nível competitivo para empresas tecnicamente eficientes.
Para que as empresas com boa tecnologia sejam competitivas internacionalmente, a taxa de câmbio precisa ser favorável. Se apreciada, essas empresas não conseguem enfrentar as importações e não conseguem exportar.
CC: Há espaço para falar de política cambial atualmente?
BP: Ninguém fala em política cambial. O governo não fala, o meu amigo Fernando Haddad não fala… Não fica bem para o império, não fica bem para os economistas bem comportados. Não sou um economista bem comportado, sou um economista heterodoxo, graças a Deus.
CC: Que outras causas explicam a estagnação brasileira?
BP: Além das questões cambiais que mencionei, outro motivo pelo qual o Brasil parou de crescer foi a queda na poupança pública. Nos anos 1970, a poupança pública financiava o investimento público, representando 4% a 5% do PIB. Essa foi a última década de forte crescimento no Brasil.
No início dos anos 1980, a poupança pública caiu para -2%. Essa queda de seis pontos percentuais do PIB resultou em uma degradação do investimento público, contribuindo para nossa quase estagnação.
CC: Qual a sua avaliação do trabalho de Haddad?
BP: Entendo que o governo Lula é um bom governo, está sendo bem-sucedido, e que um fator fundamental do sucesso é Fernando Haddad, que tem sido um ministro da Fazenda extremamente competente e capaz.
CC: Dizem que é o pior emprego do mundo…
BP: É muito difícil, não tão difícil quanto o trabalho que eu tive quando ministro [a Fazenda sob José Sarney, em 1987], porque a crise naquela época era muito maior. Mas hoje é muito difícil governar o Brasil, mais difícil do que naquela época sob alguns aspectos.
Primeiro, há um Congresso de direita que tirou poderes do Executivo para controlar as verbas e se reeleger, o que é um escândalo. O governo ficou em minoria, dificultando muito a vida de Haddad.
Os deputados e senadores querem gastar mais e adotam um neoliberalismo ridículo, tornando muito difícil governar o país. Haddad está fazendo o que pode, mas não consegue pensar no longo prazo. Ele pensa, claro, mas não consegue agir, porque precisa lidar com as urgências diárias, segurar as pontas.
Inclusive porque há uma dialética curiosa entre ele e Lula. Lula diz que quer gastar mais, o mercado fica