O colunista Carlos Silva, do Brasil 247, criticou Luiz Inácio Lula da Silva, pela resposta ao Uol quando perguntado sobre a ausência de mulheres no governo. Segundo ele, “a resposta de Lula foi problemática”. Demonstrando a falência da política identitária, Silva quase pede desculpas por ser identitário: “não será muito razoável se alguém enxergar um caráter identitário na minha crítica. Principalmente, se esse alguém não pertencer aos chamados grupos minoritários da sociedade”.
Detalhe, como veremos, uma crítica totalmente identitária. Mas ele já antecipa apostando na falida política do “lugar de fala”, isto é, da censura. Quem não “pertencer aos chamados grupos minoritários da sociedade”, não pode criticar a política identitária de Silva, que diz:
“Ao dizer que mulheres e negros não tiveram participação ativa na sociedade durante muito tempo, o que, na sua opinião, dificulta encontrar pessoas desses grupos para ocupar determinados cargos em seu governo, Lula, ainda que inconscientemente, além de reforçar estereótipos raciais e de gênero, expressa uma visão política capacitista que coloca em dúvida o saber intelectual e a competência profissional de indivíduos, apenas por eles pertencerem a grupos historicamente excluídos das discussões políticas e sociais do país”.
Não, não se trata nenhum pouco disso que Silva coloca. Na verdade, Lula está certo: a opressão real do negro e da mulher os colocam em situação de inferioridade social, com menos acesso à cultura e menos capacidade de se desenvolver. Portanto, a situação do negro e da mulher os coloca em uma situação intelectual inferior. Não se trata, naturalmente, de um problema biológico, como diriam os teóricos da extrema direita. É um problema social de verdade.
E aí, Silva demonstra a total irrealidade da política identitária quando diz que Lula “expressa uma visão política capacitista que coloca em dúvida o saber intelectual e a competência profissional de indivíduos, apenas por eles pertencerem a grupos historicamente excluídos das discussões políticas e sociais do país”. Para ele, a opressão do negro e da mulher não são coisas reais, que colocam, de fato, o negro e a mulher em um aspecto de inferioridade em todos os ramos. Para ele e os identitários, é um problema ideológico. Quer dizer, negros e brancos são iguais, assim como mulheres e homens; a dificuldade seria devido ao preconceito – racismo e misoginia – que rebaixaria, artificialmente, esses setores sociais.
Na realidade, a situação do negro e da mulher é de opressão verdadeira: a escravidão doméstica, que esmaga a mulher, e a miséria do negro. É uma necessidade do capitalismo, um fato concreto, e não um problema ideológico. Efetivamente, se Lula colocar mulheres, negros, índios e outros setores ditos “minoritários” no governo, isso não mudará, em nada, a situação desses setores.
“A grande verdade é que Lula, como um homem branco, da terceira idade e que construiu sua carreira política numa época em que mulheres, e mais ainda os negros, eram considerados praticamente impúberes para ocupar cargos públicos, em que pese o fato de ele sempre ter sido de esquerda e progressista, reproduz o mesmo pensamento conservador de onde se origina o machismo, o racismo e o capacitismo estruturais”, diz Silva.
A crítica é totalmente sem fundamento. Até porque a política de “ocupar espaços” não é uma política da esquerda, mas dos senhores de guerra imperialistas do Partido Democrata dos Estados Unidos. Quem está mais perto do “conservador”, portanto, é Silva e não Lula — um representante orgânico do movimento operário brasileiro.
A crítica de Silva revela a política do identitarismo, por mais que o colunista seja um mero tonto que não entenda isso: o identitarismo é um ataque ao movimento operário. Por exemplo, em Santa Catarina, um estado majoritariamente “branco” (por mais que isso seja relativo no Brasil), uma greve operária poderia ser facilmente atacada por não contar com lideranças negras.
Além disso, o identitarismo é uma ferramente ideológica do imperialismo para desviar à esquerda da luta pelos interesses da classe trabalhadora, fragmentando a luta em várias reivindicações superficiais, enquanto não se defende, de fato, os interesses dos setores oprimidos que se pretende defender.
“Mesmo com todo processo de apagamento ao qual fomos submetidos, nós, pretos e pretas brasileiros, sempre estivemos capacitados a ocupar determinados cargos, porque boa parte dos africanos que aqui chegaram escravizados não eram escravos em suas terras de origem e não foi a branquitude quem inventou a ‘roda’ do saber e do conhecimento”, alega Silva.
De fato, os negros são capacitados para assumir qualquer cargo, principalmente se pertencer à classe operária. Mas, inegavelmente, a opressão do negro o coloca — não analisando individualmente, mas o setor de conjunto — numa situação que dificulta seu desenvolvimento intelectual.
Porém, realmente, “não foi a branquitude quem inventou a ‘roda’ do saber e do conhecimento” — seja lá o que isso signifique, mas vamos apostar que esteja falando dos europeus que colonizaram a América. O conhecimento adquirido pela Europa foi um processo histórico, uma situação construída pelo ser-humano desde que existe. Apenas as situações históricas fizeram a Europa ser o centro do desenvolvimento econômico e cultural a partir do século XV.
“Não é incomum que a branquitude reconheça a nossa capacidade, talento, conhecimento e competência, uma vez que são virtudes que não podem ser invisibilizadas quando se tornam de apreciação pública. O que não é comum, é essa mesma branquitude nos dar a oportunidade de reconhecimento público. E uma das forças de tentar bloquear o nosso acesso aos espaços tradicionalmente destinados a ela, é nos esconder sob o manto de um racismo que estruturalmente nos invalida, nos coloca sistematicamente sob suspeição e questiona a nossa capacidade através da racialização. Um processo que torna a fala de Lula ainda mais problemática quando lembramos que ele foi o único presidente da história do Brasil a fomentar políticas públicas de inclusão racial social e de gênero na sociedade. Se ele não consegue encontrar negros e mulheres para cargos no governo, quem conseguirá? O Chapolin Colorado?”
O problema não é que Lula “não consegue encontrar negros e mulheres para cargos no governo”. O problema é que Lula não deve fazer isso artificialmente apenas para agradar os interesses do imperialismo e dos carreiristas que querem mamar no estado — como deve ser o caso de Silva. Vejam vocês que a campanha pela “mulher negra no STF” foi uma política de tipo golpista promovida pelo imperialismo. Da mesma forma, os ministros identitários do governo (Silvio Almeida, Anielle Franco, Sonia Guajajara) atuam, efetivamente, para sabotar o governo por dentro.