O “ianque latino”, como é conhecido em Roma, trabalhou 20 anos no enclave mais pobre do Peru e até se naturalizou cidadão
O cardeal Robert Francis Prevost, natural de Chicago e primeiro papa nascido nos Estados Unidos, passou a maior parte de sua carreira fora do país, dedicando-se aos despossuídos e marginalizados. Conhecido em Roma como o “Latin Yankee”, ele trabalhou por 20 anos na região mais pobre do Peru, apaixonando-se tanto pelo país que se naturalizou cidadão. Seu compromisso ali ecoa o legado do Papa Francisco, primeiro líder da Igreja Católica originário da América do Sul.
“Ele segue exatamente o manual do Francisco”, disse Kathleen Sprows Cummings, professora de história da Universidade de Notre Dame especializada em católicos norte-americanos. “Ele preenche todos os requisitos de um futuro papa: coração pastoral, experiência gerencial e visão.”
Francisco recorreu a Prevost em várias ocasiões. Em 2022, encarregou-o de presidir uma reforma revolucionária: incluir três mulheres no grupo de votação que decide quais indicações de bispos são enviadas ao papa. No entanto, seu sucessor é considerado mais moderado, pragmático e cauteloso.
Ao escolher Prevost, de 69 anos, o conclave em Roma ignorou alegações de que ele teria lidado mal ou falhado em agir em casos de abuso sexual envolvendo padres no Peru e nos EUA.
Ele foi eleito mesmo sendo “um enigma para os cardeais, especialmente os norte-americanos, porque passou a vida fora dos Estados Unidos”, afirmou Jon Morris, teólogo e ex-padre que acompanhou a transição em Roma como colaborador da Fox News.
Prevost tem raízes profundas no South Side de Chicago, onde cresceu frequentando a Igreja St. Mary of the Assumption. A mídia local relatou que seu pai, de ascendência francesa e italiana, era educador e catequista, enquanto sua mãe, de origem espanhola, era bibliotecária. Membros do clero visitavam sua família em Illinois para convívio e a culinária de sua mãe, segundo o Pillar, projeto de mídia católica.
Na juventude, foi coroinha, estudou em escola paroquial e depois em seminário. Formou-se em matemática pela Villanova University em 1977, foi ordenado cinco anos depois e obteve doutorado em direito canônico na Pontifícia Universidade de Santo Tomás de Aquino, em Roma. Em seguida, dedicou duas décadas ao Peru, como missionário e pároco.
Fluente em inglês, espanhol, português, italiano e francês, Prevost foi eleito duas vezes líder máximo da antiga Ordem de Santo Agostinho, que prega vida comunitária e harmonia.
Francisco acompanhou sua carreira por anos, enviando-o de volta ao Peru em 2014 como administrador apostólico da Diocese de Chiclayo. Em 2015, tornou-se bispo ali. Em 2023, o papa nomeou-o para dois cargos: presidente da Pontifícia Comissão para a América Latina e líder do Dicastério para os Bispos, órgão vaticano que seleciona bispos mundialmente. Ele ocupou este último cargo até a morte de Francisco, em 21 de abril.
Seu envolvimento em dois casos de abuso sexual por padres em Chicago e no Peru não o impediu de ser eleito.
O primeiro caso remonta a 25 anos atrás, quando Prevost liderava a Província Agostiniana de Chicago. Um padre acusado de abusar de menores foi autorizado a permanecer em um mosteiro próximo a uma escola católica. O Vaticano negou que Prevost tenha aprovado a decisão.
Recentemente, questionou-se seu conhecimento sobre denúncias de abuso na Diocese de Chiclayo durante seu episcopado. Dois padres foram acusados de molestar três meninas, e a SNAP alegou que “Prevost não investigou e enviou informações inadequadas a Roma”. O Vaticano novamente negou irregularidades.
“Dada a extensão do abuso clerical, é plausível que casos tenham ocorrido sob sua vigilância; ele liderou uma congregação com atuação em 50 países”, disse Cummings. “Também é possível que ele tenha falhado em punir agressores e apoiar vítimas, mas, infelizmente, isso vale para quase todos os líderes da Igreja no século XX. Os cardeais dificilmente encontrariam alguém com histórico impecável.”
Por sua trajetória transnacional e religiosa, Prevost tinha proeminência única no conclave, segundo Cummings.
Em entrevista à Vatican News em 2023, ele falou sobre a essência da liderança episcopal: “O Papa Francisco fala em quatro proximidades: com Deus, com os bispos, com os padres e com o povo. Não podemos viver isolados, em palácios, satisfeitos com status. A autoridade que temos é para servir, acompanhar e ensinar.”